Autismo e depressão: cães são treinados para ajudar pacientes em crise

Em São Bernardo (SP), cães são treinados até para socorrer pacientes neurodivergentes, além de auxiliar profissionais da saúde em tratamento

Alfredo Henrique/Metrópoles

O único período em que Paulo Henrique Serrati, de 31 anos, ficou sem conviver com um cão em toda sua vida coincidiu com seu diagnóstico de depressão, em 2014. Desde então, ele começou a pesquisar mais sobre o universo dos cachorros, com o intuito de preencher a lacuna deixada por sua última companheira de quatro patas, a boxer Kika, que havia morrido de câncer no ano anterior, aos 12 anos.

Nascido e criado em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, Paulo (foto em destaque) era consultor de vendas e treinador de lideranças no mundo corporativo quando passou a assistir programas como o “Encantador de Cães”, de César Millan. Logo percebeu que o adestrador mexicano usava na TV, com cachorros e seus tutores, técnicas semelhantes às que empregava em seus treinamentos com humanos.

Nascia ali um projeto que iria mudar a vida de Paulo e também de pessoas com neurodivergência. “Falei: ‘E se eu fizesse um treinamento e usasse cães para cuidar da parte pessoal das pessoas?’ Estudei e fui atrás”, conta Paulo.

Em 2016, Paulo foi para Maringá, no interior do Paraná, onde desenvolveu uma metodologia de adestramento com alguns clientes, de forma autodidata. A experiência foi o embrião de uma mudança de vida, pessoal e profissional.

Nesse período, ele ainda tratava sua depressão com o uso de medicamentos e terapia, e começou a perceber que estava dando certo sua metodologia de treinamento comportamental, com cães de amigos. A primeira “cobaia” foi um clássico caramelo sem raça definida, chamado de Bidu.

O adestramento na ocasião era restrito ao comportamento dos cães para passeios, como não puxar a guia ou atacar outros animais, por exemplo. Ele percebeu ter o dom para a coisa e decidiu mergulhar de cabeça no projeto, abrindo mão do mundo corporativo. “Foi aí que eu me encontrei, de fato”, lembra.

Ideia na pandemia

Paulo já havia parado de tomar medicação para depressão quando veio a pandemia de Covid, em 2020, e a demanda por adestramento de cachorros aumentou, por causa do confinamento das pessoas com seus pets.

Foi nessa época que Paulo amadureceu a ideia de montar uma escola de treinamento de cães para ajudar no tratamento de pessoas neurodivergentes, com autismo, borderline, Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).

“As pessoas tinham cães problemáticos e, do nada, se viram presas com eles o dia todo. A necessidade de educar os cachorros deixou de ser empurrada pela barriga e passou a ser uma necessidade”, explica.

Emocional e de serviço

Em um primeiro momento, o treinamento era feito para os cães servirem como “suporte emocional”, acalmando os pacientes apenas com sua presença. Nesses casos, o adestramento é feito para que os cachorros transmitam calma, sem acionar “gatilhos” dos tutores, como poderia acontecer com um cão sem treinamento.

Após estudos, Paulo começou a treinar cães de serviço, cujo adestramento os capacita a socorrer pacientes durante crises. Para isso, ele conversou com profissionais de saúde, da linha de frente do tratamento de pessoas com autismo, depressão, ansiedade, entre outras neurodivergências.

“Comecei a questioná-los. Eu já sabia treinar os cães, mas queria saber os desafios para deixá-los prontos para socorrer pacientes”.

Crises e tratamento

Patrícia Garrido, de 32 anos, morava no litoral paulista e trabalhava como corretora de planos de saúde quando buscou um diagnóstico para suas crises frequentes — ela se arranhava, arrancava cabelo, batia a própria cabeça e percebia que seu humor oscilava, atingindo níveis de irritação extremos.

O border collie Scott já estava na vida dela, mas era um cão sem adestramento e tinha comportamento agitado, característico da raça, que gerava gatilhos na tutora. Após indicação de uma influenciadora, ela pesquisou e conheceu o trabalho de Paulo nas redes sociais. Decidiu se mudar para Mauá, cidade próxima a São Bernardo, para que Scott fosse adestrado.

“A princípio era para cuidar do comportamento, depois como suporte emocional, porque ainda não tinha um diagnóstico fechado para mim. Mas quando fecharam que eu tinha borderline [transtorno de personalidade], ele foi treinado para para ser um cão de serviço”.

As idas de Patrícia para treinar Scott aproximaram ela e Paulo, que acabaram se casando. Seus dias como corretora ficaram na lembrança e, atualmente, ela também trabalha como adestradora. Scott, assim com os cães adestrados por Paulo para prestar serviços a neurodivergentes, é treinado para intervir em crises de sua tutora. Para cada paciente, há um tipo de treinamento.

“Se eu treinar dez cães da mesma forma, corro o risco de eles servirem somente para uma pessoa, ou pior, para nenhuma”, explica o adestrador.

Patrícia foi diagnosticada com borderline, marcada por oscilações extremas de humor, instabilidade em relacionamentos e impulsividade. Para acalmá-la durante as crises, Scott dá focinhadas e, quando necessário, faz pressão sobre ela, com seu corpo.

Fonte: Metrópoles

google news