As suspeitas que geraram o inquérito eleitoral contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) têm como origem o financiamento feito pelo filho do presidente Jair Bolsonaro na aquisição de um imóvel.
A apuração sobre falsidade ideológica para fins eleitorais é a única que se tem notícia conduzida pela Polícia Federal no estado que tem como alvo direto o senador.
A Superintendência da PF no Rio é alvo de interferência do presidente desde o ano passado, tema investigado pela Procuradoria-Geral da República em inquérito autorizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A PF sugeriu o arquivamento do caso sobre Flávio. O Ministério Público Eleitoral concordou com o fim das investigações, mas o juiz Flávio Itabaiana, responsável pelo inquérito na Justiça Eleitoral, submeteu a decisão à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
O inquérito eleitoral foi aberto em fevereiro de 2018 após denúncia-crime do advogado Eliezer Gomes da Silva com base em reportagem da Folha de S.Paulo de janeiro daquele ano.
O jornal apontou a evolução patrimonial de Jair Bolsonaro e de seus filhos políticos Carlos (vereador), Eduardo (deputado federal) e Flávio (à época, deputado estadual).
O senador se tornou investigado pela prática de falsidade eleitoral por ter atribuído valores distintos a um mesmo imóvel nas declarações de bens entregues à Justiça Eleitoral nos pleitos de 2014 e 2016.
Em 2014, quando disputou uma cadeira na Assembleia do Rio, ele atribuiu o valor de R$ 565 mil a uma cobertura em Laranjeiras. Dois anos depois, ela apareceu em sua declaração de bens valendo R$ 423 mil.
Documentos da transação mostram que o valor total do imóvel é de R$ 1,7 milhão, adquirido por Flávio e a mulher, Fernanda, donos cada um de uma metade do imóvel. Eles financiaram a compra da cobertura.
O valor apresentado em 2014 se refere ao total pago pelo casal até dezembro de 2013, último exercício fiscal antes do ano eleitoral. Já em 2016, Flávio incluiu em sua declaração eleitoral apenas à sua metade paga em parcelas pelo imóvel até o final de 2015.
De acordo com Valdir Amorim, consultor tributário da IOB, a forma correta de se declarar imóveis financiados no Imposto de Renda é apontar como valor apenas as parcelas pagas -indicando o preço total na descrição.
Ele disse também que o imóvel pode ser declarado por apenas um dos cônjuges, desde que o outro informe este fato em seus documentos fiscais. Cada um também pode declarar metade das parcelas pagas.
Amorim afirmou ainda que o casal pode alterar a forma de declaração do bem. Inicialmente em apenas um informa ao Fisco e, depois, dividindo o valor entre os cônjuges.
Os tribunais eleitorais têm decidido pelo trancamento de ações penais que versam sobre erros nas declarações de bens. Magistrados têm considerado que não há potencial lesivo em casos como o de Flávio.
Esse inquérito eleitoral teve, ao longo de dois anos, tramitação acidentada.
Como a Folha de S.Paulo revelou em fevereiro de 2019, o procurador regional eleitoral Sidney Madruga quis encerrar a investigação sem realizar nenhuma diligência. O arquivamento pedido por Madruga foi vetado pela 2ª Câmara Criminal de Revisão do Ministério Público Federal, que determinou uma avaliação mais rigorosa do caso. Foi quando o caso foi enviado para a PF.
Em seu relatório final, o delegado Erick Blatt declarou não ter visto sinais de crime eleitoral, bem como de lavagem de dinheiro na compra e venda do imóvel. A conclusão foi feita sem a quebra de sigilo do senador pela PF.
O promotor eleitoral Alexandre Themístocles chegou a pedir apoio do Gaecc (Grupo de Atuação Especial de Combate à Corrupção), grupo que já investiga o senador pela prática da “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, para analisar o caso. Semanas depois, avalizou o arquivamento.
O juiz Itabaiana, que também conduz a apuração da “rachadinha” na 27ª Vara Criminal, submeteu o arquivamento à Câmara do MPF.
Na primeira fase da apuração, quando solicitou em abril a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador, o Gaecc levantou suspeitas sobre a valorização obtida pelo imóvel seis anos após a compra. Adquirido em 2011 por R$ 1,7 milhão parcelados, ele foi vendido por R$ 2,4 milhões seis anos depois.
A venda do imóvel foi usada como explicação por Flávio para a aparição de seu nome num relatório do Coaf. O órgão federal considerou atípicos 48 depósitos de R$ 2.000 em dinheiro feitos na conta do senador num intervalo de um mês.
O filho do presidente disse que ele depositou em sua conta valores recebidos em dinheiro como parte do pagamento pela venda do imóvel em Laranjeiras. O comprador do imóvel confirmou ter quitado parte da transação em espécie.
Em dezembro, quando o MP-RJ pediu autorização para busca apreensão de alguns investigados, o imóvel em Laranjeiras não foi mencionado entre os atos suspeitos de lavagem de dinheiro. Ele, contudo, segue sob análise dos promotores.
Uma das principais dores de cabeça do presidente Jair Bolsonaro desde a sua eleição, as suspeitas contra seu filho Flávio e seu amigo Fabrício Queiroz, ganharam um novo capítulo na semana passada.
Queiroz, que é policial militar aposentado e ex-assessor do atual senador, foi preso em um imóvel do advogado Frederick Wassef, responsável pelas defesas de Flávio e do presidente, em Atibaia (interior de São Paulo).
A suspeita do Ministério Público é de que ele operava um esquema de “rachadinha” -em que funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários- no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. O filho de Bolsonaro foi deputado estadual de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.
Ainda não houve denúncia, e a suspeita é de interferência de Queiroz nas investigações da Promotoria, por isso a prisão preventiva. A mulher dele, Márcia Aguiar, que foi assessora de Flávio na Assembleia, também teve a prisão decretada -ela não foi encontrada em seu endereço e é considerada foragida.
Flávio é investigado desde janeiro de 2018 sob a suspeita de recolher parte do salário de seus subordinados na Assembleia do Rio de 2007 a 2018. Os crimes em apuração são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
A apuração relacionada ao senador Flávio Bolsonaro começou após relatório do antigo Coaf, hoje ligado ao Banco Central, indicar movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, seu ex-assessor e amigo do presidente Jair Bolsonaro.
Além do volume movimentado, de R$ 1,2 milhão em um ano, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.
Jair Bolsonaro e Queiroz se conhecem desde 1984. Queiroz foi recruta do agora presidente na Brigada de Infantaria Paraquedista, do Exército. Depois, Bolsonaro seguiu a carreira política, e Queiroz entrou para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, de onde já se aposentou. (BNews)