Antes de atacar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e ameaçar descumprir decisões judiciais, Elon Musk usou o X (antigo Twitter), do qual é dono, para questionar a condenação de um político da Bélgica por compartilhar memes racistas e uma ação que tramita na Justiça alemã contra um político por uso de slogan nazista.
Musk também usou o X para compartilhar uma mensagem falsa sobre o sistema eleitoral dos Estados Unidos, que foi desmentida por governos de três estados.
Para Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador das redes sociais, os ataques ao STF são mais graves, por embutirem uma ameaça de descumprimento de decisão judicial.
12 de março: Musk questiona condenação por racismo na Bélgica
O ex-parlamentar e ativista de extrema direita belga Dries Van Langenhove foi condenado a 1 ano de prisão por espalhar conteúdos racistas e nazistas por meio de um aplicativo de conversas.
Os conteúdos, segundo a agência de notícias Associated Press, incluíam piadas macabras sobre diversos temas, da fome na África aos campos de concentração do Holocausto.
“O réu elogiou a ideologia nazista, que causou e continua a causar sofrimento incalculável a inúmeras pessoas. O processo mostrou que ele quer minar a sociedade democrática e substituí-la por um modelo social de supremacia branca”, afirmou o juiz Jan Van den Berghe, segundo a agência de notícias Associated Press.
No dia 12 de março, Musk usou uma publicação do político no X para perguntar se mais alguém havia sido condenado a prisão por “enviar esse meme em um grupo de conversa”, e retuitou uma publicação de uma ativista holandesa de extrema direita que chamou a condenação de “tirania total”.
Após as postagens do bilionário, o secretário de estado belga para a Recuperação Econômica e Investimentos Estratégicos, Thomas Dermine, respondeu ao bilionário, ainda no X, que “na Bélgica, o racismo não é uma opinião. É um crime”, e acrescentou que “a liberdade de expressão termina onde o ódio começa”.
6 de abril: Musk pergunta ‘por que é ilegal’ usar slogan nazista
Em 6 de abril, Björn Höcke, líder da ala mais radical do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), escreveu no X que seria julgado na cidade alemã de Halle por uma citação em que, segundo o político, “expressou seu patriotismo incorretamente”.
Höcke vai ser julgado por ter usado, em um evento de campanha de 2021, a frase “Tudo pela Alemanha” – lema de um movimento paramilitar nazista, segundo a agência de notícias alemã Deutsche Welle. O político investigado alega que a frase foi “tirada de contexto”.
No mesmo dia, Musk perguntou, também no X: “por que isso é ilegal?”
Na Alemanha, qualquer apologia ao nazismo é crime. O Código Penal alemão proíbe negar publicamente o Holocausto e divulgar propaganda nazista. Isso inclui compartilhar imagens como suásticas, usar um uniforme da SS e fazer declarações apoiando a ideologia nacional-socialista.
2 de abril: Musk compartilha fake sobre sistema eleitoral dos EUA
Em 2 de abril, Musk compartilhou um post de uma conta anônima que afirmava haver fraude no sistema eleitoral americano.
A mensagem afirmava, falsamente, que havia um crescimento no número de eleitores que se registraram com documentos de identidade sem foto no Texas, no Arizona e na Pensilvânia. O texto indicava que esse seria um caminho para que imigrantes ilegais participassem das eleições nos EUA.
No mesmo dia, Donald Trump – o virtual candidato republicano à Presidência em 2024 – repercutiu o assunto em sua rede social. “Quem são todos aqueles eleitores que se registraram sem documento de identidade com foto no Texas, Pensilvânia e Arizona??? O que está acontecendo???”.
No dia seguinte, a secretária de estado do Texas, Jane Nelson, desmentiu as alegações e os números divulgados pela conta anônima.
O governo da Pensilvânia também negou o texto falso. “Os dados citados em uma postagem viral em uma mídia social em abril de 2024 NÃO representam o número de eleitores recém-registrados na Pensilvânia, e qualquer afirmação em contrário é falsa”.
Stephen Richer, que faz parte da administração eleitoral do estado do Arizona, também respondeu a Musk, desmentindo os números alardeados.
Musk não se retratou nem apagou o post.
Ataque no Brasil é mais grave, afirma pesquisador
Para Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Monitor do Debate Político Digital, o ataque de Musk às instituições brasileiras é mais grave do que esses outros três episódios.
Em suas publicações, Musk ameaçou descumprir decisões de Moares, a quem chamou de “ditador brutal”, e defendeu o impeachment do magistrado.
Para o pesquisador, nas postagens sobre Alemanha, Bélgica e EUA, Musk “está sendo um tuiteiro, meio troll”.
“Aqui [no Brasil], não. Ele deu um passo a mais, ele claramente disse que vai descumprir uma ordem judicial”, ressalta Ortellado.
Para o pesquisador, as ações de Musk nesses casos “tem a ver com a posição da direita com a ideia de que os sistemas constitucionais defendem demais as minorias e limitam as maiorias”.
Guga Chacra: por que Musk não critica a China e a Arábia Saudita
Musk já se declarou um “absolutista da liberdade de expressão”, e estudos indicam que, após a compra do antigo Twitter pelo bilionário, o discurso de ódio cresceu na plataforma.
Para Guga Chacra, comentarista e mestre em relações internacionais pela Columbia University de Nova York, Musk é hipócrita ao dizer que defende a liberdade de expressão.
“A gente não pode esquecer que ele fabrica a Tesla na China, a China proíbe o Twitter, e ele jamais ousou fazer uma crítica a China”, afirmou Chacra ao Estúdio i, da GloboNews. “A Arábia Saudita condena as pessoas a [vários] anos e até a décadas na prisão por posts críticos ao esquartejador [príncipe herdeiro da Arábia Saudita] Mohammed bin Salman. O Elon Musk jamais ousou questionar, criticar, citar de forma minimamente negativa o esquartejador Mohammed bin Salman.”
Fonte: G1