O que está levando muitas mulheres a descontinuar o uso do anticoncepcional? O método contraceptivo mais usado no Brasil para prevenir uma gravidez indesejada ainda é a pílula anticoncepcional (58% das mulheres entrevistadas para uma pesquisa do Instituto Ipsos, em 2021, afirmaram usar pílula), mas, para muitas, o contraceptivo de uso oral já não é a primeira opção.
Os motivos para essa mudança de comportamento são diversos, incluindo o temor dos efeitos colaterais, e a geração millennials (nascidos entre 1980 e 1994) faz parte desse grupo.
“As millennials estão fazendo a troca, enquanto a GenZ já começa a contracepção evitando as pílulas. É extremamente mais comum, pois essa geração cresceu vendo as mães usando pílula e entendendo que esse era o caminho a se seguir. Agora, sabem que existem outras opções”, explica a ginecologista Maria Mariana Abreu, do setor de Planejamento Familiar do Hospital Universitário da UNIFESP.
As buscas pelo termo DIU como método contraceptivo no Google tiveram um aumento de 105% no Brasil nos últimos 5 anos (entre 2017 e 2022), segundo dados do Google Trends. Essa crescente procura sugere um maior interesse das mulheres pelo método.
Embora a procura por outros caminhos esteja crescendo no país, ainda que a passos lentos, a pílula anticoncepcional, que completou 60 anos no Brasil em 2022, é um fato muito importante na questão da revolução sexual, como aponta a ginecologista Mara Rúbia Tavares, obstetra na Maternidade HUPE/UERJ.
“É a liberdade sexual. A mulher pode, enfim, ter relação sexual sem se preocupar de forma tão importante com a gravidez. A pílula chegou ao Brasil em 62, essa geração cresceu no boom do anticoncepcional, quando essa era a melhor opção. São mulheres que usaram por muito tempo e que agora têm a informação de que podem mudar o método, com uma praticidade maior e se livrar dos efeitos colaterais.”
Empoderamento e o abandono da pílula anticoncepcional
Visando o bem-estar, a mulher deseja buscar uma outra opção. “Não sei se é uma questão de ‘minhas regras’, porque também quando eu decido usar o anticoncepcional é ‘meu corpo e minhas regras’, sou eu que quero fazer por algum motivo que acho melhor”, opina a médica sobre a mudança de comportamento estar relacionada ao movimento feminista “meu corpo, minhas regras”.
E justifica: “Na minha visão de consultório, a empoderada ficou lá atrás quando falou ‘vou usar o anticoncepcional, ter relação com quem eu quiser e não vou engravidar’. Começar a usar o anticoncepcional já foi uma importante forma de empoderamento.”
Para a Dra. Maria Mariana Abreu, o abandono do anticoncepcional tem a ver com o “retorno ao natural” e ela aponta dois principais motivos:
- O primeiro é a busca da mulher pelo seu corpo sem nenhuma interferência: “O natural se tornou belo e algumas entendem que o uso de hormônios exógenos é algo que não faz sentido na vida delas. Conhecer o próprio corpo como ele é pode ser muito belo e muitas mulheres gostam dessa experiência.”
- O segundo motivo, assim como apontado pela Dra. Mara Rúbia, é o maior acesso ao conhecimento: “Há 5-10 anos, a pílula era o único contraceptivo conhecido pela maioria das mulheres. As redes sociais abriram as portas para o público leigo conhecer as bases científicas da contracepção e as novidades nessa área.”
Desta forma, ela afirma que muitas mulheres buscaram alternativas com menor impacto no corpo para prevenir uma gestação indesejada.
Uso do DIU e mais alternativas para evitar a gravidez
Quando o objetivo é buscar o melhor método reversível, Mara Rúbia aponta o que deve ser considerado: “Talvez a primeira coisa seja a eficácia e, sem dúvida, é a contracepção hormonal, seja oral, injetável, adesivo, anel e o DIU também.”
E alerta que em cada caso, deve ser avaliado o risco da paciente. “Se ela é hipertensa, eu não posso fazer determinadas associações de anticoncepcional. O que é mais eficaz para uma, para ela não serve. Uma paciente com histórico de trombose, eu não vou oferecer um método com estrogênio, que pode ser mais eficaz, mas não para ela. As exceções têm que ser tratadas à parte”, explica a ginecologista, reforçando o motivo de se fazer uma avaliação individualizada.
“Não existe um caminho absoluto. Cada paciente é única, tem particularidades médicas e tem desejos não contraceptivos diferentes. A tendência é que se use muito mais os ditos LARCs (sigla em inglês para Contraceptivos Reversíveis de Longa Duração), como os DIUs e o Implante Subdérmico, pois eles são mais eficazes, dependem menos da paciente e apresentam um perfil de segurança melhor com menor índice de efeitos colaterais se comparados às pílulas”, acrescenta a Dra. Maria Mariana.
“De maneira geral, quaisquer formas de administração dos métodos hormonais são os mais indicados: o implante, o dispositivo intrauterino, que é o DIU (o de cobre e o de cobre com prata), e o SIU, que é o sistema intrauterino, com a progesterona de liberação local. Então, se for uma paciente sem risco para qualquer método, seriam os hormonais e os DIUs os melhores”, indica a ginecologista Mara Rúbia.
