“Só desejo que ele goste”, diz ator baiano que interpretará Caetano nos cinemas

Foto: Divulgação

Talvez sejam os famosos caracóis nos cabelos, imortalizados na canção presente de Roberto Carlos a Caetano Veloso, a semelhança mais forte entre o cantor baiano e o ator Rodrigo Lelis, de 27 anos, que encara a missão de viver Veloso no longa “Meu nome é Gal”, cinebiografia da cantora Gal Costa, estrelado por Sophie Charlotte.

Envolvido nas filmagens do trabalho desde janeiro, o ator conversou com o Metro1 sobre a experiência e os desafios de dar vida a um personagem tão conhecido por todos. “Eu só desejo que ele goste do filme, que ele veja e se sinta dignamente representado”, conta o artista.

Com quase dez anos de carreira Lelis subiu aos palcos pela primeira vez em Brumado, no interior da Bahia, sua cidade natal. Ele lembra com carinho da professora que o apresentou a arte. “Ela me colocou em contato com a arte, que é tão presente em mim até hoje”, diz.

Dos papéis de protagonista na escola para os palcos de Salvador foi um pulo. Lelis trouxe para a capital a vontade de continuar atuando, mas a primeira experiência em palcos soteropolitanos gerou o primeiro obstáculo à carreira do ator. A dedicação às aulas do curso Todo Mundo Faz Teatro era tamanha que as notas na escola começaram a cair e os pais de Rodrigo, à época com 17 anos e cursando o 3º ano do ensino médio, decidiram que era preciso focar nos estudos.

“Meus pais sempre me apoiaram no desejo de fazer teatro, mas o desejo de qualquer pai é que seu filho esteja seguro inclusive financeiramente, por isso acabaram me tiraram do curso”, lembra ele que acabou fazendo vestibular para Engenharia Civil.

Um tempo depois do início do curso, uma ligação para o pai marcou o retorno às salas de ensaio. “Liguei pra ele chorando, eu disse: ‘pai, eu preciso fazer teatro”. O pedido foi atendido e depois de tentar o vestibular para o curso de teatro na Ufba, sem sucesso, Rodrigo descobriu, em 2014, a Universidade Livre do Teatro Vila Velha. Foi lá que Rodrigo se formou e, para além da experiência no palco, ganhou também a oportunidade de trabalhar aliando arte e comunicação. Hoje, além do trabalho como ator, Rodrigo tem uma empresa de assessoria de imprensa e criação de conteúdo.

Caetanear

Para além da importância para história pessoal de Rodrigo, o palco do Teatro Vila Velha guarda uma relação especial com o atual trabalho no cinema: o espaço foi inaugurado em 1964 com o show ‘Nós, por exemplo…’, que reuniu Gal, Caetano, Gil e Maria Bethânia. “Acho que são duas figuras de grande importância para arte na Bahia, o Vila e Caetano”, relaciona.

Foi também no palco do teatro que o formou que Rodrigo deu os primeiros passos para se tornar o Caetano do cinema, O artista conheceu a atriz e diretora Dandara Ferreira — que além de dirigir o longa tomou para si a missão de interpretar Bethânia — quando a artista do processo de montagem do espetáculo ‘Por que Hécuba’, com direção de Márcio Meirelles, em 2019. Na época, Rodrigo exibia um cabelo loiro curto e uma sobrancelha cortada, um visual bastante diferente dos cachos e cabelo cortado ao meio que, hoje, o fazem se parecer tanto com Caetano.

“Dandara viu Caetano em mim já alí e isso é muito especial. O olhar dela é muito especial e isso só tem se confirmado nesse processo de filmagem’, revela.

A indicação da diretora, no entanto, não facilitou as coisas para que o artista fosse escalado para o longa. Foi preciso uma bateria de testes, com dois diretores de elenco diferentes, para confirmar o primeiro papel de projeção nacional na carreira de Rodrigo. Questionado sobre o que pensou no momento em que recebeu a notícia da escalação, ele lembra da emoção.

