Universidades não antecipam formatura, e estudantes de medicina reclamam por não ajudar na pandemia

Foto: Arquivo pessoal/Alberto Freaza

A antecipação da formatura ainda não é certa para parte dos estudantes do último semestre de medicina que cumprem os requisitos citados na medida provisória publicada em 1º de abril deste ano. O G1 conversou com estudantes de universidades públicas que relatam negativa das instituições e falta de confirmação ou data para a formatura antecipada. Eles contam que há lentidão e burocracia no processo e que não há qualquer garantia de que vão poder ajudar durante a pandemia.

Estudantes de medicina do Rio, do Pará, do Ceará e do Amazonas dizem que já completaram mais de 75% do internato (experiência prática em diferentes especialidades) e também manifestaram às instituições o desejo de antecipar a formatura para trabalhar no combate à Covid-19. Apesar de a MP autorizar a formatura antecipada, o texto estabelece que a decisão é facultativa e cabe a cada universidade.

Segundo um levantamento feito pela estudante de medicina da Universidade do Estado do Pará (Uepa) Maitê Gadelha, o número de instituições que ainda não autorizaram a formatura antecipada é alto: pelo menos 35 universidades não deram data de formatura, não se manifestaram ainda ou mesmo negaram a antecipação da formatura.

Ainda segundo a estudante, que manteve contato com representantes de todos os estados, caso realmente as universidades autorizem a antecipação da formatura de medicina, haverá um reforço de cerca de 6 mil estudantes do último semestre do curso, recém-formados, nas equipes de profissionais.

Portaria do MEC

O estudante de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Alberto Freaza, de 24 anos, está no último semestre do curso. Ele afirma que, após a publicação de uma portaria do MEC em 6 de abril deste ano, houve um clima de indecisão na universidade e até agora não há uma data para a formatura da turma – tampouco para começar a trabalhar como médico.

Freaza conta que está preocupado com a lentidão do processo e que teme não poder ajudar quando o momento crucial chegar. Ele lembra que alguns especialistas apontam que o pico do número de casos do novo coronavírus no Brasil deve ocorrer no fim de abril e no início de maio. O estudante acrescenta ainda que está “frustrado”, há quatro semanas em casa, parado, sem poder participar do combate à Covid-19.

“Eu acredito que é um momento sem precedentes, completamente novo. Eu me sinto no dever de poder ajudar no combate a essa pandemia. Existe uma grande possibilidade de haver um apagão profissional, faltando médicos para atuar na linha de frente. Muitos profissionais já estão adoecendo, alguns já estão afastados. Depois de seis anos do investimento do país na minha formação, eu acho que é importante ajudar de alguma forma”, diz o estudante da UFRJ.
Em nota, a UFRJ diz que a portaria do MEC publicada em 6 de abril deste ano “impõe restrições aos estudantes” e que “a UFRJ não poderá seguir com os trâmites” da antecipação da formatura dos estudantes “antes de a portaria mudar”.

A UFRJ recomenda ainda que os estudantes do último semestre se inscrevam no programa para universitários do governo federal chamado “O Brasil Conta Comigo” ou que participem do “programa interno de voluntariado”.

Interpretação do texto da MP
A situação não é muito diferente no estado que registra atualmente mais casos confirmados do novo coronavírus no Nordeste, o Ceará. O estudante de medicina do último período da Universidade Federal do Ceará (UFC) Narcilio Freitas, de 22 anos, diz que a instituição não autorizou a formatura apesar de a turma já ter concluído quatro das cinco etapas de internato (experiência prática em diferentes especialidades) – o equivalente, portanto, a 80% das etapas.

Segundo ele, a universidade interpreta o texto da MP de outra forma. Para a UFC, os estudantes do último semestre precisam ter completado ao menos 75% de cada etapa do internato – e não quatro das cinco etapas.

O estudante diz que a turma do último semestre concluiria a quinta etapa do internato no fim de maio e que a formatura seria logo no mês seguinte. Com a interrupção do internato por causa da pandemia e a negativa da universidade em antecipar a formatura, os estudantes da instituição chegaram a entrar com uma ação na Justiça.

Freitas conta que se preocupa bastante com o cenário do novo coronavírus no Ceará, já que o número de pacientes tende a aumentar a cada semana, enquanto, por outro lado, é provável que mais profissionais da saúde tenham de se afastar dos trabalhos – seja por ter sido infectado pela Covid-19, seja por ser do grupo de risco.

“Diante da pandemia, a gente vai ter mais pacientes, menos profissionais. E precisamos de médicos jovens, principalmente fora do grupo de risco, para entrar na linha de frente do sistema, para se manter saudável por mais tempo. Para os médicos que adoecerem se recuperarem e poderem voltar”, diz o estudante da UFC.
Procurada, a faculdade de medicina da UFC não se manifestou.

Indecisão na data de formatura
A estudante do último semestre de medicina da Universidade Estadual do Pará (Uepa) Maitê Gadelha, de 23 anos, conta que ainda não tem data para se formar e que enfrenta “falhas na comunicação com a coordenação do curso” e também “a morosidade do processo, o que causa muita frustração e ansiedade”.

“Eu pretendo trabalhar e ajudar onde for necessário. É o momento de colocar em prática o que aprendemos durante os quase seis anos de curso, para poder proporcionar à população um atendimento humano e de qualidade.”

Segundo ela, a Uepa já havia autorizado a antecipação da formatura que ocorreria até 16 de abril deste ano, mas ainda não há uma data nem mesmo a confirmação de que os estudantes vão conseguir se formar. Ela diz que o atraso se deve a uma portaria do MEC, publicada em 6 de abril, que criou “diversas dúvidas sobre as condições propostas para o trabalho dos recém-formados durante a pandemia”.

“Estamos há mais de 25 dias sem as práticas do internato, não temos previsão de retorno das atividades nem sobre a data de formatura. Estamos em casa e temos certeza de que os alunos que optaram por estudar medicina e estão tão próximos de concluir o curso têm muito mais a oferecer à população estando nas frentes de trabalho”, afirma Maitê, referindo-se à turma do último semestre de medicina na Uepa.
Procurada, a faculdade de medicina da Uepa não se manifestou.

Negativa da antecipação
No Amazonas, onde boa parte dos leitos já está ocupada, o problema também é relatado pela estudante do último semestre de medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Amanda Costa, de 28 anos. Ela diz que o calendário letivo está suspenso desde 16 de março e que a faculdade não autorizou a antecipação da formatura apesar de a turma ter concluído 80% do internato.

Segundo ela, a universidade diz que a falta da última etapa do internato “traz prejuízo à formação médica”, o que pode colocar “profissionais pouco preparados no mercado de trabalho”. Além disso, Amanda afirma que os integrantes da instituição também argumentaram que “o Amazonas não carece de profissionais médicos no atual momento”.

Amanda conta que, se conseguir antecipar a formatura, pretende atuar em serviços de atenção primária no interior do estado, especialmente em “áreas de vazio assistencial”, onde casos leves e moderados podem ser abordados. “Por ser inexperiente, não aceitaria atender casos graves ou complicados da Covid-19. Caso haja treinamento específico para tal, atuaria ainda nas linhas de frente de combate ao novo coronavírus”, diz Amanda.

Em nota, a Ufam diz que “até sexta-feira a Ufam irá se posicionar sobre essa situação, de acordo com a orientação da Procuradoria Federal”.

Procurado pelo G1, o Ministério da Educação (MEC) não se manifestou sobre a negativa das universidades e as críticas à portaria publicada em 6 de abril deste ano. (G1)

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