A Ordem dos Advogados do Brasil defende a legalidade da menina de 10 anos que foi estuprada, em São Mateus, no Espírito Santo. O caso ganhou repercussão nacional nesta semana e agora, a interrupção da gravidez está nas mãos da Justiça. O tio da criança é investigado por estuprá-la desde os 6 anos de idade.
“Do ponto de vista de lei, temos um duplo requisito (para o aborto legal) que está sendo preenchido no caso dela: além de ter sido estupro, gera risco para a vida da grávida. Então, entendemos que está muito legitimada a prática do aborto, para que se preserve a vítima. Não vejo nenhuma instância de restrição. A OAB-ES já solicitou às autoridades o acesso aos documentos para acompanhar o caso e ficar ao lado da vítima, que é a maior prejudicada”, afirma José Carlos Rizk Filho, presidente da OAB-ES ao jornal O Globo.
Mulheres menores de 18 anos precisam do consentimento de representantes legais para realizar o aborto, embora a voz das jovens seja fundamental. Segundo a advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski, do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil), como a menina não está com sua representante legal, cabe ao Estado consentir.
“Pela experiência que temos em direito internacional, é comum, usando a justificativa de proteger as jovens, colocá-las em abrigos. Mas existem outras formas de manter a segurança da menina, como prender o agressor e colocar vigilância”, afirma a advogada. “Retirar a menina do espaço em que vive e das pessoas de que gosta produz nela uma sensação de culpa, de dor. E a gente sabe que em um abrigo ela está submetida à influência de terceiros que nunca viu”.
Pela idade, a gravidez envolve vários riscos, como hipertensão, traumas do parto e até morte, explica o coordenador da Rede Médica pelo Direito de Decidir, o obstetra Cristião Rosas. “Ninguém sabe se ela suportaria uma gestação. Postergar o procedimento, se essa é a vontade dela, é uma temeridade. A medida que a idade gestacional aumenta, os riscos vão crescendo, mas há estudos que mostram que, em termos de mortalidade materna, um aborto legal é mais seguro até que o aborto espontâneo de uma mulher, imagina de uma criança”, diz o médico, frisando o impacto psicológico. “Não dar acesso à interrupção dessa gestação seria, na minha avaliação, semelhante à tortura para essa criança”.
Já Nicole Campos, gerente técnica de programas da Plan International Brasil, afirma que a não interrupção de uma gravidez nestas condições pode impactar ainda mais a vida da gestante: “Se o estupro é presumido, essa gravidez é forçada, porque ela não decidiu ficar grávida. Há alguns estudos que discutem de que quando o estupro é presumido, a própria vítima não tem noção do que ela está escolhendo. O aborto realmente deveria ser feito, não tem muito a se discutir neste caso. Porque você entra com outras discussões, como o tabu, o preconceito que a menina vai sofrer, o tempo que ela vai ter que dedicar para a maternidade, as chances de futuro que ela vai ter, o próprio trauma, o risco de bebês que nascem de mães muito novas.
Um abaixo-assinado foi organizado na plataforma Change.org para pedir que a Justiça autorize a interrupção da gravidez da menina. O Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de São Mateus emitiu nota ontem dizendo que a criança está recebendo acompanhamento médico, psicológico e social e que o processo tem recebido andamento imediato. “Todas as hipóteses constitucionais e legais para o melhor interesse da criança serão consideradas por parte deste Juízo no momento de decidir a demanda, valendo destacar que este órgão se pauta estritamente no rigoroso e técnico cumprimento da legislação vigente, sem influências religiosas, filosóficas, morais, ou de qualquer outro tipo que não a aplicação das normas pertinentes ao caso”, afirma a nota. (BN)