O inquérito aberto pela Superintendência Regional do Trabalho concluiu que duas trabalhadoras contratadas pela empresária Melina Esteves França foram vítimas de trabalho análogo à escravidão. Uma delas pessoas envolvidas é a babá que se jogou do terceiro andar de um prédio em Salvador. A informação foi divulgada nesta sexta-feira (10) pelo órgão.
Raiana Ribeiro da Silva, 25 anos, alega que teria trabalhado na residência por uma semana, sem direito a folga, descanso intrajornada, e sem acesso ao próprio celular. A mulher também denunciou que tentou deixar o emprego e foi impedida, tendo sofrido diversas agressões verbais e físicas. Por isso, teria decidido fugir pelo banheiro e caído do terceiro andar.
A nota do MPT ressalta que, nos depoimentos prestados até o momento, a empregadora não negou as irregularidades trabalhistas e alegou que a babá teria agredido uma das filhas dela. A defesa dela alegou recentemente que ela sofre de síndrome de Boderline, processo psíquico que causa instabilidade de humor e que pode levar a comportamento agressivo.
Segundo o órgão, a configuração de trabalho análogo à escravidão levará a empregadora a ter que indenizar a sociedade pelo ilícito na esfera trabalhista, além de responder na esfera criminal por submeter pessoa nesta condição.
O MPT também informou que auditores do trabalho estão providenciando a emissão de guia para que Raiana possa dar entrada do pedido de seguro-desemprego pelo período de três meses.
A auditoria do trabalho elabora relatório para listar todas as ilegalidades trabalhistas e emitir autos de infração para cada um dos itens, de acordo com a nota do MPT. Ainda conforme o órgão, esses autos permitem que a empregadora apresente defesa, mas poderão resultar em multas.
Já na esfera judicial, é possível que a babá ingresse com ação para cobrança de direitos trabalhistas, inclusive com pedido de indenização por danos morais individuais. O MPT também pode acionar o judiciário ou negociar um termo de ajuste de conduta com previsão de obrigações a serem cumpridas sob pena de multa por descumprimento, bem como o pagamento de indenização por danos morais coletivos.
Advogado de defesa
O novo advogado de Melina Esteves, patroa flagrada durante agressões contra a babá das filhas, disse em entrevista à TV Bahia no domingo (5) que ela tem transtorno psicológico e não estava em tratamento. Segundo Marcelo Cunha as agressões cometidas por Melina foram fruto da “proteção materna”.
O advogado afirma que Raiana Ribeiro, a babá que pulou do terceiro andar, teria agredido uma das filhas de Melina e, por isso, além do transtorno psicológico, a cliente dele teria cometido a lesão corporal. “Ah, doutor Marcelo, mas isso justifica uma agressão? Eu estou somando as duas situações, vou repetir: a proteção materna, qualquer mãe faria igual ou pior, não estou aqui justificando; e, segundo, a intensidade”, disse.
“A intensidade vem por conta do transtorno da personalidade borderline, ela não consegue se controlar. Ou seja, falando no linguajar popular, ela tem um pavio curtíssimo. Qualquer afronta, qualquer distrato, qualquer outra coisa, ela transforma como se fosse o fim do mundo. Então, isso é importante que se diga”, conta Marcelo.
Marcelo Cunha relatou que outras babás teriam maltratado as trigêmeas filhas de Melina, e vídeos gravados mostrariam as supostas agressões. “Eu acredito que o instinto materno, eu acho que qualquer mãe não aceitaria tal tipo de conduta. E de forma de proteger a sua prole tomaria uma atitude drástica. Isso é uma consequência”, disse.
Sobre os vídeos que mostram as agressões contra a babá Raiana, o advogado defendeu que não houve espancamento e sim lesão corporal.
“Espancamento é uma palavra muito pesada. O espancamento através de uma lesão corporal, seja ela leve, grave ou gravíssima, é feito através de uma análise de um laudo pericial, que é o laudo do exame de corpo de delito. Então, essa questão de uma lesão grave, uma lesão exacerbada, gravíssima, eu não posso me manifestar até porque o vídeo não mostra isso. Não vejo sangue, eu vejo agressões. Ou seja, lesão corporal”, disse.
