Esta terça-feira (6) é conhecida mundialmente como o Dia do Teste do Pezinho. Mas, em vez de motivo de comemoração, a chegada da data serve para alertar a população baiana: a cobertura na Bahia, que correspondia a mais de 91% em 2018, ficou em 86,6% no ano passado. Embora esse índice seja levemente superior aos dos anos de 2021, 2020 e 2019 — 85,5%, 85,6% e 85,7%, respectivamente —, ainda é motivo de preocupação para o estado.
Os dados foram fornecidos em conjunto pela Secretaria da Saúde (Sesab) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) Salvador, referência em triagem neonatal. Ainda com base neles, o número de triados até o primeiro trimestre deste ano foi menor em relação ao mesmo período em 2022: passou de 51.068 para 50.346.
Obrigatório por lei em todo o território nacional, o Teste do Pezinho chama-se, na verdade, Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). Ele deve ser realizado entre o terceiro e o quinto dias de vida do bebê, com o objetivo de triar, diagnosticar e tratar gratuitamente doenças antes das manifestações clínicas que podem surgir ainda no período neonatal, que vai até os 28 dias de vida.
Quanto mais cedo forem o diagnóstico e o início do tratamento, menores os riscos à vida do bebê e as sequelas. Se não tratadas no tempo adequado, as doenças diagnosticadas pelo Teste do Pezinho podem causar deficiência mental ou afetar gravemente a saúde da criança, até mesmo levando a óbito precoce. Esse último caso foi o que aconteceu com o primeiro filho da profissional de administração Roberta Coelho, de 39 anos.
O ano era 2011, e o diagnóstico de que Yuri, com apenas 14 dias de vida, tinha nascido com leucinose — mais conhecida como doença da urina do xarope de bordo — chegou aos pais tardiamente. Considerada rara, a enfermidade compromete o metabolismo de aminoácidos essenciais ao bom funcionamento do corpo humano.
“Na época, a prefeitura não mandou [o resultado] do Teste de Pezinho dentro do tempo necessário. Oito dias depois de ele ter falecido foi que a gente veio a descobrir [a existência da doença]”, conta a moradora de Morro do Chapéu, município localizado na Chapada Diamantina.
Apesar da dor causada pela perda, foi por meio do teste que Roberta soube da presença daquela doença na família, que poderia voltar a ser transmitida em caso de nova gravidez. E assim aconteceu: Francisco Yuri — em homenagem ao primeiro bebê do casal — também herdou a leucinose de seus pais.
“Francisco foi diagnosticado com três dias de vida. Se não fosse pelo irmão dele, talvez a gente não tivesse descoberto. O Teste do Pezinho salvou a vida de Francisco”, ressalta a mulher. Hoje com 9 anos, Francisco leva uma vida sem complicações, graças ao diagnóstico precoce proporcionado pelo teste.
“Ele segue uma dieta desde que nasceu. Hoje, tem uma vida normal: corre, pula e brinca. Se não tivesse havido o Teste do Pezinho na vida dele, talvez não tivesse esse desenvolvimento”, acrescenta a mãe do menino, que, desde o nascimento, vem à capital a cada três meses, para receber acompanhamento na Apae.
Outras doenças detectáveis
Em 2021, a Lei 14.154 implantou a ampliação, de forma escalonada, de seis para quase 50 os diagnósticos oferecidos por meio do Teste do Pezinho. Além de aminoacidopatias, a exemplo do caso de Francisco Yuri, ele permite detectar doenças como fenilcetonúria; hipotireoidismo congênito; doença falciforme e outras hemoglobinopatias; fibrose cística; hiperplasia adrenal congênita; e deficiência de biotinidase (DBT).
“Os pais devem estar atentos à situação de seus filhos, e os médicos precisam pedir o resultado do Teste do Pezinho. Existem doenças que os médicos, às vezes, nem lembram”, frisa a gerente do Serviço de Referência em Triagem Neonatal da Apae Salvador, a médica geneticista Helena Pimentel.
Pimentel ressalva que, por se tratar de uma triagem, o teste pode apresentar falhas, ainda que as chances sejam mínimas. “Se a criança tiver sintomas de alguma doença mesmo com o resultado do teste tendo sido normal, o médico tem que pedir uma avaliação específica para aquela doença.”
Assim, se tratadas, as doenças têm diminuídas as chances de provocar sequelas, melhorando a qualidade de vida das pessoas afetadas. Por isso, após a amostra do primeiro teste do pequeno Nathan Satyro, de apenas 1 mês, ter sido considerada insuficiente, o papai de primeira viagem Ihan Santos, 24, aguarda atentamente o resultado da nova coleta, que será divulgado na próxima semana.
“No momento do teste, sofremos um pouco, por ver nosso filho chorando e sentindo dor. Mas sabemos que é de suma importância para a saúde de nosso bebê, para a prevenção de doenças como hipotireoidismo, fibrose cística e a anemia falciforme”, compartilha Ihan.
Razão para queda do número de testes é desconhecida, diz gerente da Apae
De acordo com Helena Pimentel, a razão para a queda do número de Testes do Pezinho realizados na Bahia é desconhecida. “É muito difícil atribuir a algum fator. Em junho, por exemplo, nós temos um grave problema, que é o São João, porque as prefeituras se voltam para as festas e se esquecem da continuidade de programas como esse”, cita como uma das possíveis causas.
“Geralmente, no fim do ano, algumas questões relacionadas à gestão das Secretarias da Saúde dos municípios e eleições, sobretudo municipais, acabam atrapalhando muito a realização dos testes”, acrescenta ao rol de hipóteses a gerente do Serviço de Referência em Triagem Neonatal da Apae Salvador, enfatizando que o teste não deve ser adiado.
Pimentel explica que, embora as amostras sejam analisadas pela organização filantrópica, o serviço de coleta é responsabilidade dos municípios. “Coletar o exame é uma parte; um pedacinho da receita. É necessário continuar [o procedimento] até o final, que é ter o laudo com o resultado do exame. Se ele apresentar alteração, a criança vai ser chamada, para ser tratada”, esclarece.
A médica geneticista acrescenta que, a despeito da redução constatada, a Bahia está bem posicionada em relação aos demais estados do Brasil. “Nosso serviço vai muito bem. Mas é porque o cenário nacional, em alguns lugares, está muito ruim, com descontinuidade na realização do teste”, pondera.
Para embasar melhor tal comparação, a reportagem solicitou, por e-mail, ao Ministério da Saúde dados relativos ao Teste do Pezinho no país. No entanto, até o fechamento desta publicação, não houve retorno.
Cobertura nos últimos cinco anos, segundo Sesab e Apae Salvador
2018: 91%;
2019: 85,7%;
2020: 85,6%;
2021: 85,5%;
2022: 86,6%.
(Correio)