Depois de um vai e volta, o Twitter anunciou nesta quarta-feira (8) mudanças nas políticas de seu sistema usado por programas de terceiros para se conectar à plataforma. Se ninguém mudar de ideia novamente até lá, a atualização passa a valer na segunda-feira (13).
O serviço em questão chama-se API (sigla em inglês para interface para programação de aplicações). É uma ferramenta comum, principalmente em grandes sites, e permite que qualquer programador crie sistemas para interagir com a plataforma.
Com ela, é possível, por exemplo, extrair postagens em massa, criar robôs para compartilhar conteúdos automaticamente ou usar a conta da rede social para fazer login em outros serviços sem se cadastrar.
Essa é mais uma alteração polêmica implementada desde que Elon Musk comprou a rede social, em outubro.
Ela pode prejudicar o trabalho de pesquisadores que dependem de dados coletados na plataforma, como aqueles focados em analisar fake news e discurso de ódio. Além disso, fica incerta a continuidade de alguns robôs úteis na plataforma.
Hoje, praticamente todas as funcionalidades da ferramenta podem ser acessadas gratuitamente, com limitações em relação ao volume de dados que podem ser manipulados.
Há ainda duas modalidades pagas, uma chamada “Premium” (custando de US$ 149 a 2.499 mensais, ou R$ 773 a R$ 12.964) e outra “Enterprise” (sem valor definido), com cotas mais generosas.
Na última quinta-feira (2), o Twitter anunciou que extinguiria a versão gratuita de sua API a partir desta quinta (9). Após a repercussão negativa, mudou o discurso.
No domingo (5), Elon Musk escreveu que contas verificadas poderiam manter um acesso apenas para publicar conteúdo –não há menção a isso no anúncio oficial. Além disso, publicou que manteriam uma opção gratuita, mais simples, para robôs que fornecem “bom conteúdo”.
Não estão claros os critérios ou processo de seleção para isso.
O comunicado desta quarta diz que a versão gratuita será limitada à criação de 1.500 tweets por mês por usuário, mas não explica a desenvolvedores como isso vai funcionar. Também não esclarece quem teria acesso a essa modalidade, tampouco se ela permitiria continuar extraindo conteúdo para análise.
O anúncio avisa que a versão Premium será extinta e que seus clientes devem migrar para o modelo Enterprise. Uma versão “básica”, para acessos em volumes pequenos, será criada por U$ 100 (R$ 519).
A mudança não deve impactar tanto as empresas que consomem bastante da API, pois essas já possuem a modalidade mais alta de acesso pago. Os prejudicados são, por exemplo, pesquisadores que usam o sistema para extrair dados a serem analisados.
“Aqui o que preocupa mais é a incerteza”, diz Pedro Barciela, analista de redes sociais. Ele é um dos responsáveis pelo “Essa tal rede social”, site que publica conteúdos avaliando os debates que acontecem no Twitter.
“Essa insegurança acaba por muitas vezes impedir alguns estudos que seriam feitos no longo prazo. Por exemplo, as análises feitas por pesquisadores dos EUA sobre a influência russa nas eleições do país, que levaram meses ou anos”, afirma Barciela.
Victor Piaia, professor da FGV ECMI (Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas) que estuda plataformas de mídias sociais, também faz um diagnóstico “péssimo”. Para o especialista, a situação pode ser prejudicial até mesmo para a rede social.
Ele cita o monitor do debate sobre fraude nas urnas e desconfiança digital como um dos projetos da FGV a ser impactado pela nova política. A ferramenta, de uso interno, é construída com a API pública do Twitter.
Ela permitia acompanhar o que o público falava sobre temas como intervencionismo, segurança das eleições e voto impresso. Era possível identificar, por exemplo, se a fala de algum político gerava aumento nas discussões sobre um desses temas.
“Hoje, a vida é cada vez mais digital e isso significa que os problemas também estão dentro dos ambientes digitais. Como a gente pensa soluções para as fake news, desinformação, discurso de ódio? Isso depende da pesquisa, de pessoas que mergulhem nos dados para pensar soluções e eventualmente cobrar ações das plataformas”, diz.
Piaia afirma que a facilidade no acesso aos dados, algo que é mais complicado em plataformas concorrentes, causava uma distorção que era benéfica ao Twitter: era mais estudado e, com isso, aparecia como uma rede influente e importante na vida social, mesmo tendo penetração menor do que os rivais.
Outro ponto negativo é o uso na educação. Extrair informações pela API pode ser um caminho para ensinar análise de dados e programação. “Era muito usado na sala de aula”, diz o pesquisador.
A ideia da alteração, segundo Elon Musk, surgiu para barrar as postagens automatizadas. Uma das principais marcas negativas da rede social é a avalanche de conteúdo produzida por robôs coordenados –em campanhas de desinformação, por exemplo.
“A API gratuita está sendo explorada por fraudadores e manipuladores de opinião. Não há processo de verificação ou custo, então é fácil criar 100 mil robôs para fazer coisas ruins. Um acesso custando US$ 100 mensais deve limpar bem as coisas”, escreveu Musk.
Um efeito colateral, no entanto, é um possível fim da linha para robôs inocentes, uma vez que não se sabe quais poderiam ter o privilégio de se manter na plataforma gratuitamente.
Entram nesse bolo os mais divertidos, como o que compartilha automaticamente imagens do desenho Bob Esponja, ou os que publicam informação útil na plataforma.
Um desses casos é o Projeto 7c0. Ele monitora perfis de atores políticos na rede social e alerta, por meio de tweets, quando detecta que alguma postagem foi excluída.
“Atualmente acredito que é fim da linha, inclusive porque US$ 100 é um custo muito alto para um projeto de uma pessoa só”, diz Lucas Lago, criador do sistema.
A iniciativa de Lago depende da API em três etapas: para coletar as postagens, checar as remoções e para publicar as apagadas. A limitação de compartilhar 1,5 mil tweets por mês até poderia ser contornada, explica o programador, colocando um teto nas postagens diárias.
“O problema é que não temos nenhuma informação sobre os outros dois usos que faço da API. Não consigo nem saber se pagando os US$ 100 seria possível manter o projeto funcionando”, afirma Lago.
Procurado, o Twitter não respondeu a reportagem para esclarecimentos na mudança de política.
A alteração na API se soma a uma série de mudanças polêmicas implementadas desde que Elon Musk assumiu a empresa e não foi a primeira mirando robôs.
Em dezembro, ele já havia feito uma mudança na política da rede social para tentar minar o compartilhamento de informações de localização de terceiros. Na ocasião, o pivô da história foi um perfil que foi banido por compartilhar automaticamente o paradeiro do jato do bilionário com base em dados públicos.
A semana da rede social foi movimentada, com usuários relatando dificuldades para publicar tweets nesta quarta-feira. O problema aconteceu no mesmo dia em que foi anunciado no Brasil o pacote de assinatura Twitter Blue por R$ 42 mensais. O serviço reduz anúncios pela metade, garante selo azul de verificado e permite levar ao ar textos de até 4.000 caracteres. (Notícias ao Minuto)