Fabricantes brasileiros de papéis para fins sanitários — que incluem papel higiênico, papel toalha, guardanapos e lenços — alertam para alta de custos de dois dígitos nos insumos necessários para a produção desses itens.
A indústria também se queixa da resistência das grandes redes de supermercados em aceitarem reajustes de preços dos produtos, de forma a compensar a alta de custos do setor.
A associação que representa os fabricantes descarta desabastecimento para os consumidores finais, mas teme que o desequilíbrio financeiro gerado por esse descasamento entre custos aos produtores e preços aos compradores resulte em falência e aquisições de pequenas empresas, levando a uma maior concentração do setor, o que seria prejudicial ao mercado como um todo.
Celulose subiu e oferta de aparas diminuiu
Segundo a Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), os principais insumos utilizados na produção do papel higiênico e outros papéis sanitários tiveram forte alta de preços este ano: celulose, aparas de papel brancas e marrons, embalagens plásticas e de papelão, energia elétrica e GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), utilizado na secagem do papel.
“Muitas matérias-primas, a começar pela celulose, são indexadas ao dólar, e a nossa moeda foi uma das que mais se desvalorizou durante esse ano, acima dos 20%. Só isso já é um impacto enorme”, diz João Carlos Basilio, presidente-executivo da Abihpec.
Pedro Vilas Boas, diretor da Anguti Estatística, consultoria especializada no mercado de papel, destaca ainda a alta de preços do papel maculatura, utilizado nos tubetes marrons do papel higiênico e toalha.
“Esse papel é feito com aparas marrons, que nos dois últimos meses subiram 40%”, diz Vilas Boas. “Isso aconteceu por falta de material. Essas aparas vêm das caixas de papelão ondulado dos produtos vendidos em lojas e shopping centers. Quando eles ficaram fechados, esse material deixou de ser recolhido, gerando escassez no mercado.”
Por motivo semelhante, também houve alta de preços nas aparas brancas, utilizadas na fabricação dos papéis higiênicos mais baratos, que são feitos com material reciclado.
Em embalagens plásticas, o motivo da alta de preços, segundo Vilas Boas, é tanto o custo da resina plástica, que é atrelado ao dólar e à cotação internacional do petróleo, como as paradas da indústria de embalagens no momento de distanciamento social mais duro da pandemia.
“Pelas fábricas ficarem paralisadas muito tempo, ocorreu uma demanda muito maior que o previsto e aí, entre a oferta e a procura, o mercado foi aumentando seus preços e oferecendo para quem paga mais”, diz Basilio, da Abihpec.
Supermercados não aceitam reajustes, diz entidade
Conforme o executivo, o problema para a indústria é que ela não tem conseguido repassar ao varejo todas essas altas de custos.
No IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial da inflação no país, o papel toalha acumula deflação de 7,32% até novembro, enquanto o papel higiênico tem alta de preço de 3,24% em 11 meses.
A Abihpec estima que as aparas de papel acumulam alta entre 26% e 31% entre janeiro e novembro. Já o GLP teve aumento de 3,5% somente em outubro, enquanto materiais de embalagens, como as caixas de papelão, registrando alta de cerca de 10%; filme plástico liso, alta de 11,5%; filme impresso, alta de 9%; e a maculatura, alta de 7,5%.
A maior empresa do mercado é o grupo chileno CMPC, que comprou em 2009 a Melhoramentos Papéis e, no ano passado, adquiriu a paranaense Sepac, passando a unir as marcas Elite, Sublime, Duetto, Paloma, Stylus e Maxim.
Outras grandes são a Kimberly-Clark (dona de marcas como Neve, Scott e Kleenex) e a Santher (que contas em seu portfólio com Personal, Snob e Kiss, entre outras marcas), mas nenhuma das fabricantes tem fatia superior a 20% do mercado, na estimativa do analista.
“Como o papel higiênico é um produto leve, mas de grande volume, temos diversas fábricas regionais em todo o país”, explica Basilio. Essa é uma estratégia para que os fornecedores fiquem próximos aos mercados consumidores, do contrário, o custo de frete acaba inviabilizando o lucro.
“Essas são pequenas indústrias, que estão sofrendo, porque não conseguem repassar para o preço de seus produtos os custos que estão recebendo devido à alta de matérias-primas.”
Problema deve começar a passar a partir de março
Apesar do desarranjo no mercado, a Abihpec avalia que a pressão sobre custos deve começar a se dissipar em 2021.
“Acreditamos na possiblidade de que, lá para março, haja uma reversão desses preços, quando o mercado se normalizar. Isso é uma expectativa”, diz Basilio.
Essa também é a avaliação de Vilas Boas, da Anguti Estatística.
“No caso da celulose, o dólar já está perdendo força, então o preço da pasta em reais deve se estabilizar”, prevê o consultor.
“No caso de aparas, os shoppings voltaram, as lojas de ruas estão muito fortes, e tudo isso produz aparas marrons, que estão voltando para o sistema. Então acreditamos que, no começo do ano, já deve haver uma normalização desse mercado, talvez com alguma queda de preços.”
Ainda segundo Vilas Boas, no mercado de plásticos, a expectativa é de que, com o fim do auxílio emergencial e a redução do excesso de demanda, também os preços se estabilizem, diante da diminuição esperada do consumo.
Não há escassez de matéria-prima, dizem fornecedores
Procurada, a Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), associação que representa a cadeia de produtos de base florestal, disse através de nota que a indústria nacional de celulose e papel tem insumos suficientes para atender ao mercado.
“Mesmo nos períodos de maior procura por papel higiênico, papel toalha e lenços de papel, as prateleiras do varejo estavam abastecidas para atender ao consumidor. Essencial, essa indústria permanece trabalhando durante a pandemia, com operações reorganizadas para garantir a segurança dos trabalhadores, empenhada em atender ao mercado.”
Também procuradas, a Abras e a Apas, respectivamente a associação brasileira e paulista de supermercados, não se posicionaram até o fechamento desta reportagem. (G1)