Quase vivos: cadáveres congelados dos EUA são usados por estudantes em Salvador

Cadáveres sintéticos eram utilizados por faculdade; reais não podem ser fotografados (Foto: Almiro Lopes)

Diariamente, alunos de diversas instituições de ensino da área da saúde trabalham com cadáveres no país. A técnica com corpos dissecados dá a possibilidade de treinar e ver a realidade do corpo humano de forma mais palpável. Alunos de especializações da Bahia terão a chance de utilizar corpos preservados, que chegam até mesmo a sangrar, técnica apenas presente em três institutos do mundo.

O laboratório Instituto de Treinamento em Cadáveres (ITC Brasil), instalado na Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) em Salvador, no campus Paralela, e inaugurado nessa terça-feira (7), importará peças de cadáveres de Miami, nos Estados Unidos, diretamente para as mesas dos cursos de especialização da instituição.

A ideia é que os alunos tenham a possibilidade de ter contato com peças que preservam características do tecido vivo, sendo muito similar às condições encontradas na rotina com os  pacientes.

No Brasil, ainda não há a possibilidade de doação de corpos para este fim. No país, corpos de indigentes podem ser utilizados e somente ficam prontos para uso em 60 dias após a morte. Eles são conservados com produtos químicos, como o formol, daí o termo “frescos” utilizado para caracterizar os que serão usados no ITC.

As estruturas físicas e químicas do corpo humano se “reavivam” após o descongelamento cirúrgico, fazendo com que a consistência dos órgãos seja idêntica. “É um diferencial incrível porque quando você tem um cadáver que após a morte é congelado – e a gente descongela por um procedimento cirúrgico – a estrutura do cadáver se mantém idêntica ao do indivíduo vivo. A estrutura da pele, a estrutura dos órgãos, a sensibilidade, é como se você estivesse fazendo o procedimento de verdade em uma pessoa viva”, explicou André Nazar, coordenador geral de Medicina da FTC e diretor médico do ITC Salvador.

Ele destacou que o ‘cadáver fresco’ possibilita o aprendizado de técnicas simples, como a dissecação e sutura, ou outras mais complexas, como de neurocirurgias, sem testar em corpos humanos. “A grande vantagem é que o médico e o estudante não fazem o procedimento no paciente, ele aprende no cadáver que doou o corpo com o objetivo de ser estudado. O aluno ganha, a sociedade ganha, além da ciência, que ganha do ponto de vista da norma, do ponto de vista ético e profissional”, acrescentou Nazar.

O coordenador geral de Medicina da FTC explicou que a conservação por meio de formol acaba degradando o corpo, fazendo com que menos estruturas reais sejam identificadas pelos alunos. A consistência da pele e órgãos, por exemplo, é quase que real com o congelamento. Com o ITC, Salvador se torna a primeira cidade a receber um centro como este no Norte-Nordeste e a segunda no país. A primeira é instalada em Miami, de onde os cadáveres são importados. A segunda foi recepcionada por uma faculdade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

O ITC recebeu, até agora, 20 peças de cabeças de seres humanos que doaram seus corpos para o uso da Medicina. Cada uma pode ser congelada e descongelada para uso, em média, por 10 vezes. O diferencial é que a legislação dos Estados Unidos permite que o corpo seja doado em 48 horas após a morte. Depois de todos os usos, os corpos são incinerados.

O CEO da Rede ITC no Brasil, Mohamed Abou Wadi, destacou que muitos procedimentos ainda são feitos em animais, como porcos, por exemplo, o que não traz uma similaridade e prática exata aos alunos. “A tecnologia melhora o detalhamento cirúrgico, aumentando muito a precisão na hora da cirurgia”, destacou.

Ainda segundo ele, que trabalha na primeira faculdade a implantar o Instituto no Brasil, a tecnologia já é aplicada em maior escala em Santa Catarina, com harmonização facial, dermatologia, cirurgias plásticas, neurocirurgia e ortopedia. “São técnicas avançadas de procedimentos cirúrgicos que, mesmo para especialistas, é inovador por conta do nível técnico”, disse.

De acordo com a FTC, a importação dos cadáveres segue um rigoroso processo legal e todos os trâmites são assistidos por agências oficiais brasileiras e estadunidenses. Mais corpos poderão ser importados à medida da necessidade dos cursos.

Para o presidente da Rede FTC, William Oliveira, o Instituto é uma inovação para o Nordeste. “Somos o segundo centro no país e o segundo no Norte-Nordeste. O Instituto irá auxiliar na formação médica e nas técnicas de cirurgias avançadas. Com o cadáver fresco, existe a possibilidade maior do médico aprender antes de ir efetivamente para o ser humano vivo”, explicou.

Centro atenderá gratuitamente
Também nessa terça, a FTC inaugurou o Centro Integrado de Ensino em Saúde que oferecerá três mil atendimentos gratuitos, todo mês, à população.

São 12 especialidades disponíveis: Reumatologia, Pneumologia, Dermatologia, Otorrinolaringologia, Endocrinologia, Psiquiatria, Nefrologia, Infectologia, Cardiologia, Gastroenterologia, Clínica Médica e Hematologia.

Todo dia 20, a agenda abrirá para a população. No dia 20 deste mês, cerca de mil vagas serão abertas. A previsão é que o número de três mil vagas para consultas seja alcançado em agosto deste ano.

Os interessados podem garantir a sua vaga através do telefone 71 3276-3377. A nova clínica-escola é composta por 28 consultórios e funcionará de maneira semelhante à Clínica FTC, localizada no Ogunjá, mas terá 100% dos atendimentos gratuitos.

Apesar de novos agendamentos só estarem disponíveis no próximo dia 20, alguns pacientes da clínica do Ogunjá já irão utilizar o novo centro na próxima segunda-feira.

Também foi inaugurado na FTC o Instituto Odontológico das Américas (IOA), que oferecerá cursos de especialização, aperfeiçoamento e cursos rápidos de imersão. (Correio)

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