Também na contramão das quedas dos roubos, latrocínios, lesão corporal, entre outros crimes, está o aumento de 20,6% no número de registros de injúria racial: de 6.195 casos em 2017 para 7.616, em 2018. O homicídio contra a população LGBT também registrou um aumento de 10,1% no Brasil, segundo o Anuário.
“Tudo indica que estamos diante do aumento de crimes de ódio. Apesar da redução das mortes violentas, há aumento da violência de gênero, LGBT e racial”, afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Faz sentido se formos pensar que o Brasil vive uma polarização absurda e lida com uma retórica que reforça a ideia de que a violência é um mecanismo legítimo para solucionar conflitos. São propagados discursos de ódio e intolerância. Há legitimação da tortura, do machismo e a da misoginia”, diz.
“E esse discurso tem efeito prático na vida das pessoas. Pensando que os estupros e feminicídios ocorrem mais dentro de casa, podemos ver que essa retórica lá de fora chega sem filtros dentro de casa. Você não pode falar publicamente, mas pode fazer dentro de casa”, completa.
Estupros
No início da série histórica, em 2011, o país teve 43.869 casos de estupro. De lá para cá, houve um aumento de 50,5% nos registros. De 2017 para 2018, a variação foi de 4,1%. Quando só vítimas mulheres são consideradas, o aumento vai a 5,4%.
“O estupro é uma violência sexual circunscrita por manifestações abusivas de poder e marcadores de gênero, logo, não se trata de uma expressão de um tipo de sexualidade brutalizada ou desenfreada, mas de uma forma de dominação. De acordo com os registros de estupro e estupro de vulnerável dos anos de 2017 e 2018, 81,8% das vítimas eram do sexo feminino, o que evidencia a desigualdade de gênero como uma das raízes da violência sexual”, diz estudo feito por pesquisadoras do Fórum a partir de microdados do anuário.
Segundo o estudo, a maior parte dos estupros que ocorre no Brasil é o de vulnerável (contra crianças menores de 14 anos ou pessoas com doenças ou deficiência mental que não têm discernimento para a prática do ato e que não podem oferecer resistência): 63,8%.
A maioria dos crimes é praticado contra meninas de 10 a 13 anos (28,6%). O autor do estupro é homem (96,3%) e é quase sempre conhecido da vítima (75,9%).
Sobre a baixa idade das vítimas, as pesquisadoras do Fórum Samira Bueno, Carolina Pereira e Cristina Neme lembram que, de acordo com a Unicef, meninas de até 16 anos, em especial em classes mais baixas, “associam o casamento à possibilidade de mudança de status social, de alguma forma de emancipação e de serem mais valorizadas”. “A gravidez autoriza o casamento infantil no Brasil, inclusive com meninas com menos de 14 anos, sendo que, a princípio, pelas definições do Código Penal Brasileiro, qualquer relação sexual com menina dessa idade pode ser criminalizada como um estupro de vulnerável.”
O Mato Grosso do Sul tem a maior taxa de estupros por 100 mil habitantes do Brasil (70,4), seguido pelo Paraná, com 60,8 – dois estados que não figuram entre os primeiros do ranking de mortes violentas.
Como lembram as pesquisadoras do Fórum, os números são ainda mais alarmantes quando se leva em conta que os crimes sexuais estão entre aqueles com menores taxas de notificação à polícia.
“O que indica que os números aqui analisados são apenas a face mais visível de um enorme problema que vitima milhares de pessoas anualmente. No caso brasileiro, a última pesquisa nacional de vitimização estimou que cerca de 7,5% das vítimas de violência sexual notificam a polícia. Nos Estados Unidos, a taxa varia entre 16% e 32%, a depender do estudo.”
Entre os motivos para a baixa notificação estão o medo de retaliação por parte do agressor, que é geralmente conhecido da vítima, receio de julgamento e descrédito nas instituições policiais e de Justiça. Pesquisa produzida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2016 mostrou que 43% dos brasileiros do sexo masculino com 16 anos ou mais acreditavam que “mulheres que não se dão ao respeito são estupradas”.
Ainda no âmbito da violência contra a mulher, os feminicídios tiveram aumento de 4%, ao mesmo tempo em que os homicídios de mulheres reduziram 11,1% de 2017 para 2018. Dados similares foram antecipados pelo Monitor da Violência em março.
Para Jacira Melo, diretora-executiva da Agência Patrícia Galvão, “o fenômeno da violência contra as mulheres é crescente na sociedade brasileira: violência doméstica, violência sexual, feminicídio”. “Penso que é possível dizer que o aumento no número de registros de estupro acontece porque há um maior reconhecimento de que se trata de um crime e, ao mesmo tempo, porque se trata de um crime recorrente, cotidiano e que acontece dentro de casa, nas escolas e nos mais diversos ambientes, onde a maioria das vítimas é formada por garotas de 10 a 13 anos.”
Armas
Um dos motivos apontados por Samira Bueno para o aumento dos crimes contra a mulher, como o feminicídio, é o aumento da presença das armas dentro de casa.
O Anuário mostra que a posse ilegal de arma de fogo aumentou 54,1% em 2018 (de 14.880 para 23.055) e o de registros também (42,4%).
Em 2018, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, registrou 12,5% mais armas no Brasil. O número passou de 42.387 para 47.691. O aumento de registros no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército Brasileiro, foi ainda maior: 55,7% (de 95.745 para 149.042).
Entre os que mais pediram registros estão os atiradores esportivos: o número saltou de 26.150 para 49.671 no ano passado.
Em compensação, o número de armas de fogo apreendidas caiu 5,2% no Brasil, se forem levadas em conta as apreensões feitas pelas secretarias da Segurança e/ou Defesa Social, e 14,7%, se levadas em conta as apreensões feitas pela Polícia Rodoviária Federal. (G1)