“Eles estão aqui.” Essa frase curta está na 69ª posição do ranking do American Film Institute que relaciona os melhores diálogos da história do cinema. E é de um dos melhores filmes de terror de todos os tempos: Poltergeist: o Fenômeno (1982), escrito e produzido por Steven Spielberg. As palavras são ditas por uma menininha que se conecta com forças sobrenaturais por meio de um canal de TV fora de sintonia – até que é abduzida por fantasmas.
O filme fez tanto sucesso que a atriz-mirim Heather O’Rourke interpretou essa personagem em duas sequências. Mas, antes que Poltergeist III: O capítulo final chegasse às telas, Heather morreu, aos 12 anos de idade. No dia 1º de fevereiro de 1988, a menina não conseguia engolir sua torrada no café da manhã, e sua mãe notou que os dedos da pequena estavam ficando azuis. Logo em seguida, Heather desmaiou no chão da cozinha. Já na ambulância, ela sofreria uma parada cardíaca e acabou morrendo na mesa de operação.
A causa da morte precoce de Heather O’Rourke foi uma obstrução intestinal que ela já tinha há algum tempo, mas que foi mal diagnosticada. Os médicos confundiram com doença de Crohn, uma inflamação crônica que, se bem medicada, não leva a maiores consequências. Não era isso – e o erro médico custou a vida da pequena Heather. O nível da obstrução já era tão grave que provocou um choque séptico, que faria seu coração parar de bater.
Da Hollywood dos anos 1980 para o Brasil de 2022: no começo da madrugada desta segunda-feira, 3 de janeiro, um avião da Força Aérea Brasileira levou o presidente Jair Bolsonaro de Santa Catarina, onde passou as últimas semanas curtindo dias de intenso lazer, para o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, de onde foi diretamente para o Hospital Vila Nova Star. Bolsonaro declarou em seu Twitter que começou a passar mal após o almoço de domingo (motivo pelo qual cancelou o que seria mais um passeio de moto com seus apoiadores). Um boletim médico do hospital paulistano confirmou que o caso é de obstrução intestinal, o mesmo problema que já levou o presidente a ser internado por quatro dias, seis meses atrás. Ainda em seu Twitter, Jair creditou a recaída às consequências da facada na barriga que sofreu quando ainda estava em campanha eleitoral, em 2018, e das quatro cirurgias pelas quais passou desde então.
De fato, uma cirurgia no intestino é capaz de provocar obstrução intestinal. A operação pode levar à formação de aderências (faixas fibrosas relacionadas à cicatriz) no interior do abdômen. Além disso, uma obstrução pode surgir por causa de tumores no intestino, hérnias e até diverticulite (inflamação na parede interna do órgão). Entre os sintomas comuns estão dores abdominais, inchaço da barriga, náuseas, vômitos e prisão de ventre (lembrando que o intestino está com um bloqueio, o que pode impedir a evacuação e até a flatulência).
Morte em 6 horas
Assim como no caso da menina Heather O’Rourke, a obstrução intestinal pode evoluir para casos graves e morte. Uma das complicações é quando, antes de o paciente morrer, seu intestino morre primeiro. A obstrução total do órgão (ela pode ser apenas parcial) corta o fluxo sanguíneo em 25% dos casos em que o bloqueio está no intestino delgado. Sem sangue, a parede intestinal literalmente morre. Antes que uma cirurgia dê um jeito nisso, essa falência dos tecidos pode levar a uma perfuração no intestino. E um intestino com buracos é um sério risco para o organismo. Pode provocar desde uma peritonite (infecção da cavidade abdominal) até uma septicemia (a infecção generalizada que matou a atriz americana). Mesmo a peritonite pode matar. Muitas vezes, precisa de intervenção cirúrgica urgente no abdômen e administração de antibióticos.
Segundo o cirurgião Parswa Ansari, do hospital Lenox Hill, de Nova York, veterano do Conselho Americano de Cirurgia no Intestino, em casos muito graves de obstrução total do órgão, o quadro pode evoluir para a morte em apenas seis horas. Por isso, é fundamental ter um diagnóstico rápido, que identifique onde está a obstrução (casos no intestino delgado costumam ser mais graves do que no intestino grosso) e se é caso de cirurgia ou basta o tratamento clínico.
Em 2015, uma auditoria encomendada pelo governo britânico analisou casos de 20 mil pacientes de quase 200 hospitais da Inglaterra e do País de Gales, e revelou que um em cada dez que precisaram de uma cirurgia de emergência no intestino morreu – fosse na cirurgia ou num prazo de até 30 dias após a operação.
Mortes que poderiam ser evitadas. O principal motivo dessa proporção assustadora é o despreparo das equipes médicas para identificar com rapidez a obstrução intestinal ou mesmo providenciar o atendimento adequado.
Por Alexandre Carvalho / Superinteressante