No mundo ideal de Ary Fontoura, ele viveria num prédio de três andares. O ator moraria no primeiro, haveria um segundo neutro e o terceiro seria habitado por Suely Franco: “Eu gritaria, ‘Suely, tá tudo bem por aí? Está sumida. Desce para o segundo, vamos tomar café”. A analogia serve para ilustrar a história de amor que existe entre os dois há um perder de anos. Ary e Suely já foram par romântico, colegas de palco, de núcleo e formaram uma parceria de vida. Não por acaso, viraram o casal sensação de “A dona do pedaço”. Ele, aos 86, ela, aos 79. Na ficção, estão curtindo o momento da paixão madura. Na vida real, se bastam sozinhos e não pensam no passar do tempo. “Vivo no presente. Só sei que tenho que gravar amanhã”, diz Suely.
É com os pés completamente no dia a dia que os dois construíram carreiras sólidas e fizeram o público se apaixonar por eles na pele de Antero e Marlene. “Acredito que exista um carinho, uma empatia grande pelo nosso trabalho ao longo dos anos. Isso ajuda os personagens serem amados”, acredita Ary. Para Suely, o romance entre um casal de idosos caiu no gosto popular porque subverte a juventude: “O amor não tem idade. Mas ver que é possível duas pessoas, que já viveram tudo na vida, estarem se redescobrindo no amor é algo que enche os corações de esperança. Quantos casais não foram formados após os 70 anos?”.
Suely foi casada duas vezes, tem um filho na faixa dos 50 anos e não teve netos. Essa lacuna foi preenchida nos três anos em que viveu Dona Benta, na versão mais recente de “O sítio do pica-pau amarelo”. “Os meninos do ‘Detetives do prédio azul’ sempre falam comigo”, comemora. Hoje, ela não pensa mais em unir escovas de dente: “Gosto do meu espaço, da minha casa. Não sinto necessidade de ter um marido. Pode acontecer de me apaixonar? Pode. Mas não é uma questão”.
Ary nunca foi casado. O matrimônio quase aconteceu quando tinha 31 anos. Havia uma namorada em Curitiba, onde nasceu. Mas quando ele percebeu que a cidade tinha se tornado pequena para seus sonhos, o relacionamento não resistiu. “Eu disse a ela, ‘podemos ficar noivos e casar. Mas você tem que ir comigo’. A mãe dela achou que a filha não poderia viver uma vida de cigana, sem garantias. E ela ouviu a mãe. Ou seja, não gostava de mim o suficiente. Pois eu gostava e a seguiria por onde fosse”, conta Ary, que nunca mais chegou perto do altar.
Solidão, porém, não é uma palavra que exista no dicionário dos dois. Enquanto Suely gosta de passear pelas ruas do Catete, onde mora, na Zona Sul do Rio, Ary trocou a festiva Copacabana pelo contemplativo Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste da cidade. “Me tornei um prisoneiro!”, avisa: “Eu adorava morar em Copacabana, mas fui tão assaltado que não dava mais. Me mudei. Mas sinto falta da vida que encontrava nas ruas. Às 20h, todos estão trancados em suas casas. Nunca vi tantas luzes acesas em apartamentos”. O ator, no entanto, dribla esta conformada e pacata vida com jantares, festas e encontros com amigos: “Sou festeiro mesmo. Gosto da companhia das pessoas. Ninguém é feliz sozinho. O que não quer dizer que você precise de um amor. O afeto é necessário. E isso tenho de sobra”.
Com sotaque carregado nos erres, ele diz que ama ir ao Rock in Rio, está saboreando a popularidade no Instagram e se diverte com as modernidades do mundo tecnológico. Só não se aventurou ainda a entrar num aplicativo de relacionamento. “Acho que não me cabe ali”, filosofa. Suely só usa celular para telefonar e trocar mensagem. Não sabe nem mexer em redes sociais. Admira a intimidade do amigo com as tecnologias, mas prefere fazer as palavras cruzadas dos cinco jornais que lê diariamente.
Se Antero e Marlene vivem na novela das 21h um romance no melhor estilo namorinho de portão, Ary e Suely colecionam histórias bem-humoradas e compartilhadas na profissão que escolheram. Coincidentemente (ou não) os dois chegaram a estudar para serem advogados. “Larguei no quarto ano”, recorda Ary. “Falei para a minha mãe que não poderia seguir com aquilo”, relembra Suely.
A arte como ofício é levada com uma seriedade que desconcerta uma novíssima geração. “Uma vez, um ator me perguntou o que ele precisaria fazer para ter sucesso, carros, casas… Eu disse a ele que a diferença entre nós era que a arte vivia dentro de mim. E ele, estava dentro da arte. Ele conseguiu o que queria até. Eu sigo com minha caminhonete velha”, compara.
Suely já deu conselhos aos jovens também. “Digo que é uma profissão difícil, que têm que estudar, se sacrificar. Eles me perguntam: ‘tá falando sério?’. Nenhum dos dois, porém, tem qualquer tipo de preconceito com a turma que está chegando. Ary e Suely gostam da companhia deles, de estarem rodeados de vida. “A gente está sempre rindo, de bom humor. Chegamos para trabalhar felizes”, diz Ary. Suely o interrompe: “E a gente acaba incomodando muita gente, né, Ary? ‘Como vocês podem ser tão felizes?’”. E os dois soltam uma sonora gargalhada, enquanto relembram a cena antológica do primeiro beijos entre os fofos cães de “A Dama e o Vagabundo”. Como não ser feliz ao lado deles?