Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, nesta terça-feira, 24, o empresário Emanuel Catori, um dos sócios da farmacêutica Belcher, que atuou como intermediária do laboratório chinês CanSino na negociação com o Ministério da Saúde do fornecimento de 60 milhões de doses da vacina Convidencia ao custo de R$ 5 bilhões, afirmou que o grupo asiático revogou unilateralmente as credenciais da Belcher para representar a empresa no Brasil por razões de compliance.
Segundo Catori, a farmacêutica avalia se vai judicializar a CanSino pelo rompimento do contrato. “A Belcher não reconhece as alegações de compliance em prejuízo a nossa companhia, por isso nossos advogados estão avaliando acerca da possibilidade ou não da judicialização da descontinuidade unilateral promovida pela Cansino”, disse Catori.
O preço da unidade do imunizante ofertado pela farmacêutica era superior a todas as outras vacinas já compradas pelo governo federal. No caso da Convidencia, a dose foi oferecida a US$ 17, valor acima do imunizante indiano Covaxin, o mais caro a ser negociado até então pelo Ministério da Saúde (US$15).
A negociação entre a Belcher e o governo federal teve início em junho desde ano, quando a empresa já havia sido alvo da operação “Falso Negativo”, sob suspeita de fazer parte de um esquema que superfaturou testes de coronavírus adquiridos pelo governo do Distrito Federal. A investigação aponta conluio entre empresas para oferecer produtos com preços mais altos.
Segundo ele, em 4 de junho uma carta de intenção foi apresentada para inaugurar um canal formal de tratativas da vacina junto a CanSino. Por outro lado, afirmou Catori, a Belcher não fechou nenhum contrato com o Ministério da Saúde. “Era apenas carta de intenção não vinculativa, e com condicionantes”, disse.
Catori chegou ao depoimento amparado por um habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que pemite a ele ficar em silêncio e não responder a perguntas que possam incriminá-lo.
Ligação com Ricardo Barros
Assim como a Precisa Medicamentos, intermediária da vacina Covaxin, a Belcher também tem ligações entre seus donos e o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR).
A Belcher tem sede em Maringá (PR), reduto eleitoral da família Barros, e cidade onde ele já foi prefeito. No depoimento, Catori disse que Barros não tem “nenhuma ligação” com a empresa. Sobre sua relação com o deputado, o empresário disse nunca ter tratado de negócios com Barros.
“Eu converso com ele normalmente, mas nada sobre negócios. Ele é de Maringá, nós somos de Maringá”, disse, confirmando ter conversas periódicas com o líder do governo.
Além de Catori, por trás da Belcher está Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, outro sócio da empresa. Ele é filho de Francisco Feio Ribeiro, um ex-secretário de Ricardo Barros na época em que ele era prefeito da cidade paranaense. Moleirinho também atuou na Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) durante o governo de Cida Borghetti (Progressistas), casada com Barros.
Outra ligação é o advogado Flávio Pansieri, que defende o parlamentar em ações na Justiça e, ao mesmo tempo, se apresentou como representante da empresa na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como mostrou o jornal Folha de S. Paulo. A empresa negou qualquer “interferência ou relação do deputado, de qualquer outro parlamentar, autoridade ou terceiro” nos negócios.
Em depoimento à CPI em 12 de agosto, ao ser questionado sobre sua relação com o empresário e com a Belcher, Barros afirmou que é amigo pessoal da dupla, mas negou que tenha participado de reuniões no Ministério da Saúde para favorecer a empresa na venda de vacinas ao governo.
“Eu não facilitei, não participei. Eventualmente, se solicitado, posso ter buscado auxiliar não só a Belcher, mas todos os que me procuraram. Todas as pessoas que me procuraram pra vender equipamento de proteção, para vender vacina, pra vender qualquer coisa ao ministério ou para tentar uma parceria para trazer a sua tecnologia pro Brasil”, disse o deputado.
Proximidade com bolsonaristas
Como mostrou o Estadão, a relação da Belcher com o bolsonarismo vai além de Barros. Emanuel Catori já apareceu ao lado de empresários próximos do presidente Jair Bolsonaro que defenderam a compra da vacina chinesa, caso de Carlos Wizard. Outro empresário que defendeu a aprovação da Convidencia pela Anvisa foi Luciano Hang.
De acordo com Catori, seu contato com os empresários bolsonaristas no âmbito da compra de vacinas era voltado ao interesse de doação de imunizantes ao governo brasileiro.
“Não há qualquer relação da Convidencia com esses empresários”, disse Catori, segundo quem as conversas para uma eventual doação envolviam o laboratório Sinovac, responsável pela produção da vacina Coronavac.
“Entre fevereiro e março a Belcher foi convidada para contribuir tecnicamente com grupo de empresários interessados a doar vacinas, insumos e equipamentos para o SUS. Objetivo era humanitário”, afirmou o empresário. Ele também tentou esclarecer a participação em uma live com os três empresários no dia 17 de março. “Realizei apenas duas pequenas intervenções, falei sobre os esforços que estavam em andamento na tentativa de viabilizar a doação de vacinas ao Brasil”, disse Catori.
De acordo com o empresário, a Belcher havia conseguido contato com a Sinovac, com a qual se “aventou a possibilidade” de aquisição de 9 milhões de doses de vacinas prontas da Coronavac. “Seriam adquiridas pelo grupo de empresários e integralmente doadas, sem fins comerciais”, disse Catori, segundo quem, naquele momento, era desconhecida a relação de exclusividade entre o Instituto Butantan e a Sinovac para disponibilização da Coroavac no Brasil.
Um grupo de empresários, liderado por Wizard e Hang, foi o responsável pelo pedido de autorização de uso no Brasil desse imunizante chinês. Catori chegou a participar de uma “live” ao lado dos empresários, quando defendeu a vacinação pelo setor privado para “agilizar o processo de vacinação em massa para que tudo volte à normalidade o mais rápido possível”.
A convocação de Catori foi requerida pelo vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que argumenta que o depoente terá que esclarecer “os detalhes das negociações para a venda da vacina chinesa Convidecia”. De acordo com Randolfe, Catori “fez transmissões online com os empresários Luciano Hang e Carlos Wizard para tratar da venda da vacina para o Brasil”. (Estadão)