Após o governo de São Paulo não anunciar a eficácia da vacina Coronavac, pesquisadores se preocupam com o ruído que a falta de informações claras sobre o assunto pode causar para a população.
Os cientistas reafirmam, contudo, a segurança da vacina e a seriedade dos procedimentos de pesquisa envolvidos.
O governo João Doria havia prometido a divulgação da eficácia da vacina produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, nesta quarta-feira (23). Ao invés disso, foi divulgado, em entrevistas coletiva, somente que a vacina “atingiu o limiar” necessário preconizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Basicamente, isso significa que a Coronavac tem, no mínimo, uma eficácia de 50%.
Mesmo com a falta de dados, os representantes do governo paulista e o próprio governador João Doria (PSDB) inflaram o peso do anúncio genérico. Em seu Twitter, retornando de uma viagem a Miami onde tiraria curtas férias, Doria postou: “Dia histórico para a ciência brasileira”.
Segundo Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas e membro da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), o novo adiamento dos dados -frustrante para todos, população e envolvidos no processo – pode ser resultado de uma possível diferença entre as eficácias encontradas em diferentes países, o que levaria a necessidade de rever os dados.
O tempo a mais poderia ser uma forma de evitar algo semelhante ao que ocorreu com o anúncio da vacina de Oxford/AstraZeneca. Erros no procedimento de pesquisa levaram a aplicações menores do imunizante e a dados discrepantes de eficácia, que foi apresentada como uma média de 70%, com determinados grupos com proteção de 62% e outros com 90%.
“A comunidade científica não gostou dessa publicação”, disse Richtmann.
A especialista afirma que, de toda forma, mesmo limiar da eficácia (50%) já teria um impacto no enfrentamento da pandemia do Sars-CoV-2. “Se vier, 50%, 60%, 70% ou 80%, a vacina é o que temos de melhor neste momento para começar a reduzir a carga da doença.”
Richtmann ainda lembrou que a Sinopharm, que produz vacina contra a Covid-19 com tecnologia semelhante à Sinovac –vírus inativado– afirmou no começo de dezembro ter observado eficácia de 86%. Isso, porém, não significa que a Coronavac seguirá o mesmo padrão.
Independentemente do motivo do novo adiamento, uma das preocupações é o efeito de desconfiança na população que o ruído provocado nesta quarta pode causar.
“O grande erro é marcar uma data para entrega. Você só deveria marcar uma data quando estivesse tudo pronto”, diz Márcio Bittencourt, mestre em saúde publica pela Universidade Harvard e médico do Hospital Universitário da USP.
Bittencourt diz que a comunicação incompleta pode passar a impressão de falta de transparência e minar a confiança da população. “Se digo que sei o resultado, mas não posso mostrar, a impressão que dá é que eu não posso mostrar porque não é tão bom assim. O leigo vai pensar: ‘se fosse bom ele poderia me dizer’.”
A situação se torna mais delicada por se tratar de uma vacina já altamente politizada, em especial pela ação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que já chegou a comemorar uma interrupção dos testes com a Coronavac após o suicídio de um voluntário –além de frequentemente alardear informações falsas sobre supostos efeitos colaterais da vacina, jamais registrados.
“Isso é exatamente o que o Butantan não precisava, porque a vacina deles já está sofrendo com teorias conspiratórias desde o começo”, afirma Natália Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência).
O que Pasternak diz pode ser visto em pesquisa Datafolha recente. Questionados se tomariam uma vacina produzida na China, cerca de 50% da população disse que não.
Segundo a presidente do IQC, a população pode ler os adiamentos como discurso desonestos. “Por mais que a gente, na ciência, tenha compreensão do processo e entenda que isso não quer dizer que a vacina é ruim, isso dá margem para todo tipo de especulação e teoria da conspiração.”
Diante da preocupação que o movimento antivacinas causa, a ausência de informações, “o que também é uma informação”, preocupa Bittencourt. “Esse é o espaço de que as pessoas que querem minar essa estratégia precisam para dizer que não funciona, para inventar número”, diz. “Você dá armas para quem quer criticar de forma não honesta.”
Pasternak diz que vai sobrar para comunicadores, jornalistas e divulgadores científicos, reparar o problema. “Vamos ter que lidar com a incompetência do governo do estado e do Instituto Butantan de se comunicar com a sociedade de forma honesta e transparente.”
As críticas ou preocupações de parte da população têm recaído sobre a velocidade com a qual as vacinas foram produzidas e supostos efeitos colaterais.
Quanto a isso, Richtmann tranquiliza as pessoas: “Que a vacina é segura, disso tenho certeza”.
Resta saber o quanto de proteção ela proporcionará.