O número de estrangeiros em situação irregular que conseguiram se legalizar em Portugal no ano passado aumentou 385% em relação a 2017. Foram emitidas 16.500 autorizações de residência, contra 3.403 no ano anterior.
Os brasileiros são com folga a nacionalidade que mais se beneficiou das regularizações, de acordo com o SEF (Serviço Estrangeiros e Fronteiras), órgão responsável pelos imigrantes em Portugal. Os números exatos divididos por nacionalidade, no entanto, ainda não foram divulgados.
“Estes dados espelham já o esforço que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem realizado na regularização de imigrantes que se encontram integrados no mercado de trabalho português”, afirmou a instituição, em nota.
O crescimento na quantidade de regularizações aconteceu sobretudo por mudanças nos requisitos do artigo da legislação que estabelece as regras para trabalhadores (vinculados a uma empresa ou profissionais por conta própria) estrangeiros no país.
Em meados de 2018, o governo português aprovou um decreto que flexibilizou as exigências para a regularização dos estrangeiros.
Outra medida importante foi a possibilidade de atendimento em qualquer posto migratório do país, e não apenas os da área de residência. Como a maioria dos imigrantes se concentra na Grande Lisboa, o tempo de espera nas unidades da capital facilmente ultrapassava dois anos.
Embora considere bastante positivos os resultados das regularizações em 2018, Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil em Lisboa, uma ONG que presta auxílio aos imigrantes em Portugal, diz que é preciso ter cautela ao analisá-los.
“Houve sem dúvidas uma influência na mudança na legislação, mas o sistema [de agendamentos do SEF] esteve muito atrasado. Então, de repente, abriram vagas para o país todo. Isso também influenciou os números, porque havia muita demanda acumulada dos anos anteriores”, avalia.
A presidente da Casa do Brasil em Lisboa diz que, em 2019, os processos de regularização já voltaram a apresentar sinais de morosidade.
“Não há mais vagas para agendamentos com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para este ano. Nosso gabinete de apoio verificou alguns em janeiro de 2020, mas também já acabaram”, relata.
Associações de imigrantes estimam que haja cerca de 30 mil estrangeiros em situação irregular em Portugal.
No caso brasileiro, a crise político-econômica que atingiu o país a partir de 2014 ajudou a impulsionar a busca por Portugal, onde a situação tem sido de recuperação econômica e geração de empregos, apesar dos salários abaixo da média europeia.
Em 2017, pela primeira vez em seis anos, o número oficial de brasileiros (legalizados) voltou a subir em Portugal. Os números de 2018 só serão divulgados daqui a dois meses, mas SEF já adianta que houve um aumento expressivo.
Em Portugal há pouco mais de um ano, Carmen Lúcia Mendonça Terêncio, 33, beneficiou-se da recente celeridade nos serviços do SEF. Funcionária com contrato de trabalho (equivalente lusitano da “carteira assinada”), ela já conseguiu resolver sua legalização no país.
“Eu morava em Goiânia e trabalhava fora, mas às vezes passava algumas dificuldades, porque os pais dos meus filhos não me ajudavam”, conta.
“Minha irmã e meu cunhado moram há 20 anos em Portugal e me ajudaram a vir, arrumaram emprego para mim. Então, eu já vim com trabalho e logo depois consegui um contrato, o que permitiu que eu desse entrada na minha autorização de residência”, explica.
“Eu vim por questões financeiras, porque aqui é melhor do para eu viver com os meus filhos, e também pela segurança, é muito bom poder sair à noite com meus filhos”, relata Carmen, que destaca ainda a qualidade da educação em Portugal.
Microempresária do ramo de estética, a catarinense Keisy Lira, 37, viveu a situação inversa: chegou ao país em 2013, pouco tempo antes de Portugal apertar o cerco contra os imigrantes que desembarcaram como turistas e decidiram ficar para trabalhar.
Além de uma política do Ministério da Administração Interna de dificultar a legalização nesses casos, houve ainda atrasos significativos no SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que ficou imerso em um escândalo de venda de vistos para chineses milionários. Em 2014, o então diretor da instituição, Miguel Jarmela Passos, chegou a ser preso durante as investigações.
“Eu fujo um pouco do estereótipo do brasileiro que passava necessidades no Brasil e resolve vir para Portugal. Eu tinha uma vida confortável em Florianópolis, tinha uma carreira, minha casa e meu carro”, conta Keisy.
A catarinense desembarcou em Portugal de férias, para uma temporada como turista, parte de um mochilão com dois amigos pela Europa. Após um mês no país, ela resolveu ficar de vez.
“Eu me senti como se estivesse voltando para casa. Eu me apaixonei por Lisboa, pela vida aqui”, conta.
Antes de bater o martelo quanto à mudança para o país, ela diz ter conversado com outros brasileiros. “Eu achava que haveria alguns empecilhos, mas não tantos”, diz.
Além de ter pedido tempo e dinheiro com orientações erradas quanto à possibilidade de legalização, ela também viu seu processo parado por mais de dois anos no SEF. “Consegui dar entrada em tudo em 2016, mas só recebi a autorização de residência em janeiro de 2018”, explica.
Presidente da Casa do Brasil em Lisboa, a psicóloga Cyntia de Paula alerta para os constrangimentos e dificuldades de quem opta por vir sem o visto de trabalho adequado.
“Ainda há muita desinformação, muita gente que se informa só por grupos de WhatsApp e Facebook ou com YouTubers, onde muito do que é dito se baseia no achismo”, diz.
Além de impossibilidade de sair de Portugal durante o processo de regularização, muitos imigrantes têm acesso limitado aos serviços de saúde e de educação, além de estarem mais vulneráveis à exploração por empregadores. (Folha Press)