Métodos contraceptivos para adolescentes: maior desafio
“A adolescente provavelmente é o nosso maior desafio na contracepção”, admite a médica.
Isso porque os métodos de longa duração têm uma indicação especial nestes casos. “O DIU e o implante, por exemplo, são métodos reversíveis e que não dependem do comportamento de lembrar, de colocar o relógio para despertar. Então são muito bons para esse perfil de paciente mais inexperiente, talvez com menos cuidado de lembrar do remédio e do uso regular do preservativo.”
De acordo com a especialista Maria Mariana, essas são as melhores opções entre as adolescentes: “Sem dúvidas, os LARCs devem ser a primeira escolha. Nessa fase, as meninas ainda não têm o córtex pré-frontal totalmente desenvolvido, essa área é responsável pelo senso de responsabilidade, então confiar que haverá o uso correto da pílula é contar com a sorte.”
E qual o momento certo para colocar o DIU? Mara Rúbia explica que o dispositivo só será colocado quando a jovem tiver iniciado a vida sexual. “Já o implante pode até ser colocado antes, mas ninguém vai começar o método muito antes de começar a ter relação”, avalia ela, destacando a importância de se falar no preservativo.
“Para início de atividade sexual, é importantíssimo. Não podemos esquecer que a relação sexual pode ser a causa de transmissão de doenças importantes, graves e de difícil tratamento. Tem que pensar na camisinha para evitar gravidez e a não infecção sexualmente transmissível.”
A especialista acrescenta que ainda se depara com certa resistência ao indicar o DIU para quem está iniciando a vida sexual. “Por conta de um pouco mais de incômodo. A mãe às vezes tem receio, ainda existe preconceito com o DIU para adolescente, apesar de não haver contraindicação. Não causa infertilidade, pode ser usado no útero menor e tem DIU menor para isso”, esclarece.
Uso de pílulas com combinação de hormônios: há uma vilanização?
O tratamento com hormônios, incluindo a contracepção, tem sido questionado ultimamente. Com o maior acesso à informação, muitas mulheres tomam conhecimento de problemas causados pelo uso das pílulas e temem colocar a saúde em risco. E esse pode ser mais um fator que colabora para o temor das pílulas anticoncepcionais. Será que há uma falha nessa comunicação?
“Com certeza há”, frisa a médica Maria Mariana. “A internet trouxe muito conhecimento para a população, entretanto, o sensacionalismo atrapalha muito esse conhecimento”, aponta ela. Segundo a ginecologista, os efeitos colaterais graves podem acontecer, mas são raros. “São tão raros que, quando acontece, vira notícia. As notícias colocam uma boa dose de sensacionalismo buscando uma viralização e pronto: parece que todas as mulheres que usam hormônios estão correndo sério risco de vida.”
Claro que generalizar os tratamentos com hormônios é sempre um risco, por este motivo, é necessário esclarecer. “Existem hormônios, pílulas contraceptivas hoje em dia com doses baixas de hormônio, com progesterona e estrogênio de gerações muito mais avançadas do que a gente usou lá nos anos 60, 70. Aliás, que usamos nos anos 2000”, alerta a Dra. Mara Rúbia.
“Colocar todos os ‘hormônios’ juntos não é adequado do ponto de vista médico. Depende do tipo de hormônio, da quantidade utilizada, da condição de saúde da paciente. Por exemplo, a gravidez aumenta o risco de trombose em uma quantidade muito maior do que as pílulas comuns. O risco maior é realmente o tromboembolismo (trombose), entretanto, é um risco baixo”, pontua Maria Mariana.
O tromboembolismo não é um episódio tão comum quanto parece. “É que hoje a informação chega muito mais rápido para todo mundo e é de acesso universal. Pela baixa incidência, falava-se pouco nesse risco, que é um efeito grave, porém raro. É mais comum numa gravidez ou num pós-parto do que usando o contraceptivo. Quando a pessoa divulga, parece que se torna uma coisa frequente”, afirma a médica Mara Rúbia.
Ela lembra que os efeitos das pílulas podem ser diferentes para cada pessoa: “Não dá para dizer que todo o tratamento hormonal é ruim. Para algumas pessoas é muito bom, para outras, têm efeitos. Tem gente que vai se queixar da libido, que é multifatorial, já para algumas pessoas é muito bom. Pode ser uma gota d ‘água num cenário que já está ruim e essa pessoa demoniza o anticoncepcional como sendo a única causa para o que já está acontecendo.”
Outro exemplo citado é o sobre relatos de mulheres que engravidaram com DIU: “Todo mundo vai para a internet falar ‘engravidei com o DIU’. Daqui a pouco as pessoas acham que é o método mais falho que existe. Na verdade, chama atenção porque quando tem um efeito desses, todo mundo divulga e comenta.”
Fatos reais sobre trombose e AVC por pílulas anticoncepcional
A taxa de tromboembolismo em uma gravidez pode variar de 5 a até 20 mulheres, dependendo da população estudada, em cada dez mil pacientes por ano, aponta a ginecologista Mara Rúbia.
