Ela teria sido identificada em 25 pacientes no Chipre, um país no Mar Mediterrâneo. Mas cientistas dizem que pode ser apenas um erro de sequenciamento genético. Veja por que.
A variante Ômicron é muito mais contagiosa do que as antecessoras, e por isso o mundo tem batido sucessivamente o recorde de casos diários de Covid-19. Ela também é menos letal, e por isso os números de mortes não acompanharam a explosão de casos. Mas, desde que a Ômicron surgiu, há o receio de que novas mutações, ou a recombinação genética dessa variante com outra, possam dar origem a uma Ômicron mais mortal – o que, dada a extrema facilidade que ela tem em se espalhar, poderia levar a pandemia a um estágio mais grave, talvez pior do que os piores momentos de 2020 e 2021.
O temor pareceu ter se concretizado neste final de semana, quando surgiu a notícia da suposta variante “Deltacron”, que combina Delta e Ômicron. Ela foi reportada pelo virólogo Leondios Kostrikis, da Universidade do Chipre (ilha com 1 milhão de habitantes no Mar Mediterrâneo). Kostrikis e sua equipe teriam identificado 25 casos da variante, que apelidaram de “Deltacron”. Eles sequenciaram – decodificaram – o código genético das amostras e o enviaram para o GISAID, um banco de dados internacional que centraliza as sequências genéticas de todas as variantes do coronavírus.
Foi o suficiente para espalhar mais uma onda de pânico. Afinal, uma combinação da alta transmissibilidade da Ômicron e da agressividade/letalidade da Delta poderia ser terrível. Mas talvez a coisa não seja bem o que parece – e a tal “Deltacron” não exista, sendo apenas um erro nos testes de sequenciamento genético. O primeiro a levantar essa possibilidade foi o virologista Toom Peacock, da Imperial College London: segundo ele, “claramente parece ser contaminação” das amostras testadas.
A máquina de sequenciamento genético da Universidade do Chipre não teria sido adequadamente limpa e esterilizada, e conteria resíduos de amostras anteriores – que teriam se misturado durante a leitura das novas, gerando a falsa identificação de uma nova variante. O biólogo americano Eric Topol, diretor do Scripps Research Institute, foi pela mesma linha: disse que o suposto novo vírus “não é uma variante real”.
Isso supostamente é revelado pelo próprio código genético, que contém um trecho intacto da Ômicron “colado” sobre a Delta – sem as alterações que seriam esperadas num caso de recombinação. E ele aparece num pedaço da Delta que é especialmente difícil de ler – e já causou erros de sequenciamento similares.
Kostrikis se defendeu dizendo que a “Deltacron” não é um erro de laboratório, e o sequenciamento foi feito em várias máquinas, inclusive fora do Chipre – o que afastaria a possibilidade de todas elas estarem contaminadas por amostras antigas. Mas não explicou como, quando e para quais laboratórios de sequenciamento a “Deltacron” teria sido enviada. Talvez o mais importante seja que, segundo ele próprio, a suposta nova variante não parece capaz de competir com a Ômicron – e tende a desaparecer. Dos 25 pacientes infectados, 11 estavam hospitalizados e 14 se recuperavam em casa.