Diante do colapso do sistema de saúde por causa da segunda onda de coronavírus em Manaus, o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, defendeu, em alerta divulgado nesta quinta-feira, 21, o envio urgente de uma missão de observadores internacionais, por não ser “mais possível confiar nos diferentes níveis de gestão que estão à frente da epidemia”. No comunicado, com o título “Manaus está perdida e a covid-19 explodiu”, o pesquisador também pede a decretação imediata de lockdown para evitar mais mortes na cidade.
Ainda em dezembro, Orellana havia previsto que, sem medidas mais restritivas, Manaus viveria um novo boom da covid que resultaria no salto do número de óbitos. Agora, após ter os alertas negados e ver a tragédia se confirmar, com registro até de pacientes mortos por falta de oxigênio hospitalar, o epidemiologista diz que a condução da crise sanitária está “entrando para a história recente das pandemias como uma das mais dramáticas experiências sanitárias e humanitárias já documentadas”.
“Minha previsão, de que o mês de janeiro seria o ‘mês das lamentações e do luto’, está mais do que confirmada e, por mais desumano e monstruoso que pareça, em Manaus, capital mundial da covid-19, não há qualquer sinal de ‘lockdown'”, escreveu. “Isto parece ser parte de um projeto que muitos insistem em não enxergar e, neste caso, Manaus é o laboratório a céu aberto, onde todo tipo de negligência e barbaridade é possível, sem punição e qualquer ameaça à hegemonia dos responsáveis.
Orellana também destaca que as 945 mortes confirmadas, só nos 20 primeiros dias de janeiro, já se aproximam de todos os óbitos somados entre agosto a dezembro, quando 1.308 pessoas morreram por covid. Os dados foram compilados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), o órgão oficial.
Ainda de acordo com informações compiladas pelo cientistas, Manaus tem registrado médio diária de 27 mortes em casa, entre os dias 13 e 19. “Dezenas de pessoas que foram a óbito em casa sufocadas sem assistência médica, que ficaram à deriva ao sabor do maior mercado paralelo de oxigênio medicinal para uso domiciliar”, relatou. “Boa parte pode ter acabado sufocada e ocasionado danos psicológicos irreversíveis em familiares e entes queridos.”
Para enfrentar a situação, Orella afirma não ser “mais aceitável que se acredite na descabida tese da imunidade de rebanho” ou “em tratamentos inexistentes”. Também explica que, embora a campanha de vacinação tenha começado, “seus efeitos só poderão ser sentidos daqui a alguns meses, o que significa que, no curto prazo, precisamos de medidas em caráter tempestivo e emergencial”.
Para isso, diz o cientista, é preciso “um severo ‘lockdown’ em Manaus, com ao menos 21 dias de duração, ou veremos esta tragédia se aprofundar ainda mais”. Outra medida, defende, é a fiscalização externa. “Precisamos urgentemente de observadores internacionais independentes ligados à Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (CNUDH), pois não é mais possível confiar nos diferentes níveis de gestão que estão à frente da epidemia em Manaus.”
Em entrevista ao Estadão na semana passada, o governador Wilson Lima (PSC) afastou a hipótese de adotar o fechamento completo do Amazonas. “Em nenhum momento, o Estado do Amazonas cogitou a possibilidade de fazer lockdown. Não tem isso vislumbrado no nosso horizonte. Não há condições de fazer um fechamento total, principalmente por conta da nossa dinâmica social. Seria ineficiente”, disse. “Essa possibilidade não passa pela nossa cabeça.”
Em visita a Manaus, também na semana passada, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, falou em “tratamento precoce” — na prática, o uso de medicamentos rejeitados por entidades médicas e científicas contra a covid-19, como a cloroquina. Em meio à crise sanitária, o general deve voltar à cidade nesta quinta-feira.
Em evento no Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), pela manhã, no entanto, Pazuello, já tentou afastar de Brasília a responsabilidade pela situação no Amazonas. “Tudo o que o governador pediu já foi feito”, disse. Segundo ele, o ministério “acompanha e apoia” as medidas adotadas pelo Estado, mas as ações estão “a cargo do prefeito e do governador”. “Não estão a cargo do Ministério da Saúde.” (Notícias ao Minuto)