O desrespeito à quarentena e riscos que ele traz

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As medidas de isolamento social no Brasil, como o fechamento de comércio de bens e serviços não-essenciais, começaram no Brasil na segunda quinzena de março, a partir de decisões de governadores e prefeitos. Menos de um mês depois da implementação, em meio a informações oficiais desencontradas, com o presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, atacando o confinamento, diferentes locais do país começaram a registrar mais pessoas circulando nas ruas.

Segundo levantamento da empresa In Loco, que utiliza dados de localização de 60 milhões de celulares pelo Brasil, entre a última semana de março e os primeiros dias de abril, em todas as capitais do país houve, depois de uma reclusão inicial, algum aumento da circulação de pessoas.

Em São Paulo, o governo estadual revelou que na quarta-feira (8) houve um isolamento social de apenas 49%, menor índice desde o início da quarentena, em 24 de março. O maior percentual registrado pelo estado nesse período ocorreu no dia 5 de abril. O índice foi de 59%, próximo à média da capital. Cidades do interior estão puxando a estatística para baixo.

O cálculo se baseia em dados colhidos pelas quatro principais operadoras de telefonia brasileiras, que conseguem acessar a geolocalização dos celulares. Dezenas de outros estados e cidades do país também monitoram o isolamento social por meio desse tipo de dado.

Por que o relaxamento pode ser um problema

Segundo autoridades sanitárias, o afrouxamento do isolamento é preocupante e não deveria ocorrer neste momento. Como a infecção pelo novo coronavírus pode ser assintomática ou só desencadear sintomas depois de duas semanas, baixos números de casos registrados podem dar a falsa impressão de segurança.

Dessa forma, localidades que resolvam relaxar suas medidas de isolamento antes de uma queda consistente do número nacional de contaminações podem ser surpreendidas por um súbito aumento posterior dos casos, com pressão sobre os sistemas de saúde. Foi o que aconteceu, por exemplo, na região da Lombardia, na Itália.

O diretor-geral do Hospital Sírio Libanês, Paulo Chapchap, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo publicada no dia 3 de abril, disse que “nao podemos relaxar” e alertou para esse período silencioso da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

“É importante lembrar que há um período silencioso entre a contaminação e a doença, entre a doença e a necessidade de atendimento no hospital e do hospital para a curva de mortalidade. Esse período progressivo de silêncio não é de duas semanas. Esse efeito é maior, de três a cinco semanas” Paulo Chapchap, diretor-geral do Hospital Sírio Libanês, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, publicada em 3 de abril

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, depois de grande tensão com o presidente Jair Bolsonaro, passou a admitir que cidades com menos casos de infecção, com 50% ou mais de leitos não ocupados, adotem um sistema de distanciamento social seletivo, isto é, com o isolamento apenas de infectados e de pessoas do grupos de risco, como idosos ou com doenças pré-existentes.

Os críticos dessa flexibilização argumentam, no entanto, que os baixos números de casos não são indicativo suficiente de que aquela área triunfou em definitivo sobre o novo coronavírus. Isso porque a maior parcela da população brasileira não está sendo testada, e os cenários podem mudar rapidamente, dada a alta taxa de transmissibilidade do vírus.

Em São Paulo, por exemplo, segundo o infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus do estado, apenas um índice de isolamento de 70% é capaz de garantir que os leitos do estado sejam suficientes para o tratamento de todos os contaminados que venham a ter complicações.

Estudos preliminares indicam que o isolamento social no Reino Unido é de 73%. Regiões da China que conseguiram conter a disseminação do vírus, por sua vez, conseguiram alcançar taxas maiores do que 85% de redução do contato social.

Os instrumentos contra o afrouxamento

Pelo mundo todo, governos buscam soluções para garantirem efetividade aos seus decretos de quarentena. Entre as estratégias já adotadas, há abordagens de convencimento, mas também de coerção, como multas e detenções.

Em Recife, por exemplo, o prefeito Geraldo Júlio (PSB) pretende usar dados de geolocalização de celulares para identificar bairros aos quais deve dirigir campanhas de conscientização com mais intensidade. A prefeitura pretende usar 20 carros de som e notificações em aplicativos telefônicos para alertar a população sobre a importância do distanciamento social.

A prefeitura de Florianópolis, por sua vez, já começou a implantar a estratégia de multas. Na cidade, duas pessoas com suspeita de infecção pelo novo coronavírus receberam a punição de R$ 500, por não estarem em casa quando foram procuradas para testagem.

Em outros países, as multas passam dos milhares de reais. Na Itália, a penalidade pode chegar a 3.000 euros, o que equivale a mais de 16 mil reais.

Para monitorar a população e saber quem está ou não cumprindo as medidas de quarentena, governos lançam mão de um verdadeiro arsenal tecnológico.

A empresa In Loco tem fornecido no Brasil estatísticas sobre geolocalização de cidadãos a diferentes prefeituras e governos estaduais no Brasil durante a pandemia. Os dados são coletados por meio de aplicativos de bancos e grandes grupos varejistas.

Ao Nexo a assessoria de imprensa do serviço informou que as parcerias com os governos têm sido firmadas bro bono (sem cobrança). Informou também que os dados são recolhidos sem qualquer tipo de identificação do usuário e repassados ao poder público de forma agregada (por bairro, cidade ou estado).

Outros mecanismos de fiscalização

PULSEIRAS

Em Hong Kong, residentes que retornam à região recebem uma pulseira eletrônica. Conectada a um aplicativo de celular e calibrada pelo sistema de geofencing (pelo qual os usuários andam por suas casas para realizarem a configuração), a pulseira detecta se os usuários forem às ruas durante os 14 dias da quarentena obrigatória.

CHECAGENS POR VÍDEO E TELEFONE

Pela lei de Cingapura, pessoas sujeitas a quarentena obrigatória, como infectados e pessoas recém-chegadas do exterior, podem ser contatadas diariamente por autoridades públicas, via telefone, chamada de vídeo ou mesmo pessoalmente. Os cidadãos têm de informar sobre seu estado de saúde e sua temperatura corporal e podem ser requisitados a compartilharem sua localização por meio de celular.

DRONES

A prefeitura de Madri, na Espanha, usa drones para fiscalizar a existência de aglomerações e dar anúncios como: “por favor, as autoridades de saúde recomendam que voltem para casa e deixem os parques”.

FORÇA POLICIAL

Na França, 100 mil policiais trabalham no enfrentamento da pandemia. Entre outras atividades, eles verificam as auto-declarações dos transeuntes, que, antes de saírem de casa, têm de preencher documento sobre que atividade urgente irá realizar e o tempo que precisará ficar fora de casa.

QR CODES E CÂMARA INFRAVERMELHAS

Fábricas na China, que gradativamente voltam a produzir, usam câmara que capta a temperatura corporal das pessoas que por ela passam para monitorarem a saúde de seus funcionários. QR codes nas entradas da fábrica e em cadeiras de refeitório registram também por onde andou cada trabalhador e com quem ele teve contato.

APLICATIVOS DO GOVERNO

Na Coreia do Sul, aplicativos do governo registram a localização em tempo real dos cidadãos e diariamente solicitam que o usuário informe sobre seu estado de saúde. Existe app específico para pessoas submetidas à quarentena obrigatória, como pessoas com infecção confirmada. (Nexo Jornal)

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