“Não sei até hoje o que passou pela minha cabeça. Caetano é um personagem importante para mim assim como foram todos os outros. Por mais que ele possa me projetar, meu processo enquanto ator está acontecendo com a mesma entrega, dedicação e intensidade”, diz.

Se as filmagens do longa devem ser concluídas até o meio de março – depois de cerca de um mês e meio de trabalho contínuo – o desafio de Rodrigo começou muito antes de ouvir o primeiro ‘ação’. Pouco tempo depois da ligação, veio o mergulho em Caetano, para entender sua forma de falar, de se vestir, o gestual e a maneira de cantar.

O processo envolveu assistir documentários e, principalmente, aprender a tocar violão, habilidade completamente desconhecida pelo ator. Dominar o instrumento em três semanas foi um desafio, algo que move o artista. “Esse talvez seja o personagem que mais me deu medo, talvez por ser quem é, por ser uma figura viva mas sou movido por esse medo, por esse frio na barriga, quem é ator gosta disso”, conta.

O mergulho no personagem fez Rodrigo ser parado nas ruas de Salvador pela semelhança com Caetano ainda antes do início das filmagens.

“Gosto de provocar esse choque, de fazer a pessoa perceber que existe um trabalho em construção. Mas quando vem me perguntar se eu tenho parentesco com Caetano, eu logo digo, sou Rodrigo, vou fazer Caetano no cinema. Acho importante estabelecer esse limite’, avalia. A vontade de compartilhar com o público um pouco do processo de preparação fez com que o ator convidasse a amiga e fotógrafa, Itala Matina para fazer o ensaio ‘Menino Deus’, com imagens feitas no Centro Histórico de Salvador, em homenagem aos 80 anos de vida de Caetano, que serão comemorados no próximo dia 7 de agosto.

Agora, depois de semanas na pele do cantor, o limite está ainda mais claro. “Não é Caetano, sou eu fazendo Caetano, até porque o Caetano que eu estou falando já é um Caetano que não existe mais, ele já mudou, Então não é sobre copiar”, diz, sobre o trabalho;

Ser tudo aquilo que quer

Fazendo parte de um filme com um elenco de peso, que conta, além de Dandara e Sophie Charlotte, conta com nomes como Dan Ferreira, George Sauma, Camila Márdila e Fábio Assunção, o ator diz que o processo de dividir as cenas com os colegas tem sido delicioso. “A sensação de respeito é a mesma que eu tive com qualquer outro ator com quem contracenei. A relação precisa ser uma relação de troca, e tem sido uma troca deliciosa. São todos pessoas incríveis e nós construímos uma relação de muito carinho, de amor mesmo”, conta o artista.

Para o futuro, alguns objetivos: um deles, conhecer aquele a quem interpreta. Rodrigo escolheu não buscar nenhum tipo de contato direto com Caetano Veloso antes de terminar as gravações, mas quer conhecer o ídolo baiano em breve. “Quero muito ter contato com ele depois, ter essa troca também com ele”, avisa.

Questionado sobre a expectativa de que o filme projete sua carreira em grande escala, o ator é categórico: “Eu quero mais, quero seguir fazendo teatro, quero TV, cinema, streaming. O que quero é continuar contando grandes histórias porque grandes histórias são contadas por grandes atores”, acreditam. Sobre o filme, o ator não pode adiantar nenhum detalhe para não estragar a surpresa, mas diz que, entre muitos momentos especiais da trajetória com Caetano leva, dentre outras coisa, uma frase especial da música Coração Vagabundo. “Meu coração não se cansa de ter esperança, de um dia ser tudo o que quer. Eu acho que é essa a busca sempre. De encontrar a arte em si, de fazer aquilo que se quer fazer. É o que eu faço”, finaliza. (Metro1)

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