Os setor de bares e restaurantes foi, certamente, um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus. Com as medidas restritivas impostas por estados e municípios para tentar frear a propagação da covid-19, as empresas do setor vêm amargando perdas gigantescas. Pior: com dívidas astronômicas, muitas fecharam as portas e demitiram em massa. Para tentar reparar pelo menos parte desse prejuízo, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) acaba de ingressar com ações civis públicas exigindo a reparação financeira e a “indenização pelos prejuízos provocados pela edição dos decretos que ensejaram a paralisação, suspensão e/ou restrição de atividades dos bares e restaurantes”.
A Abrasel está movendo as ações em todos os estados da Federação e em 270 municípios. “Enquanto houve setores que ganharam com a crise, fomos um dos mais prejudicados pelas medidas restritivas impostas. Temos clareza de que as perdas provocadas no setor foram resultantes de atos do executivo municipal e estadual, portanto, cabe a estes a responsabilidade pela reparação”, diz o presidente da Abrasel nacional, Paulo Solmucci. “Estamos trabalhando politicamente para que a ação seja estendida a todo o setor. Acreditamos que, na medida em que expõe o problema e chama a atenção da sociedade para a importância dos bares e restaurantes, a campanha traz benefícios a toda a coletividade”, afirma Solmucci.
Na Bahia, além do governo do estado, foram acionadas as prefeituras de Salvador, Porto Seguro, Camaçari, Ipiaú, Candeias, Lauro de Freitas, Mata de São João, Cairu, Jacobina, Santo Antônio de Jesus e Amélia Rodrigues. “Não estamos discutindo se os decretos são lícitos ou não, o que discutimos é que, independente da licitude, houve um impacto desproporcional sobre o segmento de bares e restaurantes”, afirma Luiz Henrique do Amaral, presidente executivo da Abrasel Bahia.
Ele diz que o toque de recolher e a proibição de venda de bebida alcoólica reduziram entre 70% a 80% o faturamento do setor. “Dividimos os segmentos em dois grandes grupos. O da convivência e o da conveniência. O de convivência está ligado mais a uma experiência, mais a um lado do entretenimento. O de conveniência é voltado às questões do dia a dia, como os restaurantes comerciais. Os restaurantes comerciais estão aí, funcionando 80%, já o da convivência, tem 20%. É uma discrepância muito grande. Por isso temos que ter muito cuidado. As decisões não foram planejadas, faltou diálogo para que pudéssemos mostrar as realidades de cada grupo do nosso segmento”, afirma.
Luiz Henrique do Amaral diz que o horário de funcionamento do setor precisa ser estendido e defende ainda a liberação de bebida alcoólica nos ambientes seguros, de bares e restaurantes que estejam respeitando os protocolos sanitários. “Não abraçamos quem não respeita o protocolo. É uma parceria, o setor precisa oferecer ambiente seguro, seguir os protocolos que foram construídos em conjunto, e do outro lado o estado fiscalizando para punir quem não cumpre as medidas”, assinalou.
O setor de bares a restaurante reúne hoje, na Bahia, cerca de 56 mil empreendedores e é resposável pelo sustento de 250 mil famílias. Com as medidas restritivas, desde o início do ano passado, cerca de 18 mil empresas fecharam as portas. O número de desempregados alcança mais de 60 mil pessoas. De acordo com pesquisa da Abrasel-BA, 91% dos bares e restaurantes do estado enfrentam problemas para pagar os salários, 73% tiveram de demitir empregados e 82% trabalharam no prejuízo.
Repercussão
O empresário Ademar Lemos Jr, dono do restaurante Chez Bernard, diz que os restaurantes estão sendo injustamente “responsabilizados” pela pandemia. “Da forma como o setor está sendo tratado, parece até que são os restaurantes os locais de maior contaminação, e não é bem assim”, diz Ademar. Segundo ele, o poder público deveria ouvir o segmento, observar os protocolos que foram implementados e que são seguidos hoje pelo segmento e, a partir daí, fazer um plano de abertura e funcionamento definitivos. No caso do Chez Bernard foram investidos cerca de R$ 80 mil para que o empreendimento pudesse reabrir com toda segurança.
“O pior de tudo é esse efeito sanfona, o fecha, libera, abre. A restrição de funcionamento à noite também é outro problema. Fechar resturante às 19h30 não dá. O brasileiro não tem a cultura de jantar tão cedo. Então praticamente você só tem almoço. O Chez Bernard é um restaurante mais de jantar do que de almço. Estamos contabilizando um prejuízo gigantesco”, conta o empresário.
Apesar disso, Ademar diz que conseguiu manter todos os funcionários do Chez Bernard. Ele recorreu ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda do governo federal, que permite que as empresas reduzam o salário e a jornada dos funcionários ou suspendam o contrato de trabalho temporariamente. “Não demitimos ninguém. Entendemos que a empresa tem o seu lado social, apesar de ter muito pouco apoio dos governos. Estamos aguardando o Refis para dar uma aliviada. O acesso a financiamento é dificil, burocrático. Esperamos que vacinação seja acelerada e que e isto acabe logo”.
Já o sócio do restaurante Mistura, Paolo Alfonsi, diz que os decretos estadual e municipal, que determinaram os fechamentos dos estabelecimentos, “atingiu a todos da mesma forma, não houve um planejamento cirúrgico para atingir apenas quem causa aglomeração”. “Tentamos dialogar com o governo do estado, com a prefeitura de Salvador e até agora nada. Por isso, como conselheiro, concordo com a ação da Abrasel”, afirma. “Em restaurante você não vê paredão, não tem aglomeração. O impacto foi grande, sem contar que pagamos o ICMS mais caro do Brasil. Aqui pagamos 4%, em outros lugares do país se paga 2%”.
Ele diz que, de março até agosto do ano passado, houve uma queda de aproximadamente 90% no faturamento do restaurante e foi preciso demitir cerca de 70% dos funcionários. “Não dá para contar com delivery, nosso atendimento, com o público que temos, é praticamente todo presencial”, conta o empresário.
Paolo Alfonsi diz que o momento é de retomada. Do final de agosto até fevereiro deste ano a movimentação ficou acima do esperado. “Foi cerca de 70%, com ápice em janeiro deste ano. Espero que continue assim e que consigamos fechar bem o ano, para compensar as perdas enormes que tivemos”, diz, Ele espera que com a ação da Abrasel o poder público “entenda e olhe para o setor”.
Impacto grande
Para Marcela Amaral, gerente do restaurante Ki Mukeca, em Itapuã, a ação da Abrasel está de acordo com os anseios dos representantes do setor gastronômico. Para ela, é preciso recorrer a todos os meios para reduzir os prejuízos causados pelo fechamento. No Ki Mukeca, o impacto da pandemia também foi grande. Marcela conta que houve uma queda de 90% no faturamento e que, por isso, precisou reduzir os salários dos funcionários.
“Tivemos dificuldade em arcar com a folha de pagamento dos funcionários e tivemos acúmulo de dívidas, mas não demitimos, fizemos o possível para manter o quadro de funcionários”, conta. Para driblar o pior momento da crise, em 2020, Marcela disse que precisou “reinventar” o sistema delivery e partir para as redes sociais, que são novidades para a empresa.
“Esperamos melhorar nosso serviço de atendimento e engajamento digital para atrair novos clientes e manter nossos antigos clientes com a mesma qualidade e seguindo os novos protocolos. Também criamos promoções atrativas. Então nosso plano de retomada foi nos preparar internamente; preparar e treinar nossa equipe, colocando em prática todos os protocolos sanitários exigidos para passar o máximo de segurança”, assinalou. (Bahia de Valor)