Machismo diminuiu, mas gamers ainda escutam: ‘tinha que ser mulher!’

Foto: Joshua Roberts/Reuters

No último dia 10, teve início em São Paulo mais uma edição da Brasil Game Show, maior feita de games da América Latina. Como de praxe, basta caminhar pelos corredores do pavilhão para perceber que a maioria do público é composta por meninos, assim como a maioria dos convidados para falar sobre o assunto. Nada de novo, apenas um reflexo do mundo dos games. Mas neste ano, pela primeira vez, a representatividade está mais em pauta. O YouTube Gaming fez um levantamento e percebeu que os canais de meninas gamers estão tendo um crescimento contínuo e rápido em meio a tantos outros que estão estagnados. Mais de 70 produtoras de conteúdo foram convidadas para a feira, além de canais geek voltados para a comunidade LGBTQ+.  Mariana Delveccio, mais conhecida no mundo online como Satty, foi uma das convidadas e trouxe para o palco do stand um quadro famoso em seu canal: o “Overwatch das Minas”, com um line up inteiro de garotas. “É literalmente a gente mostrando que sabe jogar tanto quanto qualquer um”, explica. 

Em entrevista para a CAPRICHO, a YouTuber  de 24 anos garante que o universo gamer está cada ano mais representativo e menos machista, mas que ainda escuta comentários ultrapassados de pessoas que ou acham que mulheres não podem jogar videogame ou que elas não sabem e estão fazendo isso apenas para se autoafirmarem. “É um espaço ainda majoritariamente masculino, mas nós estamos caminhando para a mudança, que eu acredito que não aconteça com berros e xingamentos”. Para Satty, a conscientização vem por meio de conversas, estudos e experimentos. Por exemplo, em janeiro deste ano a campanha #MyGameMyName, contra o fim do assédio online, foi lançada. Para a futura advogada, esse é um exemplo perfeito a ser seguido, já que promove a transformação por meio da empatia. “O projeto coloca meninos para jogar com nomes femininos. Isso é ótimo, porque é muito difícil você ter empatia por algo que você nunca passou. E tem outra: quando você cala, você está consentindo com o lado opressor. Hoje, já estou vendo caras se posicionando e dizendo: ‘meu, não é para você agir assim’“, conta. 

Apesar de tudo, muitos jogadores ainda ficam atiçados e revoltados com campanhas como essa, e acham que tudo não passa de mimimi. Afinal, já não saíram vários estudos dizendo que as mulheres consomem mais games no Brasil que homens? É verdade. Contudo, muitos deles acham que nem todo game vale. “Candy Crush nem é jogo!”, “mas você só joga no celular”, “quantos jogos você zerou este ano?”, eles desafiam. Para tais questões, Satty tem a melhor resposta: “eu não discrimino um cara que só joga FIFA, sabe? Mesmo que você só joga Candy Crush, você joga algo. Acho que vai do que cada um sente. Eu não sou o Deus dos Jogos para dizer: ‘ó, você é gamer, você não, você tá quase lá’“, ironiza a jogadora, que prefere lidar com o público feminino, apesar de amar seus seguidores do sexo masculino. “As mulheres têm um pouco mais de noção para falar qualquer coisa. Os meninos, mesmo sem querer, às vezes, são um pouco rudes. Mas o importante mesmo é saber falar com os dois lados. E também é importante não só trazer as meninas para os jogos, é preciso fazê-las se sentir à vontade“. O lançamento Assassin’s Creed: Odyssey é um exemplo de jogo que se tornou mais atual: agora, você pode escolher seu gênero sem ter a história afetada por isso. Ter diferentes cores de pele na hora da criação do avatar também é importantíssimo. “Para mim, Overwatch é perfeito, porque tem todos os tipos de personagens, de LGBTQ+ a autistas. É importante ter espelhos, ver que tem heróis como você, sem esteriótipos. Tem que quebrar essa barreira”, explica Satty, que estava ansiosa para testar o novo Kingdom Hearts na BGS 2018: “estava com muito medo da mecânica, mas ele é perfeito! Quase chorei de emoção”.

Apesar da significativa mudança, que há uns três anos não era tão aparente, o caminho é longo para as gamers, que vão precisar de muitas poções de vida e mana para conquistarem seu território. “O comentário ‘tinha que ser mulher’ ainda é típico. Qualquer coisa que a gente faz, jogando bem ou mal, vem esse comentário. Menino nunca escuta: ‘tinha que ser homem’. Ou então: ‘ah, é clássico, ela joga de suporte (no LoL)’, como se eu não pudesse escolher ou só fosse capaz de jogar nessa posição por ser menina”, questiona Mariana, que é tipo a Kassandra de Assassin’s Creed: forte, guerreira, cheia de jogabilidade e bem girl power! #PlayLikeAGirl (Capricho)

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