Qual o impacto econômico do ano de pandemia para mães

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A pandemia do novo coronavírus afetou todos os brasileiros, mas, com um ano de crise, evidências mostram que seus impactos têm sido mais profundos entre os grupos mais vulneráveis da população, como as mulheres e, entre elas, as mães.

O isolamento social, a imposição do trabalho remoto, o fechamento de escolas e outros efeitos da pandemia tornaram mulheres com filhos pequenos um dos grupos que mais carregam o ônus dos efeitos econômicos da covid-19, segundo estudos.

Elas são mais propensas a perder o emprego com a desaceleração da atividade econômica na crise, por exemplo. Estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que, em 2020, as mães do país tinham menos participação no mercado de trabalho que os pais.

54,6%

das brasileiras entre 25 e 49 anos com filhos estavam trabalhando em 2020, enquanto a porcentagem de pais empregados era de 89,2%, segundo o levantamento “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”

Entre as que continuam trabalhando, existem dificuldades para conciliar o trabalho produtivo com o trabalho doméstico e o cuidado da família, que passou a exigir mais atenção com a crise de saúde. Com o ensino remoto, elas também se dedicaram mais à educação dos filhos.

Para as mães que trabalham fora de casa, a falta de redes de apoio durante o isolamento agravou ainda mais as dificuldades para o cuidado dos filhos que passam todo o dia em casa. Enquanto isso, mães que migraram para o home office vivem uma jornada ininterrupta de atenção simultânea entre casa e trabalho.

O que explica as dificuldades

A pandemia acentuou desigualdades que já existiam antes da crise de saúde. Embora os índices tenham evoluído nos últimos anos, mulheres ainda são as principais responsáveis pelo cuidado e pelo trabalho doméstico não remunerado, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

92% das mulheres se dedicavam a atividades domésticas em 2019, contra 80% dos homens; suas horas trabalhadas em casa eram 21,4, quase o dobro da dos homens

A crise de saúde, porém, trouxe ainda mais responsabilidades para as mulheres. Estudo da Sempreviva Organização Feminista com a agência Gênero e Número mostra que 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém durante a pandemia. Entre elas, a maioria são mulheres negras.

Com o aumento das atividades domésticas, mulheres relatam sentir sobrecarga inédita. Nesse contexto, elas não só correm o risco de perder o emprego, mas de efetivamente decidir deixá-lo. Mesmo que a perda do trabalho signifique menos renda na casa, parte das mães tem optado pela demissão.

Embora estejam passando mais tempo em casa, pais não têm se dedicado às tarefas de cuidado como as mães na pandemia. Estudo da Ufpel (Universidade Federal de Pelotas) em 2020 mostrou que 1 a cada 6 pais entrevistados disseram saber cuidar dos filhos na maior parte do tempo, enquanto outros afirmaram não ter capacidade emocional para lidar com as responsabilidades da paternidade.

Estudo do FMI (Fundo Monetário Internacional) mostra que o impacto desproporcional da covid-19 para mulheres dedicadas ao cuidado dos filhos também afetou outros países, como EUA, Reino Unido e Espanha. O fundo recomenda ajudar mulheres com auxílios, treinamento para emprego e a priorização da reabertura das escolas.

Os efeitos para mães solo

Entre os grupos mais atingidos pelos efeitos econômicos da pandemia está o das mães solo, que enfrentam mais sobrecarga e mais dificuldades financeiras desde 2020. Com um ano de crise, esses efeitos expuseram a condição de vulnerabilidade sob a qual vivem essas mulheres, que são na maioria negras e pobres.

11,6 milhões era o número de arranjos familiares monoparentais chefiados por mulheres em 2015 no Brasil, segundo dados do IBGE

A pandemia levou mães solo a perder fontes de renda ou ao acúmulo de tarefas entre trabalho, filhos e casa (no caso das mulheres empregadas). O quadro é semelhante ao de mães que dividem a chefia da família com um companheiro ou companheira, mas mais difícil no caso delas, que contam com menos apoio dentro de casa.

A falta de suporte para o cuidado dos filhos durante a crise tornou essas mulheres também propensas a deixarem seus empregos ou reduzirem a jornada de trabalho. Estudo da ONG Think Olga mostrou que parte delas sequer tem possibilidade de migrar para o home office, pois são autônomas, microempreendedoras ou atuam na informalidade.

A pobreza torna essas mulheres também mais vulneráveis à covid-19. Além de precisarem se deslocar para o trabalho, grande parte das mães solo tem menos acesso à moradia adequada e a saneamento básico — recursos que ganharam mais importância na pandemia, porque garantem prevenção mais eficaz contra o contágio pelo novo coronavírus.

Em 2020, considerando as vulnerabilidades das mães solo, o governo federal destinou a esse grupo valor dobrado do auxílio emergencial, somando, no total, R$ 1.200 para cada chefe de família. Nesse período, houve grande volume de reclamações de mulheres que não conseguiram acessar o benefício. Em 2021, com o auxílio reduzido, as mães solo passaram a receber mensalidades de R$ 375 do governo.

Saúde mental e redes de apoio

O impacto econômico da crise do novo coronavírus também teve efeitos para a saúde mental de mães, que, além de passarem por dificuldades inéditas, não podem contar com a mesma rede de apoio do período anterior à pandemia, devido às restrições exigidas pelo isolamento social.

Com frequência, mães têm relatado sentir culpa por não darem conta do trabalho produtivo e doméstico na crise. Mães com problemas financeiros também estão angustiadas pela possibilidade de não sustentar a família. Em geral, mulheres têm sentido mais sintomas de depressão, ansiedade e estresse.


Estudo de pesquisadoras da UFF (Universidade Federal Fluminense) e do Instituto Federal Fluminense mostra que, nesse contexto, mães têm criado novas redes de apoio nos espaços digitais, compartilhando experiências da maternidade com outras mulheres em lugares como Facebook e WhatsApp.

Em artigo, as autoras do estudo dizem que a demanda por escuta nesses grupos aumentou com a pandemia. “O caminho coletivo, onde a sororidade se faz presente como forma de cuidado e resistência, pode levar à superação das desigualdades” de gênero intensificadas pela crise de saúde, escrevem.

Com o vácuo de políticas públicas para amparar mães em situação de vulnerabilidade, grupos da sociedade civil também criaram novas redes de apoio na pandemia, como projetos de doações de dinheiro e mantimentos. Entre as iniciativas estão a “Mães da favela”, criada pela Cufa (Central Única das Favelas).

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