Antes mesmo dos feriados de São João e 2 de Julho serem antecipados, já era Verão para os lados do Litoral Norte da Bahia. Epicentro da covid-19 no estado, Salvador botou o povo para correr e reativou os aluguéis de casas na Linha Verde. Em busca de mais segurança, espaço e tranquilidade, famílias com idosos e crianças estão transformando a ocupação dessa época na região.
Sócio-diretor de uma agência de aluguel por temporada, o espanhol Ivan Arias conta que os condomínios de casas que administra em Imbassaí estão com quase 60% de uso, taxa que ele só costuma ver em alta estação. Segundo o empresário, além dos inquilinos, os próprios donos de imóveis também decidiram se isolar lá, inclusive proprietários que vivem em São Paulo, Brasília e Feira de Santana.
O empresário conta que, nos dois condomínios que cuida, existem mais de 300 residências de alto padrão, sendo 70 delas gerenciadas pela sua empresa, a Rent Brasil. “Optamos por não fazer publicidade sobre essas casas serem uma opção para o pessoal de fora vir se confinar e se refugiar, mas houve essa demanda bastante grande e espontânea”, explica Arias.
Recém-aposentado da Coelba, Ricardo Valente, 61 anos, é morador da Barra, em Salvador, e fugiu para Arembepe porque andava agoniado com duas preocupações: a teimosia do movimento de corredores na orla e a proximidade do seu apartamento com o Hospital Espanhol, referência no atendimento de pacientes com coronavírus.
“Sou um cara que fico avaliando e não corro das informações, vejo por curiosidade, então o motivo de vir para a Linha Verde foi mesmo para fugir do contágio”, justifica.
Quando leu uma notícia de que um estudo identificou a presença do vírus em imóveis perto de hospitais na China, aí pronto… Tinha motivos científicos mais do que suficientes para permanecer na Linha Verde.
Morador do nono andar de um edifício no fundo do Espanhol, o aposentado concluiu: “Se o vírus vier pelo ar, vai chegar no meu prédio”, conta ele, que está há mais de dois meses no distrito. “Mas aí eu vim para Arembepe e não me safei porque agora estamos em frente a uma UPA, é só atravessar a rua”, continua aos risos.
Famosa aldeia hippie, Arembepe possui 11 casos do novo coronavírus e é o quarto distrito com maior número de casos em Camaçari, cidade a qual pertence, de acordo com boletim divulgado pela secretaria de saúde muncipal na quarta-feira (27). A Barra, por outro lado, tinha quatro vezes mais infectados, com 45 ocorrências até a mesma data. Em Arembepe, Ricardo está num conjunto familiar fechado formado por três casas, que também estão ocupadas por parentes.
“Vim para fugir de uma pandemia maior. Aqui é mais tranquilo, tenho mais espaço. Entre ficar confinado num apartamento e numa casa, prefiro uma casa”, avalia.
Nem invente: praias estão bloqueadas e sob fiscalização
O aposentado relata que observou uma ocupação rara para essa época do ano, mas não considera que a vila está lotada. Segundo ele, a Prefeitura de Camaçari fez uma blitz nas praias no domingo (24) para evitar aglomeração no mar e na faixa de areia, assim como tem sido feito em Salvador.
Isolada em Guarajuba, Gildete Mendonça, 79, está em companhia do marido, filho e nora. A ida para lá foi por insistência do filho, que estava preocupado com os riscos à saúde dos pais, pertencentes ao grupo de risco da nova doença. A rotina de Gildete inclui banho de sol, caminhadas, lives de cultos da igreja que congrega e exercício de respiração na praia.
“Vou na praia, mas não entro no mar, está interditado pela prefeitura. Aqui tem ruas largas, não há muitas pessoas, não tem aglomeração. Eu estava em apartamento e fica muito angustiada, via muita televisão nos primeiros dias, ligava para todo mundo. Aqui nós estamos bem e em companhia. Choro de emoção com o cuidado que meu filho tem com a gente”, relata ela.
Cristã evangélica e líder de um grupo de mulheres na igreja, Gildete faz chamadas diárias para saber como anda a vida das ‘irmãs’ e tem feito transferências bancárias para ajudar as que estão em situações difíceis provocadas pela pandemia.
Características e preços das acomodações
De acordo com Ivan Arias, da Rent Brasil, as pessoas têm procurado imóveis na Linha Verde por razões como menor densidade populacional, paisagens agradáveis, piscinas privativas, churrasqueiras e disponibilidade de quintais ou demais áreas ao ar livre. No entanto, áreas sociais coletivas, como piscina coletiva e academia, também seguem com acesso proibido.
Atividades como caminhar ou andar de bicicleta no interior do condomínio são permitidas desde que mantido o distanciamento entre pessoas. Conforme Arias, quase todos os serviços e comércios locais estão trabalhando em sistema delivery.
Antes da pandemia, as propriedades eram alugadas, em geral, pelo período de um fim de semana até sete dias. Atualmente, o empresário tem recebido procura para longas estadias, com contratos que vão de 15 a 60 dias. A Rent Brasil já recebeu ligações de grupo de amigos querendo passar um final de semana “divertido”, mas a estadia foi negada. A agência está praticando descontos de até 40% nos valores originais. Para hospedagem pelo tempo de 15 dias, a casa mais simples fica na faixa de R$ 5 mil e a mais completa pelo dobro.
“As pessoas saem de Salvador, onde estavam com filhos trancados em apartamentos, e aqui encontram espaço amplo e privado para eles pularem, se divertirem. Não queremos sair dizendo que aqui há atrativos como praia e outros turismos. Não é hora disso, há muitos impedimentos. Todos os que estão vindo estão sendo informados de que devem permanecer em casa”, adianta Arias.
Por sua vez, o Airbnb, plataforma de aluguel de imóveis, informou que tem observado, em diversos centros urbanos do país, um aumento da demanda de hóspedes por estadias mais longas nos mesmos municípios em que moram, especialmente com o objetivo de preservar a saúde das pessoas que fazem parte do grupo de maior risco para a covid-19. De acordo com a plataforma, também foram observadas reduções de valor por anfitriões para reservas nesse perfil.
No Brasil, em março, o número de reservas mais longas (acima de 28 dias) foi 24% maior que no mesmo mês do ano passado. No mundo todo, cerca de 80% dos anfitriões estão aceitando reservas desse tipo, e cerca de metade das acomodações do Airbnb agora tem descontos para períodos de permanência de um mês ou mais. (Correios)