Mulher vítima de violência enfrenta medo e vergonha para denunciar agressor

Foto: Alexas_Fotos/Creative Commons

A cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. A cada 1.4 segundo uma mulher é vítima de assédio. Os dados são do Instituto Maria da Penha e usam como base a pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública realizada em fevereiro de 2017, em 130 municípios. Apesar de os números serem alarmantes, muito casos não entram para as estatísticas porque não são denunciados. Mas o que leva várias mulheres a não denunciarem crimes do tipo? O G1 conversou com promotora de Justiça Silvia Chakian, integrante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público de São Paulo, e com Maíra Liguori, diretora da ONG Think Olga, para entender melhor este cenário.

1 – Descrédito
Um dos motivos é o medo de que, na hora da denúncia, a mulher será desacreditada. O Brasil possui delegacias especializadas no atendimento à mulher, mas, apesar disso a reprodução de comportamentos machistas afasta a vítima. “Quando uma mulher denuncia assédio, ela sofre violência em dobro. Vão questionar suas vestimentas, sua conduta, o horário em que ela estava na rua, vão minimizar seu relato, questionar sua palavra. E isso acontece em todas as instâncias, do ambiente doméstico à delegacia, passando pelo hospital”, diz Maíra, que desde 2013 trabalha para levar informação de temas importantes ao público feminino.

2 – Perfil público do autor
Outro problema é como a figura do agressor se comporta com outras pessoas. Silvia ressalta que muitas vezes um “bom amigo” pode ter um perfil diferente dentro de relacionamento. “As pessoas acreditam que um agressor tem uma cara, que parece ‘criminoso’, que tem antecedentes. Mas não é assim. O agressor trabalha, tem uma boa reputação, paga impostos. Quando a mulher expõe a violência, tem dificuldade de encontrar testemunhas. Os amigos dizem que é uma ótima pessoa, bom profissional, bom colega de trabalho. A palavra dela acaba sendo desacreditada. As pessoas não conseguem relacionar aquele cara gente boa, bom amigo, com um agressor, então é como se ela estivesse mentindo, exagerando”, explica Maíra.

3 – Vínculo
Nos casos de violência doméstica, a decisão de denunciar o agressor é sempre mais difícil. A vítima tem geralmente um vínculo não apenas financeiro, como emocional com o agressor. “Este não é um tema com solução fácil. Para cada mulher este problema se apresenta diferentemente, cheio de nuances. A sociedade se exime de qualquer responsabilidade, com a máxima de que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’. Estas mulheres estão abandonadas. Porém uma coisa é certa: se tivéssemos um serviço amplo e eficiente por parte do Estado, mais e mais mulheres se sentiriam seguras e amparadas para procurar ajuda”, diz Maíra. E é este vínculo que muitas vezes faz com que a vítima não reconheça a violência. “Apesar dos avanços da Lei Maria da Penha, que devem ser ressaltados, muitas mulheres sequer se compreendem vítimas. Principalmente nas violências mais sutis. Muitas mulheres confundem relacionamentos abusivos com zelo, excesso de amor”, ressalta a promotora Silvia.

4 – Vergonha da exposição
A sociedade vê o casamento como parte de uma vida de “sucesso”. Assumir que essa relação tem problemas é um passo difícil para muitas mulheres. A vergonha de expor as agressões para a sociedade e mesmo para agentes públicos é uma barreira que precisa ser quebrada para encerrar o ciclo de violência, segundo as especialistas. “Muitas mulheres têm dificuldade em falar sobre o que estão vivendo por medo dessa exposição, do que os outros vão pensar. A mulher tem aquele ideal do casamento para a vida toda, não quer criar os filhos longe do pai, então acabam sustentando uma situação de violência por mais tempo”, explica Silvia.

5 – Machismo
As especialistas apontam que o machismo é cultural e faz parte da sociedade brasileira. Além dos homens, mulheres também repetem padrões de comportamento que denigrem a mulher, corroboram para a violência de gênero e tornam aceitáveis agressões e assédios. (G1)

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