Abolição do termo ‘violência obstétrica’ gera impasse

Imagem: ugurhan via Getty Images

Gerou reação de especialistas e de representantes de movimentos feministas o despacho emitido pelo Ministério da Saúde (MS) e assinado pela coordenadora-geral de Saúde das Mulheres, Mônica Almeida Neri, na última sexta-feira, que determina a abolição do termo “violência obstétrica”.

Julieta Palmeira, secretária estadual de Políticas Públicas para as Mulheres, classificou o documento como “um retrocesso, uma ideia retrógrada e conservadora, que fere os direitos humanos das mulheres”.

A secretária afirmou que o despacho vai na contramão do que defende a Organização Mundial da Saúde (OMS). “A luta mundial é para uma gestação e um parto humanizado, com cuidados e apoio às mulheres, sem atropelar os limites de sua decisão. O despacho é um passo atrás e deixa a mulher vulnerável, pois não considera seu corpo e suas decisões”, disse Julieta.

Favorável

O obstetra Caio Lessa, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia (Sogiba), defende o despacho do MS. “O entendimento geral do termo não é agregador, pois a violência não se resume ao atendimento da equipe médica. Vejo o documento como uma sensibilidade do ministério”.

O médico defende o uso de um outro termo que “aponte um olhar para frente, para o futuro. Que problematize, mas que não desagregue”. Questionado sobre qual termo deve-se usar, o médico disse que ainda não há consenso.

A secretária Julieta Palmeira, que também é médica, rebateu que defender a manutenção do termo não significa culpabilizar apenas as equipes médicas. “É preciso destacar que a violência obstétrica é um conceito que não pode ser visto somente envolvendo a intencionalidade ou não da equipe de saúde, mas é parte da violência institucional, estrutural”, ratificou.

Humanização

A doula Laura Daltro avalia que o despacho levará ao aumento do número de violência obstétrica. De acordo com o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (Sesc), em 2010, uma em cada quatro mulheres é vítima de violência obstétrica no Brasil.

“Teve um aumento das lutas contra a violência obstétrica em todo o mundo. Tivemos avanços aqui no Brasil, tanto na rede pública como na privada, em relação ao direito ao parto humanizado. Esse despacho retrocede essas conquistas, ao direito de a mulher escolher como será o seu parto”, destacou Laura Daltro.

A estudante de medicina Marina Valadares, que há quatro meses teve o primeiro filho, ficou preocupada com o conteúdo do documento do MS. “Tive um parto humanizado, preparado, com um plano de parto elaborado e executado dentro do planejado. É um direito das mulheres”.

Marina explicou que pelo plano de parto teve o direito de decidir como o procedimento seria. “Informei quem iria me acompanhar, se faria uso de anestesia, se seria normal ou cesárea, se seria em casa ou no hospital. Infelizmente, muitas pessoas não têm essa assistência. Mas o despacho vai de encontro à luta para que todas as mulheres possam ter este tipo de atendimento e de uma política mundial de direito à vida”, critica.

Laura Daltro destaca a importância do plano de parto. “Sem ele, a mulher fica sujeita à vontade médica. É um respaldo, um posicionamento para a mulher dizer o que ela não quer sofrer durante o parto”.

A doula avalia que a postura do MS levará à perda destas conquistas. “Ao invés de propor políticas que respeitem as mulheres, que avancem com a política do parto humanizado, caminha no sentido inverso”.

A secretária Julieta Palmeira espera que o despacho não se transforme em portaria. “A tentativa de invisibilizar a violência obstétrica é um retrocesso que afeta a política de saúde integral da mulher”, concluiu.

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