A oferta de alimentação escolar reduz o consumo de alimentos ultraprocessados, como salgados e refrigerantes, entre adolescentes de escolas públicas de ensino fundamental. A conclusão é apontada em pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) descrita em artigo da revista Scientific Reports, do grupo Nature. O estudo da nutricionista Priscilla Noll aponta a contribuição do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do governo federal no apoio à alimentação escolar e mostra as dificuldades para criar hábitos alimentares mais saudáveis nas escolas, como recursos inadequados, a baixa adesão dos estudantes e o acesso a refrigerantes no ambiente escolar.
O estudo utilizou o banco de dados utilizado na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2015, que investigou informações sobre os fatores de risco e proteção à saúde dos adolescentes. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério da Saúde, com apoio do Ministério da Educação. Uma das etapas do PeNSE ouviu 102.272 estudantes do 9º ano do ensino fundamental, e os dados apontam que o consumo de alimentos ultraprocessados é maior em escolas que possuem cantinas do que naquelas que oferecem alimentação escolar.
“Adolescentes que frequentaram escolas particulares tiveram maior probabilidade de consumir regularmente alimentos ultraprocessados salgados em comparação com os das escolas públicas”, relata Priscilla. “Isso pode ser atribuído à presença do PNAE nas escolas públicas, que visa à oferta de uma alimentação mais saudável, o qual tem sido apontado como fator associado ao menor consumo regular de alimentos ultraprocessados.”
Coordenado pelo governo federal, o PNAE oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública, com repasses financeiros a Estados, municípios e escolas federais, que executam as ações do programa.
Consumo
Os estudantes das escolas localizadas nas capitais dos Estados tiveram uma maior probabilidade de consumir alimentos ultraprocessados salgados e refrigerantes, provavelmente devido à maior disponibilidade de lanchonetes e mercados dentro ou perto das escolas. “Mesmo quem estuda em escolas públicas tinha uma probabilidade maior de consumir refrigerantes regularmente”, observa a nutricionista. “Isso pode ser devido ao fato de que alimentos escolares não excluem o consumo de refrigerantes quando há acesso a essas bebidas no ambiente escolar.”
Segundo Priscilla, a oferta de alimentação escolar foi associada ao maior consumo de alimentos in natura e minimamente processados e o menor consumo de ultraprocessados, apesar das limitações como recursos inadequados e baixa adesão dos alunos. “Ao mesmo tempo, porém, o aumento no consumo de ultraprocessados tem diminuído a qualidade nutricional e ‘padronizado’ a alimentação, interferindo negativamente na variedade relacionada à cultura local, que faz parte dos princípios do PNAE”, observa.
A nutricionista destaca que, entre as diretrizes do programa relacionadas à promoção de uma alimentação saudável, está a obrigatoriedade de utilização de, no mínimo, 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), para compra de alimentos da agricultura familiar. “Essa diretriz tem o potencial de ampliar e diversificar o cardápio escolar, bem como aproximar a produção de alimentos locais e o consumo”, enfatiza.
Regulamentação
Algumas barreiras para o aprimoramento do PNAE apontadas pelo estudo são recursos inadequados e a legislação limitada às quantidades de consumo, baseada em nutrientes. “Nesse sentido, a legislação deve ser atualizada, bem como implementada e monitorada para garantir um ambiente saudável de alimentos que promova boas condições de saúde e desenvolvimento físico, psicológico e social adequado dos escolares”, enfatiza.
De acordo com a nutricionista, é essencial que haja uma regulamentação nacional para cantinas escolares e venda de alimentos nas proximidades das escolas. “A legislação do PNAE define como alimentação escolar qualquer alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem”, observa. “Sob essa perspectiva, as cantinas deveriam seguir essa regulamentação, porém não é o que acontece na prática.”
Atualmente existem leis específicas que proíbem a venda de certos alimentos, como doces e refrigerantes, em alguns Estados (Amazonas, Goiás, Santa Catarina e São Paulo) e municípios (Florianópolis e Rio de Janeiro). “Porém, de uma forma geral, o acompanhamento e fiscalização dessas leis é bastante frágil”, aponta Priscilla. A nutricionista desenvolveu a pesquisa na FMUSP, orientada pelos professores Edmund Chada Baracat e Isabel Cristina Esposito Sorpreso. Os estudos tiveram a colaboração dos professores Matias Noll, Luiz Carlos de Abreu e Erika Aparecida Silveira. (Notícias ao Minuto)