Em março, os australianos Leila Sawenko e Tony Maguire viajaram do estado de Vitória para Sydney, onde foram a um casamento de amigos. Uma semana depois, os dois apresentaram sintomas leves de gripe. Os testes laboratoriais confirmaram: eles estavam com Covid-19. As preocupações logo se voltaram para os três filhos do casal, que compartilharam o quarto dos pais durante todo o período de infecção. Curiosamente, nenhum dos pequenos testou positivo para a doença.
O hospital ficou tão surpreso que repetiu os testes das crianças duas vezes, em laboratórios diferentes. Os resultados continuaram negando a infecção por coronavírus. Intrigados, médicos e pesquisadores do Murdoch Children’s Research Institute convidaram a família a participar de um estudo para entender a situação. E o que descobriram foi ainda mais surpreendente: mesmo sem nunca terem sido diagnosticados com Covid-19, as crianças produziram anticorpos contra o vírus.
O estudo ajuda a entender os detalhes do processo de resposta imunológica contra a doença em crianças. Desde o começo da pandemia, os cientistas sabem que os pequenos geralmente apresentam sintomas mais leves que adultos e raramente desenvolvem casos raros – mas o porquê disso não é tão claro. O artigo que descreve o novo caso foi publicado na revista Nature Communications.
Depois que os pais foram diagnosticados com Covid-19 através de testes PCR, amostras de saliva e sangue foram coletadas de todos da família. Os dois filhos mais velhos, de 9 e 6 anos, tiveram um único sintoma: nariz entupido. A filha mais nova, de 5 anos, ficou completamente assintomática. Todos os três testaram negativo repetidamente. Mas, quando os cientistas analisaram suas amostras em laboratório, descobriram que todos tinham anticorpos contra o vírus, em quantidades similares aos dos pais, que tiveram infecção confirmada e sintomas clássicos (febre, tosse e dor de cabeça).
“A filha mais nova, que não apresentou nenhum sintoma, teve a resposta de anticorpos mais forte”, disse em comunicado Melanie Neeland, uma das autoras do estudo. “Apesar da resposta imunológica ativa em todas as crianças, os níveis de citocinas, que são mensageiros moleculares no sangue que podem desencadear uma reação inflamatória, permaneceram baixos.” Isso faz sentido: casos graves de Covid-19 se caracterizam por uma reação exagerada do corpo contra o patógeno, que acaba prejudicando células saudáveis e afetando os pulmões, por exemplo. As crianças não tiveram reação desse tipo porque seus corpos conseguiram conter a infecção sem precisar de uma resposta tão violenta. Os resultados indicam que os filhos de fato tiveram contato com o vírus, como era de se esperar – afinal, compartilharam o mesmo ambiente que os pais infectados. Essa exposição foi suficiente para seus organismos criassem uma resposta imunológica capaz de neutralizar o invasor antes da doença avançar a ponto de diminuir a carga viral a níveis indetectáveis quando eles foram testados. Eventualmente, os pais também se recuperaram sem precisar de assistência médica, e suas amostras mostraram os mesmos níveis de anticorpos dos filhos assintomáticos.
“Este estudo é o nosso primeiro passo para analisar em profundidade o sistema imunológico das crianças e observar quais componentes podem estar respondendo tão bem ao vírus”, explicou o pediatra Shidan Tosif, também autor do estudo, ao portal australiano The Age. “O fato de essas crianças serem capazes de neutralizar o vírus mesmo sem testar positivo sugere que, em algum nível, seu sistema imunológico é capaz de responder e lidar com o vírus de forma muito eficaz, sem que nunca fiquem doentes.”
Os pesquisadores lembraram que, apesar dos resultados inéditos, ainda não dá para saber se essas três crianças estão totalmente imunes a uma possível reinfecção e, se sim, por quanto tempo estariam protegidas. Além disso, os resultados não são uma regra universal: apesar de raro, crianças podem desenvolver quadros graves de Covid-19. E o mais importante: mesmo que assintomáticas ou com sintomas leves, crianças infectadas ainda podem levar o vírus adiante para outras pessoas.
Por Bruno Carbinatto – Superinteressante