Representatividade ancestral é tema de livro infanto-juvenil do jornalista Ricardo Ishmael

Foto: Divulgação

“É muito mais que apenas uma criança cheia de imaginação que está na capa dos livros”, diz o jornalista Ricardo Ishmael sobre O Menino de Asas Invisíveis, sua nova obra literária. Hadouk, o pequeno protagonista, que ilustra a capa em tons de vermelho e laranja, representa algo maior. Para Ricardo, ele é uma criança preta que tem o poder de voar, que pode fazer e ser o que quiser, e isso é representatividade.

O livro, da editora Mojubá, tem lançamento virtual nesta sexta-feira, 6, às 19 horas, no Instagram do próprio autor. Voltada para o público infantojuvenil, a obra vem de um desejo antigo de Ricardo de retornar às raízes. Após o lançamento de seu livro anterior (A Princesa do Olhinho Preguiçoso), o autor recebeu convite da editora para escrever sobre um protagonista negro, e então ele percebeu que era hora de realizar algo que sempre quis colocar no papel.

“Eu pude colocar em prática um desejo antigo de falar sobre minha relação com meus antepassados. Sempre me questionei quem foram essas mulheres e homens que vieram antes de mim”, conta o jornalista.

“Desde muito pequeno, eu pensava sobre isso, se eu me parecia com essas pessoas que não conheci, se tinha traços de suas personalidades, se eram pessoas corretas, do bem, solidárias. Essa curiosidade sempre me acompanhou”, complementa.

Outro continente

Na trama, o menino Hadouk vive com sua bisavó, a Bisa Bargé, uma relação de amor e carinho incondicionais. Ele passa seus dias sentado à beira-mar, sonhando acordado com o passado de sua família — e do outro lado do oceano está a África. O enredo traz, de forma lúdica, referências à história e cultura do continente, o que levou Ricardo, que cursou licenciatura em história pela Universidade Estadual de Feira de Santana, durante dois anos, a se interessar pela pesquisa.

“Retomei minhas leituras à respeito do tema porque o livro dialoga com a África que não é do estereótipo nem da caricatura, do safári, dos elefantes e dos leões. É a África da civilização, a terra-mãe e berço da civilização”, explica o jornalista. Essa dedicação também está no trabalho do ilustrador George Lopes, que retrata o passado da família de Hadouk com a beleza de um sonho colorido e vívido.

Sobre a colaboração com George, Ricardo diz admirar a liberdade criativa do desenhista, que ele conhece desde que ambos trabalhavam na Rede Bahia. “Ele trabalha com colagens, pinturas, diversas técnicas e linguagens, e eu gosto de um artista que exercita plenamente sua atividade de criação”, descreve.

Ricardo também explica como se deu a criação das ilustrações. “Apresentei o texto pronto e, com base nisso, George criou sua versão das personagens e da África da trama. Conversei com ele sobre como eu imaginava aquela história, aquele mundo, a combinação de cores, e ele desenvolveu livremente. Quando ele apresentou o projeto final a mim e à editora, nós não fizemos nenhum tipo de alteração”.

Para o escritor, a importância de olhar para a África sob este ângulo não está só no passado, mas também no presente e no futuro. “Eu acho que nós avançamos bastante nesse campo. Temos hoje muitos autores, muitas editoras que se dedicam a essa temática, ao combate ao racismo, à criação de personagens pretas e pretos, mas ainda há muito a se avançar”, pondera.

Urgência narrativa

“Quando a gente coloca no livro um personagem como Hadouk, uma senhora centenária como Bisa Bargé, uma África além do estereótipo, nós estamos dizendo para as crianças que vão ler o livro que elas podem ocupar essas páginas, que podem ser príncipes e princesas, ter poderes mágicos e transformar a realidade à sua volta”, afirma o autor.

A urgência desse tipo de narrativa é algo muito preocupante para Ricardo. “Eu venho amadurecendo bastante o meu papel enquanto pessoa humana, comunicador, e alguém que tem um lugar de fala, além de uma visibilidade, uma exposição de mídia. Acredito que é meu dever falar de questões importantes”, pontua.

De acordo com o autor, é necessário pensar em uma literatura “antirracista, que privilegie personagens fora do padrão, do estereótipo já consagrado nesse tipo de livro”. Ricardo defende a ideia de que os livros infantojuvenis precisam diversificar seus temas. Ele mesmo planeja continuar escrevendo sobre tópicos como bullying, ancestralidade, novos arranjos familiares e transfobia. “É preciso uma leitura anti-hegemônica e que abrace toda a nossa diversidade”.

O jornalista acredita que o benefício dessa amplitude de horizontes não atinge apenas um suposto público-alvo limitado, mas a sociedade como um todo.

“A representatividade vai além de dialogar apenas com pessoas negras. Quanto mais diversas e plurais são essas histórias, quanto mais dialoguem com a nossa multiplicidade, mais possibilidades se abrem. Eu defendo uma literatura que abrace as mais variadas matizes de pele e de enredo. Somos um povo plural e a nossa arte precisa expressar essa diversidade”, finaliza o autor.

*Sob supervisão do editor Eugênio Afonso / *João Gabriel Veiga / ATarde

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