4 mapas que ajudam a entender o que está acontecendo na Ucrânia

 Chris McGrath/Montagem sobre reprodução

Na madrugada desta quinta-feira (24), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou em um discurso de TV que daria início a uma operação militar na Ucrânia. Nas horas seguintes, foram registradas explosões não só nas áreas separatistas, mas também na capital do país, Kiev, e na segunda maior cidade ucraniana, Kharkiv.

Comboios russos invadiram a Ucrânia de todas as direções. Um deles entrou via Belarus (aliada da Rússia) ao norte; outro veio pelo sul, via Crimeia (península ucraniana anexada pela Rússia em 2014). O aeroporto de Kiev foi bombardeado e, logo depois, o governou fechou o espaço aéreo do país para voos civis:

Voos civis foram impedidos de passar pelo espaço aéreo ucraniano. Na imagem, “KBP” é a sigla do Aeroporto Internacional de Kiev. FlightAware/Reprodução

Com os ataques, o pânico tomou conta do país. Enquanto há congestionamento para fugir de Kiev, outras pessoas buscam abrigo em estações de metrô. Há longas filas também em supermercados, postos de gasolina e bancos, para o saque de dinheiro em espécie.

A Ucrânia é um país de 44 milhões de habitantes não muito maior que Minas Gerais. Fértil, é um dos maiores exportadores de grãos do mundo (é o 3º de trigo; de milho, o 4°). A quarta maior colônia de ucranianos e descendentes vive aqui no Brasil (são 600 mil pessoas; a maioria no Paraná).

Mas, afinal: o que explica o conflito separatista que se estende por lá há oito anos – e que já matou 14 mil pessoas? Quais os  motivos por trás da intervenção da Rússia, que apoia rebeldes separatistas, deslocou 150 mil soldados para a fronteira com a Ucrânia e iniciou a invasão ao país?

Os mapas a seguir fornecem informações para compreender melhor toda essa situação. Há detalhes na formação de ambos os países, da língua às alianças militares, que ajudam a entender a conturbada relação entre eles.

Confira:

Mil anos de história

Rússia e Ucrânia compartilham o mesmo berço: Kievan Rus, o primeiro estado eslavo. “Rus” (que depois seria usado para batizar “Rússia” e “Belarus”, outra nação descendente daí) era o nome do povo, essencialmente formado por comerciantes que saíram do Mar Báltico, na Escandinávia, atravessaram as florestas da Europa Oriental e se fixaram nas terras férteis da atual Ucrânia. Kiev, capital do estado, foi estabelecida no século 9.

Em 988, o grão-príncipe de Kiev, Vladimir I, escolheu o cristianismo ortodoxo como a religião oficial do estado e foi batizado na cidade de Quersoneso, na península da Crimeia.

O ato de Vladimir é considerado até hoje como um marco religioso tanto pela Ucrânia quanto pela Rússia, onde 67% e 71% da população, respectivamente, é cristã ortodoxa ( Putin já mencionou o batismo do príncipe para defender que “russos e ucranianos são um único povo”).

Nos séculos seguintes, Kievan Rus foi alvo de sucessivas invasões: mongóis (séc. 13), poloneses e lituanos (séc. 16) e russos (séc. 17). Em 1793, o Império Russo conseguiu anexar a parte ocidental da Ucrânia. Foi quando começou o processo de russificação, uma política que proibiu o idioma ucraniano e forçava as pessoas a se converter para a fé ortodoxa russa.

A região sob domínio russo ficou conhecida como “Margem Esquerda”, pois ficava à esquerda do Rio Dniepre, que corta a Ucrânia. A “Margem Direita”, por sua vez, era controlada pela Polônia.

Em 1922, a Ucrânia foi absorvida pela União Soviética e permaneceu assim até 1991, quando ela se dissolveu. A Ucrânia virou uma nação independente, mas fragmentada. Ao longo das décadas, milhões de russos povoaram o leste do país. Resultado: o sentimento de nacionalismo nessa região é bem mais fraco se compararmos com o restante.

Carlos Eduardo Hara/Rafael Battaglia/Superinteressante

Um país dividido

Uma herança da russificação no leste Ucrânia é a quantidade de pessoas dentro do território ucraniano que tem o russo como primeira língua:

Carlos Eduardo Hara/Rafael Battaglia/Superinteressante

Os dados são do censo ucraniano de 2001 – a fonte de informação mais atual sobre esse assunto. As regiões em laranja são a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, e a de Donbas, que engloba Donetsk e Lugansk, cujas áreas controladas por separatistas foram reconhecidas por Putin como regiões autônomas na última segunda (21). Putin argumenta que as ações na região visam, justamente, defender os interesses dos falantes russos que vivem no país.

