As mortes de adolescentes por overdose de fentanil subiram 20% no ano passado. Quem é o culpado e o que pode ser feito para melhorar essa situação?
As mortes de adolescentes por overdose nunca foram tão altas nos EUA. Os jovens americanos são cada vez mais afetados pelo fentanil, um medicamento da classe dos opioides.
Mais de 100 mil americanos morreram de overdose no ano passado — a grande maioria deles adultos. Mas o grupo que apresentou um maior crescimento na taxa de óbitos por esse motivo foi justamente o de adolescentes.
A família de Melanie Ramos sabe muito bem disso. A menina de 15 anos morreu dentro do banheiro de sua escola no mês passado, depois de tomar um comprimido que continha fentanil.
Ramos e uma amiga pensaram que estavam ingerindo oxicodona e paracetamol. Mas as pílulas falsificadas foram misturadas com fentanil — e ela acabou intoxicada.
“Ela era uma menina linda e doce, com pais trabalhadores”, relatou Oscar, tio dela, durante uma vigília à luz de velas nos degraus da escola Bernstein High School, onde amigos e familiares rezaram em espanhol e colocaram flores em um santuário criado para Ramos.
O fentanil normalmente é contrabandeado para os Estados Unidos por cartéis de drogas mexicanos.
Embora costumasse ser misturado com drogas mais pesadas, como a heroína, os cartéis agora produzem em massa pílulas de fentanil nas cores do arco-íris para imitar comprimidos comuns e, de acordo com especialistas, para atingir crianças que ficam mais dispostas a experimentá-las.
Em Los Angeles, uma série de mortes por overdose tem preocupado as autoridades. Na quarta-feira (12/10), o Estado da Califórnia apreendeu 24 quilos de pó de fentanil — o suficiente para fazer 250 mil pílulas — como parte de uma operação liderada pelo Departamento de Justiça.
Mas o problema se estende pelos EUA. Em Nova York, na semana passada, as autoridades apreenderam 15 mil pílulas coloridas escondidas em uma caixa de brinquedos Lego.
Os Estados Unidos são uma exceção quando se trata de overdoses, com uma taxa de mortalidade 20 vezes maior do que a média global.
“Infelizmente, somos de longe os líderes mundiais em mortes por overdose”, lamenta Joseph Friedman, pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
A taxa de overdose entre crianças americanas em idade escolar dobrou entre 2019 e 2020 — e aumentou mais 20% no ano passado, calcula o acadêmico.
“O uso de drogas por adolescentes está se tornando mais perigoso, mas não mais comum”, diferencia Friedman.
Ele explica que o culpado é o fentanil, e não o estresse da pandemia de covid-19: o uso de drogas por adolescentes caiu drasticamente durante a crise sanitária, porque elas geralmente são consumidas em eventos sociais (que foram drasticamente reduzidos em 2020 e 2021).
Em uma reunião na Bernstein High School, onde Ramos morreu, autoridades e policiais alertaram famílias e crianças sobre “a pílula que pode matar”.
O aumento de mortes entre os mais jovens levou o poder público de Los Angeles a estocar em todas as escolas doses de Narcan, um medicamento para a reversão da overdose.
Esse fármaco, que geralmente vem na forma de um spray nasal, pode ser usado por qualquer pessoa para reverter os efeitos colaterais.
Aumentar o acesso ao Narcan também faz parte de uma resposta federal à crise dos opioides anunciada este mês pelo governo de Joe Biden.
O presidente americano disse que investirá US$ 1,5 bilhão para financiar programas e apoiar a aplicação da lei no combate ao tráfico de drogas.
Especialistas entendem que os adolescentes experimentarão drogas, não importa o que seja dito ou ensinado nas escolas. Assim, a prevenção da overdose é a única maneira de retardar o crescimento das mortes pelo abuso dessas substâncias.
Trabalhadores do Projeto de Saúde Comunitária de Los Angeles fornecem tiras de teste gratuitas de Narcan e fentanil — para que as pessoas possam medir o nível de drogas que têm no organismo antes tomar novas doses.
Esses profissionais avaliam como positivo o fato de as escolas agora manterem o Narcan por perto. Eles também pedem que pais e filhos carreguem esse fármaco nas mochilas.
Em um treinamento recente realizado nas escolas, a conselheira sobre álcool e drogas Sandra Mims demonstrou como usar o spray — uma borrifada no nariz, seguida de uma massagem no esterno, no meio do peito.
Se a pessoa que está em overdose não responder em dois ou três minutos, deve-se aplicar uma nova dose do spray.
“Muitas vezes, as crianças começam experimentar drogas a partir dos 12 anos”, diz Mims.
“E esse hábito é muito mais mortal agora com o fentanil e as pílulas sintéticas.”
Nick Angelo, que usou opioides no passado, trabalha agora para uma organização sem fins lucrativos. Ele conta que salvou três pessoas com o Narcan em uma única semana.
Mas o tom que ele usou ao comentar sobre esses episódios transparecia mais cansaço do que heroísmo.
“Quando eu e meus amigos tomávamos opioides, não precisávamos nos preocupar com o risco de que cada comprimido poderia ser o último”, diz. (G1)