Já a taxa de tromboembolismo com uso de anticoncepcional varia de 5 a 9 pacientes, considerando 10 mil usuários da pílula. E há uma taxa de 2 a 3 a cada 10 mil, se não estiver grávida e sem usar anticoncepcional.
“É aproximadamente isso, varia um pouquinho de estudo, de população, mas é só para se ter ideia de que é um evento raro. Acontece muito mais em paciente grávida. E quantas vezes se ouve falar disso? Ao prescrever, você precisa orientar a paciente e tem vários fatores de risco para excluir.”
A especialista explica ainda que o AVC, outro fator temido, é uma forma de trombose: “A trombose pode ser no vaso cerebral, no vaso do pulmão, na perna, na membro inferior, na coxa, em vários lugares. Acontece por causa do efeito de aumentar a coagulação que o anticoncepcional tem. Forma um trombo, um coagulozinho, e ele para em algum lugar. Então, trombose e AVC estão no mesmo pacote.”
O câncer de mama relacionado ao anticoncepcional em conteúdos disponíveis na internet também costuma assustar. “O risco de câncer de mama ainda é algo muito estudado, porém já se tem a definição de que a pílula, em geral, não traz um aumento significativo de risco para as usuárias”, afirma a médica Maria Mariana.
Mara Rúbia ressalta que a demonização do hormônio, “de tudo natural”, não é a melhor opção para todas as mulheres: “Você começa a radicalizar aquilo que não é bom para uma pessoa, ela ergue aquilo com uma bandeira, e outras pessoas que poderiam se beneficiar deixam de fazer por esse pânico que se instalou com relação ao remédio.”
Uma preocupação recorrente entre a classe médica são os relatos com experiências próprias divulgados pela internet como “uma verdade absoluta”: “Um mito importante é a questão do ganho de peso. Todos os estudos são unânimes em dizer que pode haver um ganho de peso em torno de até dois quilos. E as pessoas falam que engordaram de 10 a 15 Kg com anticoncepcional.”
E para quem o uso do anticoncepcional é contraindicado? A especialista lista a seguir:
- Paciente com hipertensão;
- Problema hepático de um nódulo, um tumor, uma cirrose, uma hepatite;
- História de trombose;
- Diabética já com alteração vascular;
- Fumante;
- Obesidade;
- Com câncer de mama ou um nódulo suspeito em investigação;
- Paciente com enxaqueca também está contraindicado o estrogênio.
“Enquanto profissional, temos que entender qual o método a paciente vai conseguir usar da melhor forma possível. Não adianta eu só prescrever o que eu acho ser o ideal se ela não vai aderir e ter uma gravidez indesejada, isso é um problema de saúde pública, principalmente entre adolescentes. Não é ‘nunca hormônio’ e também não é ‘sempre hormônio’”, aponta a médica.
Benefícios da pílula anticoncepcional além de prevenir a gravidez
A eficácia do anticoncepcional não se limita à prevenção de uma gravidez indesejada. O método também é utilizado em tratamentos variados, como apontam as duas especialistas.
“As principais indicações são melhora da TPM, da cólica e do aumento de fluxo; controle de acne e pêlos aumentados. E pode ser uma aliada no tratamento dos sintomas da Síndrome de Ovários Policísticos, Endometriose, Adenomiose e TDPM (transtorno disfórico pré menstrual)”, destaca a ginecologista Maria Mariana.
Ela ressalta ainda sobre os cânceres ginecológicos: “Já se sabe que a pílula diminui os riscos de neoplasia de endométrio e de ovário. Quando falamos de riscos sempre temos que ponderar os benefícios e também de qual caso estamos considerando. Vale a pena correr o risco X pelo benefício Y? Conhecimento é a base da escolha adequada.”
Mara Rúbia cita a importância do tratamento para a redução do fluxo menstrual, já que, às vezes, algumas pacientes se aproximam de uma anemia pela quantidade de sangramento. E inclui ainda a diminuição da incidência de câncer de ovário e de câncer de endométrio. “Reduz o crescimento de mioma e o fibroadenoma também, que é um determinado nódulo benigno da mama. A incidência diminui com o uso do anticoncepcional.”
Quais os métodos o SUS disponibiliza para a população?
Muita gente já sabe que o Sistema Único de Saúde disponibiliza alguns métodos contraceptivos para a população, mas é sempre válido reforçar. A ginecologista Maria Mariana lista as opções:
- Pílula oral combinada
- Pílula de progesterona isolada
- Injeção mensal e trimestral
- DIU de cobre
- Laqueadura
- Preservativos
“O único DIU amplamente disponibilizado é o DIU não hormonal (de cobre), o Implante e o DIU hormonal podem ser disponibilizados quando há parcerias de prefeituras com as indústrias farmacêuticas, mas não é uma regra”, acrescenta.
“A população tem que se informar, tem que ter interesse em fazer, em colocar, em ir atrás porque o Sistema de Saúde não vai atrás da gente. Aliás, nem o sistema privado vai atrás da gente!”, alerta Mara Rúbia.
Fonte: gshow