Salvador: Vazão da Barragem de Ipitanga assombra moradores de Parque São Cristóvão

Combinação de chuvas e vazão fez com moradores do bairro ficassem ilhados por mais de 24 horas

Foto:Arisson Marinho/CORREIO

Desde que se mudou para o bairro Parque São Cristóvão há dez anos, o motorista de aplicativo Fernando da Silva, de 43 anos, já tem como certa a repetição de uma realidade que assombra os moradores da região anualmente: a vazão da Barragem de Ipitanga 1 no mês de abril, que provoca alagamentos nas ruas do bairro e causa transtornos aos seus habitantes. Neste ano, por conta das fortes chuvas que assolam Salvador, o problema teve início no sábado (6) e piorou a tal ponto que o lugar já acumula mais de 24 horas de alagamento, conforme relatos.

“Geralmente, todo ano, justamente no mês de abril, acontece a mesma situação e esse alagamento ocorre. Quando acontece a vazão da água da barragem, os córregos de drenagem não suportam e acaba vazando para a rua, alagando as casas e deixando os moradores numa situação bem complicada. Todo ano perdemos móveis, eletrodomésticos, tudo”, conta Fernando.

Islan Brito, outro morador e liderança local, se queixa que sempre existe tentativa de diálogo com a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), empreendedora e responsável pela barragem, e com a Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento Responsável (SIHS), responsável pelo Rio Ipitanga, quando os desastres decorrentes dos alagamentos acontecem, mas não há retorno dessas entidades. “Não aparecem para ouvir os anseios dos moradores e nem recebem a Associação dos Moradores do Cassange e do Conselho Comunitário de São Cristóvão na secretaria para um diálogo e solução do problema”, reclama.

Segundo informações da Embasa, a Barragem de Ipitanga 1 está em operação desde a década de 40 e é uma das barragens utilizadas para o abastecimento de água de Salvador. A empresa explica que a vazão acontece porque “quando a barragem atinge o nível máximo de capacidade, conforme as normas de segurança de barragens, é necessário escoar o volume de água acumulado para o rio Ipitanga, abrindo aos poucos as comportas”, afirma em nota.

Quanto aos problemas dos alagamentos que atingem as localidades de Cassange e São Cristóvão, a entidade diz que é um reflexo, principalmente, do grande volume de chuvas que caiu na bacia do rio Ipitanga, onde aponta que a manancial possui moradias ocupando irregularmente trechos em suas margens.

“A abertura parcial das comportas da barragem de Ipitanga I, iniciada na semana passada de forma gradual, é uma medida necessária para garantir a segurança da estrutura e principalmente da população residente à frente do barramento. Contudo, independentemente da abertura das comportas, chuvas intensas podem resultar em alagamentos nestas localidades, como já verificado em outras ocasiões”, diz trecho da nota.

Macrodrenagem

Para os moradores do Parque São Cristóvão, a esperança de solução para esse problema consistia na execução da obra da macrodrenagem do Rio Ipitanga nos trechos que abarcam os bairros afetados por alagamentos – o que não se mostrou eficiente. De acordo com a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), já existe uma obra de macrodrenagem do Ipitanga executada pela companhia, por meio do Consórcio Ipitanga, nos municípios de Salvador e Lauro de Freitas, com investimento de R$211 milhões.

A obra é baseada em conceitos de drenagem sustentável: os alagamentos são evitados, a partir da retenção da água da chuva em seis reservatórios de amortecimento integrados à calha do Rio Ipitanga, com o escoamento da água ocorrendo de forma controlada. O entorno de cinco desses reservatórios conta com quadras poliesportivas, pistas de cooper, ciclovia, entre outros equipamentos de lazer e convivência. Além dos reservatórios, foram revestidos nove canais de escoamento e realizado o desassoreamento do rio Ipitanga, com o alargamento de sua calha.

“O reservatório de amortecimento 01, no Parque Vila das Palmeiras está situado na localidade de Cassange e impediu que ao menos 315 mil metros cúbicos de água potencializassem os estragos causados pelas fortes chuvas na região”, pontuou em nota.

A Conder ainda afirmou que o sistema de drenagem vem amenizando os alagamentos na região onde foi instalado, mas deve ter constante manutenção para seu bom funcionamento. “A limpeza e manutenção das calhas dos rios e canais de drenagem são de responsabilidade das prefeituras e fundamentais para que o escoamento das águas pluviais seja realizado sem intercorrências”, finalizou.

Segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas de Salvador (Seinfra), a Prefeitura de Salvador já realizou vistoria com diversos órgãos no local para providências quanto à limpeza imediata do canal, estudos de macrodrenagem, desapropriação de casas construídas irregularmente sobre o canal, além de auxílio para as famílias atingidas pelas chuvas.

A pasta também disse que elaborou projetos que contemplam duas sub-bacias com contribuição para o Rio Ipitanga. O projeto compreende intervenções para melhorias na Rua Bahia de São Cristóvão e adjacências, com implantação de rede de drenagem pluvial e, também, soluções de drenagem para a Rua Gabino Kruschewsky e vias transversais do entorno.

“As soluções abrangem 35% da bacia do Parque São Cristóvão, têm orçamento previsto de cerca de R$ 10 milhões e estão em fase de captação de recursos. Além disso, esclarecemos que, para garantir a eficácia de todas as intervenções propostas na área, é essencial o bom funcionamento da macrodrenagem do Rio Ipitanga que está com obras do Governo do Estado”, disse a pasta em nota.

O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Inema), responsável por fiscalizar a segurança da barragem de Ipitanga 1 e de outras 500 barragens na Bahia, foi procurado para falar sobre o funcionamento da barragem, explicar os motivos para a vazão dela continuar alagando os imóveis no entorno e informar se as chuvas impactaram outras barragens do estado, mas não respondeu.

Por que os reservatórios de amortecimento não foram suficientes?

Para o engenheiro civil Luis Edmundo Campos, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e ex-presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), existem duas hipóteses para a vazão da Barragem de Ipitanga 1 continuar ocasionando alagamentos. Segundo ele explica, toda barragem tem um dispositivo, denominado extravasor, para liberar sua água excedente, e ele costuma seguir um caminho que pode conter dois tipos de interferência.

“A princípio a água que passa pelo extravasor de uma barragem segue o caminho natural do rio na parte a jusante (após barragem). Esta vazão tem que ser compatível com a calha do rio. A inundação pode ocorrer se a estiver sendo liberada a mais do que a capacidade do canal ou por obstrução do canal”, aponta.

O especialista analisa que, uma vez que foram instalados reservatórios de amortecimento, a permanência do problema – alagamentos decorrentes da vazão da barragem – se dá porque provavelmente o canal de vazão não comporta o volume de água escoado, problema este que pode ser resolvido com a adoção de alternativas. “Se está escoando menos do que estava antes e, mesmo assim está alagando, é sinal de que o canal está com a capacidade menor do que a quantidade escoada. E existe forma de ampliar o canal, seja limpando ou criando outros canais”, sugere.

Fonte: Correio

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