Mísseis russos lançados contra Kiev, capital da Ucrânia, começaram a explodir por volta das 5h da manhã da última quinta-feira, ainda meia-noite de quarta no Brasil.
O conflito se transformou em uma guerra. Segundo a Organização das Nações Unidas, mais de meio milhão de pessoas deixaram o país — os números mais atuais contabilizam 136 civis mortos e 304 feridos (sendo 13 crianças). Embora as explosões aconteçam a mais de 10 mil quilômetros de Brasília, posições tomadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) — como a visita a Moscou uma semana antes dos ataques e declarações de dúbias diante da guerra — colocam o país na rota indireta do conflito.
Para Felippe Silva Ramos, pesquisador em política, democracia e autoritarismo na New School for Social Research de Nova York, a diplomacia brasileira vive um conflito interno entre o Itamaraty e a presidência, isto desde a saída do chanceler Ernesto Araújo.
“O atual ministro, Carlos França, é de carreira tradicional. E o Brasil tem tradição de neutralidade na maioria dos conflitos. Mas, quando é um conflito nessa proporção, a tendência do Brasil é de adesão às democracias ocidentais. Então Bolsonaro só fala 10% da verdade quando diz que nosso histórico é de neutralidade”, explica o professor.
“Mesmo a Noruega e a Suíça que, de fato, têm histórico de neutralidade, e possuem muito dinheiro russo em seus países, se uniram contra a invasão. O Brasil se torna muito isolado. E quanto à tradição, tem histórico de recriminar que uma potência estrangeira invada um país mais fraco, ainda mais quando não foi atacada primeiro, que é o caso da Ucrânia e Rússia”, completa.
A relação diplomática influencia diretamente nos rumos econômicos. O Brasil já teme impactos provocados pela inflação, sobretudo nos preços dos combustíveis, e nas commodities relacionadas ao agronegócio. Os principais produtos que o Brasil importa da Rússia são ligados à agricultura, especialmente fertilizantes.
“A gente tinha uma economia em curso que, sem a guerra, já tinha tendência de processo inflacionário aquecido em 2022. Todas as grandes instituições do mercado brasileiro e o próprio boletim Focos já reconheciam, em fevereiro, condição adversa para o país pelas questões internas: elevações constantes de preços, taxa negativa do PIB e alta do desemprego. Com a guerra, aumenta o pessimismo nas relações internacionais. Um conflito desequilibra totalmente a relação de oferta e demanda de produtos. A guerra desalinha a macroeconomia mundial”, explica Gustavo Pessoti, presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia.
Ainda segundo Pessoti, o Brasil terá dificuldades advindas das compras de indústrias —que já estavam com problemas na cadeia de fornecimento, principalmente na linha de adubos defensivos, material elétrico e comunicação.
“A tendência é piorar demais a instabilidade, aumentar preços do agronegócio, sobretudo de produtos derivados do trigo, mas também da nossa soja, já que neste momento são muitas dúvidas e questionamentos. O que não há dúvida é de que teremos escalada no preço do petróleo, uma vez que a Rússia interfere decisivamente nesse mercado, além do realinhamento das indústrias produtoras de eletroeletrônicos, que vão estar voltados para a indústria mundial da guerra e não para as cadeias nacionais”, detalhou.
IMPACTOS NA BAHIA
Os efeitos nacionais também reverberam na Bahia, aumentando preço de produtos e emperrando o crescimento econômico do estado.
“No campo da vida dos baianos, piora. Porque a Bahia é um estado que sofre com problemas de desemprego, e uma instabilidade dessas eleva a taxa do Brasil e consequentemente a da Bahia. Então, o baiano comum vai sofrer as consequências de uma economia mais instável e que deve ter uma taxa de crescimento menor também. Ainda não há projeções de taxa de crescimento para Bahia em 2022, mas certamente ela terá um ímpeto menor do que teria se não tivesse a guerra”, analisa Gustavo Pessoti.
Bolsonaro tem simpatia por Putin, dizem especialistas
Embora o Brasil tenha defendido o fim da guerra em Assembleia Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro não esconde a simpatia que nutre por governos autocratas, dizem especialistas.
“É preciso entender o que significa a neutralidade inicial dele, no começo da guerra. Tem como se manter neutro e criticar veementemente a invasão”, diz o professor Murilo Jacques Barbosa, de Relações Internacionais.
Quando Bolsonaro foi questionado na coletiva de domingo sobre o cerco que o exército russo faz na capital ucraniana, Kiev, ele disse que é um “exagero falar em massacre”.
Barbosa explica que Bolsonaro procura boas relações com com lideres autocratas, nos quais tem afinidade ideológica em quesitos como, por exemplo, desrespeito às instituições.
O pesquisador Felippe Silva Ramos acredita que a posição do presidente brasileiro também tem a ver com as eleições de 2022 e o projeto de Bolsonaro de reeleição.
“Sabemos que a Rússia é um celeiro de hackers e usam dessa estratégia para fins políticos. Dito isso, não sabemos de tudo que Bolsonaro negociou com Putin em sua recente visita”, argumenta.
ATAQUE HACKER
No mesmo dia em que o presidente Bolsonaro desembarcou na capital russa, o próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que “a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers”. Fachin citou a Rússia como exemplo de país de origem desses ataques. O governo de Putin é acusado pelos EUA e pela União Europeia de fomentar a ação de hackers russos para sabotar processos eleitorais democráticos pelo mundo. (Metro1)