Buzinas, gritos e o som de latinhas batendo no asfalto preencheram as ruas de Ceilândia na noite da última terça-feira (25/1). Dentro de um Ford Ka preto, a motorista comemorava a liberdade recém adquirida. Em rosa, nos vidros do carro, as palavras: “Enfim, divorciada”, eram recebidas por aplausos de vizinhos e curiosos que tentavam descobrir o motivo de tanto barulho.
Foi logo após a notícia de que seu casamento de 36 anos e 8 meses tinha, enfim, acabado que Tânia Lacerda, de 55 anos, precisou “gritar ao mundo” sobre sua “libertação”.
“Precisava gritar para os quatro cantos do mundo que estava liberta de muita coisa que eu passei”, disse aos prantos.
Os curiosos não imaginam que a técnica de enfermagem aposentada do Hospital de Base aguentou ameaças, agressões e muito medo dentro de um relacionamento abusivo com o ex-marido. “Eu tinha muito medo do que poderia vir a me acontecer. Essa minha insegurança me levou por tantos anos. Escondi muitas coisas da minha própria família. Como eu me permiti que tanta coisa de ruim acontecesse comigo?”, questiona.
O vídeo, divulgado pela própria Tânia em seu perfil no Instagram, simboliza uma vitória contra o medo de tornar-se a próxima vítima de feminicídio no DF.
“Infelizmente, chegou num ponto que eu não queria que chegasse e isso me deu coragem. Ver casos de feminicídio [na mídia] também me deu forças para tomar essa atitude”, relata.
Em apenas um ano – de janeiro a novembro de 2021 –, o número de feminicídios registrados no DF aumentou quase 70%. Se em 2020 foram 13 pessoas mortas pelo simples fato de serem mulheres, em 2021 este crime passou para 22.
“Me considero uma vencedora, consegui me livrar de um karma de anos. Não da maneira que gostaria, mas me senti aliviada. Minha alegria foi tamanha que eu precisava dividir com o mundo, com quem não sabe quem eu sou, com quem não sabe da minha história”, comemora.
O ápice para a separação
A separação do casal e início do processo de divórcio ocorreu em fevereiro do ano passado. Segundo conta a aposentada, o ápice dos problemas ocorreu em uma noite de sexta-feira, após o então marido chegar em casa bêbado.
Ele estava nitidamente alterado e começou a “arrumar confusão”. A agressão depois do álcool era reagente comum na vida do casal. O filho de 21 anos, o caçula, presenciando o início das agressões fingiu que iria tomar banho naquele dia. O intuito dele, na verdade, era ouvir com clareza as ameaças.
Depois de um tempo, o filho desligou o chuveiro e saiu do banheiro enrolado na toalha, quando encontrou o pai apertando o braço da mãe na cozinha de casa. O jovem pediu para que ele a soltasse, mas não foi atendido. Ele, então, tentou desvencilhar a Tânia do agressor, que, por sua vez, empurrou-a contra a pia antes de revidar. “Como eu deixei chegar neste ponto?”, lamenta a mulher.
Após o episódio, Tânia foi à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) com o filho a fim de prestar queixa contra o ex-marido e também compareceu ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de corpo de delito.
Agressões recorrentes
Outro caso de agressão narrado por Tânia, foi há cerca de 20 anos. Era sábado e ela estava na casa dos pais, no Gama. O ex-marido foi até a casa com os três filhos, na época crianças, e já chegou com uma lata de cerveja nas mãos.
A mulher estava no banheiro quando o então companheiro abriu a porta e derramou cerveja na cabeça dela. “Você está louco?”, gritou Tânia enquanto o empurrava.
Momentos depois, a mãe da técnica de enfermagem a levou para um dos quartos e pediu que ela se trancasse, pois ele estava vindo com um facão para atacá-la. Tânia arrastou móveis contra a porta, mas isso não impediu que o agressor “picotasse” a porta com a arma.
A divorciada também relatou que desenvolveu um problema na coluna cervical após o ex-marido ter jogado sua cabeça contra a mesa de vidro da casa.
A filha do casal, Valdecila Luíza Lacerda, de 36 anos, diz que sempre acreditou que a mãe tivesse diversos motivos para se separar. “Ele a ameaçou colocando uma faca contra sua barriga enquanto ela estava grávida do meu irmão”, relembra.
“Não aceito que uma mulher passe pelo que ela passou por uma vida toda. Estou muito feliz e muito triste porque não queria ver o fim da união dos meus pais como filha”, completa. (Metrópoles)