Não, George Orwell não se inspirou no Big Brother para escrever 1984 – o livro foi escrito em 1949, muitos anos antes da estreia do programa. Vanessa Lopes, influencer do TikTok e participante do Big Brother Brasil 2024, se confundiu ao referenciar a obra e dizer: “O livro que é baseado nesse programa: 1900 e não sei o quê.”
1984 conta de um futuro distópico, em que a sociedade é constantemente vigiada pelo governo, com câmeras dentro de cada casa. O líder dessa ditadura é denominado simplesmente Grande Irmão – em inglês, Big Brother.
O programa Big Brother começou na Holanda, em 1999. Ele foi criado pela Endemol, uma empresa de televisão holandesa comandada pelos executivos Joop van den Ende e John de Mol (o nome é uma junção de seus sobrenomes). Foi de Mol quem teve a ideia que daria origem ao programa.
Com essas duas informações em mente, é fácil imaginar que o livro tenha servido de inspiração para criar o reality show mais visto do país: o Big Brother Brasil.
Mas, nesse caso, as semelhanças são, sim, mera coincidência. “Engana-se quem imaginar que o livro 1984, de George Orwell, tenha sido uma influência. Não foi”, conta de Mol em uma entrevista à revista Veja, em 2003. “Na obra de Orwell, é o governo que observa tudo o que as pessoas fazem através de câmeras – ele fala de autoritarismo, e não de voyeurismo, como é o nosso caso.”
É claro que não tem como negar que o título é uma referência ao Grande Irmão do livro. Mas, segundo de Mol, ele só pegou o nome emprestado porque era melhor do que o primeiro título pensado para o programa: “A Gaiola Dourada”. Talvez você estivesse assistindo ao GDB 24 esse ano, ao invés do BBB 24.
De onde veio o nome Big Brother?
O criador do reality conta que, em 1998, um ano antes da primeira edição, um grupo de executivos estava participando de uma reunião em um hotel para criar um novo programa. A reunião foi um fiasco. Nenhuma ideia boa.
A sugestão foi arrastar todo mundo para um happy hour e levantar os ânimos após o fracasso. Lá, depois de alguns drinks, alguém mencionou ter lido uma notícia sobre um projeto científico americano chamado Biosfera 2.
“Um grupo de pesquisadores se isolara numa estufa por um longo período, como se estivessem em outro planeta, e todo aquele blá-blá-blá. Logo de cara, fiquei muito interessado em saber mais detalhes sobre e o que acontecera na experiência. A ideia básica do Big Brother nasceu aí”, revela de Mol.
Biosfera 2 foi uma tentativa de replicar a autossuficiência da Terra em uma escala reduzida – a tal Biosfera 1 não é uma versão anterior do experimento, e sim uma referência implícita ao próprio planeta, que é a biosfera original.
Eram 200 mil m3 de espaço dividido entre uma floresta tropical, um minioceano com recifes de corais, uma região pantanosa, uma savana, um deserto, áreas para agricultura e alojamentos. Tudo hermeticamente selado do ambiente externo.
Se essa estrutura autossuficiente desse certo, seria possível replicá-lo em outros planetas – a verdade é que esse era um teste para uma colônia espacial, só que realizado no meio do deserto do Arizona.
Foram dois rounds de confinamento: o primeiro durou dois anos, o segundo, seis meses. O primeiro enfrentou alguns problemas técnicos, que minaram a sua autossuficiência. O segundo degringolou com bagunças administrativas e baderna entre membros da tripulação.
Entre essas e outras, o projeto foi para as cucuias. Atualmente, o local abriga um outro laboratório, o Observatório de Evolução da Paisagem da Universidade do Arizona. Se quiser saber mais da história e funcionamento da Biosfera 2, você pode ler nesta matéria da Super.
Fracasso na ciência, sucesso na TV
O Big Brother chegou ao Brasil em 2002, na rede Globo – depois de ter sido oferecido ao SBT (e recusado). O programa foi um hit: 54 países já tiveram suas versões, mesmo que 36 delas tenham sido canceladas. No Brasil, a ideia pegou como em nenhum outro lugar.
Já em 2003 o programa era aclamado como um sucesso, e John de Mol visto como “o responsável pela maior revolução ocorrida na TV nos últimos anos”, a febre dos reality shows.
Quando questionado pela Veja sobre o fracasso científico da Biosfera 2 e o sucesso de entretenimento do Big Brother, ele respondeu que os dois estavam interligados – os fatores que fizeram a Biosfera falhar eram exatamente os ingredientes do triunfo do programa.
“Quando um grupo permanece isolado por muito tempo, todos os seus membros tendem a seguir um comportamento mais ou menos padronizado. No começo, as pessoas tentam fingir que são mais boazinhas do que são mais boazinhas do que realmente são. Depois de duas ou três semanas, essas mesmas pessoas já não estão mais nem aí com as aparências: caem as máscaras, e elas passam a se comportar como na vida real. É o que ocorre nos reality shows”, afirma de Mol.
Por Leo Caparroz / Superinteressante