Outro mapa que ajuda a entender a Ucrânia como um país dividido é o que mostra o resultado das eleições presidenciais de 2010, alguns anos antes do conflito separatista explodir. Observe como ele se assemelha, de certa forma, ao mapa anterior:

Foto: VOX/Divulgação

Foi uma eleição apertada. A candidata Yulia Tymoshenko, que defendia a entrada da Ucrânia na União Europeia e na Otan (aliança militar composta por 30 países), obteve 11,6 milhões de votos – 45,5% do total. Já Viktor Yanukovych, que prezava pela aproximação do país com a Rússia, venceu com 12,5 milhões de votos (49%).

Durante o seu mandato, Yanukovych rejeitou um acordo pendente de associação com a União Europeia e se alinhou cada vez mais com a Rússia. Isso levou a uma onda de manifestações que ficou conhecida como Euromaidan, que pedia por mais integração da Ucrânia com a Europa ocidental. 

“Euromaidan” vem do ucraniano “Yevromaidan”. “Maidan” significa “praça” – uma referência a um dos momentos mais emblemáticos do movimento, no qual manifestantes tomaram a Praça da Independência, no coração de Kiev, capital do país. As revoltas começaram em novembro de 2013; em fevereiro de 2014, o parlamento ucraniano removeu Yanukovych da  presidência e ele se exilou na Rússia.

A crise na península da Crimeia foi uma resposta contrária ao Euromaidan organizada por parte da população que discordava da aproximação com a União Europeia e,

ao invés disso, prezava pelo alinhamento (e até a união definitiva) com os russos. Em 2014, a Rússia anexou a Crimeia (que possui uma localização estratégica, com saída para o Mar Negro) e, desde então apoia grupos separatistas por lá e na região de Donbas.

Panelinha ocidental

A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é uma aliança militar formada em 1949 por EUA, Canadá e outros dez países europeus com o objetivo de se proteger do avanço da União Soviética. 

A aliança cresceu após o fim da URSS com a adesão de ex-repúblicas soviéticas, como Estônia, Letônia e Lituânia. Hoje, ela possui 30 membros:

Carlos Eduardo Hara/Rafael Battaglia/Superinteressante

Países membros da Otan precisam seguir o estatuto da organização. E a regra mais importante é o Artigo 5, que estipula o princípio da defesa coletiva: se um país da Otan for atacado, os outros precisam defendê-lo militarmente. Não podem recusar o chamado à guerra.

Além disso, é comum que membros da Otan tenham bases militares americanas: França, Itália, Bélgica e Alemanha, entre outros, abrigam instalações do tipo. E isso é péssimo para a Rússia.

Em 2005, Putin declarou que o fim da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século 20, afastando milhões de russos do atual território do país. O presidente, então, se esforça para manter uma zona de influência entre os países próximos. E o avanço da Otan só dificulta as coisas.

Há também um segundo problema. Desde 2018, com a saída de um tratado militar, os EUA podem instalar armas nucleares de médio alcance em bases da Otan. Num conflito hipotético, isso deixaria a Rússia em desvantagem, já que os mísseis americanos atingiriam o país antes mesmo que ele conseguisse esboçar uma resposta.

Os riscos de uma guerra nuclear, claro, são mínimos, mas a situação ajuda a entender a constante situação geopolítica das duas superpotências.

É por isso que, para Moscou, é interessante que os conflitos na Ucrânia perdurem, pois isso trava a entrada do país na Otan – se ele entrasse, o Artigo 5 obrigaria o resto das nações a entrar em guerra com a Rússia, e ninguém tem nada a ganhar com isso. O envio de tropas e o suporte aos separatistas visa impedir uma eventual vitória do exército ucraniano.

Não é a primeira vez que a Rússia faz uma manobra do tipo, vale lembrar. O país apoia movimentos separatistas em outras três ex-repúblicas soviéticas: Azerbaijão, Moldávia e Geórgia (que inclusive foi brevemente invadida pelos russos em 2008). Elas são parceiras da Otan, mas os conflitos, assim como no caso da Ucrânia, empacam a adesão plena à aliança.

Por Rafael Battaglia / Superinteressante

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