Ele ainda negou que Raiana tivesse sido privada de alimentação enquanto trabalhou na casa de Melina. Sobre as outras denúncias de ex-funcionárias de Melina, Marcelo Cunha informou que não teve acesso ainda à totalidade do inquérito, e que não pode se manifestar sobre os demais.
O advogado ainda informou que após o segundo interrogatório na última sexta, Melina Esteves não voltou para casa no bairro do Imbuí e está na casa de uma outra pessoa.
Caso
A babá Raiana Ribeiro, de 25 anos, pulou do terceiro andar de um prédio, no bairro do Imbuí, em Salvador, para fugir de agressões e de cárcere privado. A agressora, identificada como Melina Esteves França, é investigada por violência doméstica contra outras 11 ex-funcionárias.
A babá foi registrada andando entre os edifícios após sair do apartamento pela janela do banheiro. (Assista aqui)
Imagens mostraram a funcionária desmaiando após uma série de pancadas. Depois de uma sequência de tapas, socos, chutes e puxões de cabelos, Raiana levanta e se aproxima de uma porta de vidro para respirar. Ela se desequilibra e cai desacordada. Durante a queda, a babá chega a se chocar contra uma das filhas de Melina, que também cai no chão.
Na sexta-feira (3), Raiana disse que desmaiou após ser atacada porque, além da violência, ficava sem comer no trabalho.
Ainda na sexta, Melina Esteves França deixou o apartamento onde ela mora, no bairro do Imbuí, em Salvador, sob vaias de moradores e escoltada por policiais civis, para prestar depoimento e depois foi liberada.
Entenda o que ocorreu ponto a ponto
O caso ocorreu na manhã de quarta-feira, 25 de agosto. Raiane Ribeiro pulou do terceiro andar para fugir de agressões. Ela disse também que era mantida em cárcere privado pela patroa Melina Esteves França.
Antes de pular, Raiana chegou a enviar uma mensagem de áudio pedindo ajuda aos familiares em um aplicativo de mensagens. No mesmo dia, ela recebeu alta médica, após ficar internada no Hospital Geral do Estado (HGE). A jovem sofreu fraturas no pé.
Raiana Ribeiro trabalhava como babá na casa de Melina há uma semana, cuidando das filhas trigêmeas dela. As crianças têm 1 ano e 9 meses.
No dia 26 de setembro, Melina prestou depoimento por cerca de seis horas. Ao chegar no prédio onde mora, depois de ter saído da delegacia, ela foi vaiada pelos vizinhos.
Um dia depois, na sexta-feira (27), ao menos quatro ex-funcionárias de Melina prestaram depoimento à polícia e relataram ser vítimas de crimes semelhantes.
Na manhã de domingo (29), um grupo de pessoas se reuniu em frente ao prédio onde a babá pulou do terceiro andar. Eles fizeram uma manifestação de apoio à vítima e pediram justiça pelo caso.
Na quinta-feira (2), o G1 divulgou com exclusividade imagens de uma câmera de segurança que flagraram o momento em que a babá foi agredida pela ex-patroa, horas antes dela pular do prédio.
Um dia depois, na sexta (3), Melina Esteves França deixou o apartamento onde ela mora sob vaias de moradores e escoltada por policiais civis, para prestar depoimento. Depois foi liberada.
O que falta saber
Melina Esteves França não falou com a imprensa ainda. Na quarta-feira (1°), o advogado da empresária anunciou que deixou o caso, mas não detalhou o motivo.
A Polícia Civil não divulgou informações sobre as investigações sobre os casos. O órgão justifica que não fez isso ainda para não atrapalhar na apuração.
Não há confirmação oficial de que Melina França não fez os pagamentos das ex-funcionárias. A polícia não confirma os depoimentos das vítimas, apenas diz que investiga.
(G1)