Pandemia deixou 40.830 crianças e adolescentes órfãos de mãe no Brasil, aponta estudo

Foram 206.460 óbitos em 2020 e 425.237 em 2021

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19 deixaram 40.830 crianças e adolescentes órfãos de mãe no Brasil, de acordo com estudo conduzido por cientistas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e publicado nesta semana na revista científica Archives of Public Health.

Os pesquisadores chegaram a esse número por meio da análise de 631.697 mortes relacionadas à Covid registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Foram 206.460 óbitos em 2020 e 425.237 em 2021.

Primeiro, eles usaram as estimativas de população do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para calcular a taxa de mortalidade por sexo e idade. Depois, utilizaram dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) relativos aos anos de 2003 a 2018 para determinar a taxa de fertilidade das mulheres de diferentes faixas etárias.

A partir do cruzamento desses dois levantamentos, foi possível chegar ao número de mulheres vítimas da pandemia, contabilizar a quantidade de filhos por mulher e, pela idade, estabelecer quantas teriam crianças e adolescentes com menos de 18 anos. A conclusão foi de que 7,5 em cada 10 mil menores de idade perderam suas mães nos dois primeiros anos da pandemia.

O resultado dialoga com outro estudo, realizado por cientistas do Imperial College London para determinar a quantidade de órfãos pela Covid em 21 países. A pesquisa indica que, até meados de dezembro de 2022, a pandemia deixou 159.400 crianças e adolescentes órfãos de pai e/ou mãe no Brasil. O número sobe para 183.800 se consideradas as mortes de avós que tinham a guarda desses jovens.

A estimativa também acompanha com o número divulgado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. De acordo com a entidade, ao menos 12.211 crianças de até seis anos ficaram órfãs de um dos pais, vítima da Covid, entre 16 de março de 2020 e 24 de setembro de 2021.

“Há complicações no desenvolvimento dessas crianças. Elas vão precisar de cuidados emocionais e psicológicos”, ressalta Célia Landmann Szwarcwald, pesquisadora da Fiocruz e primeira autora do artigo brasileiro.

Cientista do Observa Infância (Observatório de Saúde na Infância – Fiocruz) e também autor da pesquisa, Cristiano Siqueira Boccolini destaca que a perda da mãe pode levar à fome. Isso porque frequentemente ela é a fonte de renda ou a pessoa da família cadastrada no Auxílio Brasil. Com a morte, há uma reconfiguração familiar e o risco de perder o benefício.

“Não há uma política específica para atender essas crianças”, critica. O Projeto de Lei n° 2.329, que propõe a criação do Fundo de Amparo às Crianças Órfãs, voltado para famílias carentes e entidades assistenciais, está em tramitação no Senado. A proposta prevê um auxílio mensal de 25% do salário-mínimo.

“Os órfãos têm de se encaixar nas políticas que já existem em vez de serem o foco de um programa específico, capaz de tirá-los dessa situação de extrema vulnerabilidade”, pondera o pesquisador.

O estudo revela ainda disparidades no desfecho da doença. Segundo a pesquisa, a taxa de mortalidade por Covid entre analfabetos foi de 38,8 a cada 10 mil habitantes, o triplo da verificada entre aqueles com ensino superior completo (13,0).

A taxa de mortalidade entre os homens foi 31% maior do que entre as mulheres, e as mortes pela doença representaram 19,1% de todos os óbitos em 2020 e 2021, com proporcionalmente mais vítimas entre 40 e 59 anos.

Em alguns momentos, como março de 2021, o total de mortes pelo novo coronavírus chegou a cerca de 4.000 por dia, superior à soma de todas as outras causas.

A pesquisa também ressalta que a mortalidade materna por Covid foi de 35,7 para cada 100 mil nascidos vivos, o equivalente a 37,4% do total no período analisado.

Para os cientistas, os números confirmam que muitas das mortes registradas nos dois primeiros anos de pandemia poderiam ter sido evitadas se houvesse uma política de testagem de casos suspeitos desde o início, o incentivo do governo federal às medidas de distanciamento, a oferta antecipada de vacinas e a utilização do sistema de saúde como um todo.

Para Szwarcwald e Boccolini, as unidades básicas de saúde, que poderiam ajudar a monitorar os casos suspeitos e fornecer informações para a vigilância epidemiológica, foram deixadas de lado para a priorização dos equipamentos hospitalares.

Eles também criticam a desorganização e a falta de transparência do governo em relação aos dados. Sem eles, a academia não conseguiu oferecer uma visão panorâmica do problema, o que só começa a ocorrer agora.

Os pesquisadores esperam que, no próximo governo, haja mais abertura para o diálogo e questões como essas possam ser discutidas. A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, foi escolhida por Lula (PT) para comandar o Ministério da Saúde e a expectativa dos colegas é positiva.

“Esperamos que o artigo chame a atenção para os pontos que geraram essa crise emergencial não controlada e que possamos usar o conhecimento para não cometer os mesmos erros”, finaliza Szwarcwald. (BN)

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