A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que o presidente Jair Bolsonaro preste depoimento presencial no inquérito que apura se houve interferência na Polícia Federal.
Bolsonaro já foi intimado a depor, e a AGU quer que o depoimento possa ser por escrito.
Na semana passada, o ministro do STF negou ao presidente a possibilidade de ser interrogado por escrito. A decisão não determinou local nem data do depoimento, que devem ser definidos pela Polícia Federal.
Segundo a AGU, a PF informou ao órgão que o depoimento vai ocorrer em uma das seguintes datas: 21, 22 ou 23 de setembro, às 14h. Sendo assim, pede que os efeitos da decisão do ministro Celso de Mello sejam suspensos até o julgamento do recurso.
O inquérito, aberto em maio, tem como base acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Bolsonaro nega ingerência na PF. A polícia pediu ao STF mais 30 dias para concluir a apuração do caso.
No recurso apresentado ao Supremo, a AGU argumenta que interrogatório é meio de defesa. Pede ainda que, como o ministro Celso de Mello está de licença médica, o recurso seja analisado por Marco Aurélio Mello, como prevê a regra regimental para este tipo de substituição. Mas o decano já sinalizou que, mesmo de licença médica, pode decidir sobre processos sob sua relatoria.
“Sendo o interrogatório meio de defesa, não é desarrazoado afirmar que o direito ao silêncio permite não apenas a ausência de manifestação, mas, caso seja ela feita, autoriza a sua realização na forma que o investigado pretender, desde que lícita. Se é possível silenciar, natural poder manifestar-se de forma diversa da oral”, argumentou a AGU.
Na sexta (11), o advogado Rodrigo Sánchez Rios, que representa Sergio Moro, afirmou que a decisão do ministro Celso de Mello garantiu isonomia de tratamento, já que o ex-ministro foi ouvido presencialmente.
A AGU, no entanto, argumenta que o Supremo precisa conferir tratamento isonômico para Bolsonaro em relação ao ex-presidente Michel Temer, que, quando ocupava o Palácio do Planalto, prestou depoimento por escrito.
Diante disso, a AGU pede que Celso reveja a decisão que negou os esclarecimentos por escrito. Caso o ministro mantenha a posição, o caso deve ser analisado pelo plenário da Corte. O órgão requereu ainda que o depoimento não ocorra caso o Supremo não defina a questão.
Decisão de Celso de Mello
Na decisão sobre o depoimento, Celso de Mello afirmou que o depoimento presencial só é permitido aos chefes dos Três Poderes da República que figurem como testemunhas ou vítimas, não quando estão na condição de investigados ou de réus. Bolsonaro é investigado no inquérito.
Em um despacho recente, Celso de Mello já havia afirmado que o direito de depor por escrito e escolher data não se estende “nem ao investigado nem ao réu”.
Durante as investigações, a PF informou ao Supremo que quer ouvir o presidente sobre as acusações, e Celso de Mello, relator do inquérito, pediu à PGR que se manifestasse sobre o pedido. A PGR defendeu o direito de Bolsonaro escolher responder por escrito.
O decano do STF registrou no documento que tomou a decisão durante o período de licença médica — e que isso é expressamente previsto pela Lei Orgânica da Magistratura.
“Note-se, portanto, que o magistrado, ainda que licenciado por razões de saúde – e desde que inexista contraindicação médica (inocorrente na espécie) –, terá a faculdade, sem prejuízo da licença que continuará a usufruir, de julgar todos os processos que lhe hajam sido conclusos, para esse efeito, antes do início e gozo da licença médica que lhe foi concedida”.
Celso de Mello está em licença médica até o próximo dia 26. O gabinete do ministro esclareceu que a decisão sobre o depoimento já estava pronta desde 18 de agosto, quando ele teve que se afastar para uma cirurgia.
A Lei Orgânica da Magistratura prevê que magistrado licenciado “poderá proferir decisões em processos que, antes da licença, lhe hajam sido conclusos para julgamento”.
Defesa de Moro pode acompanhar
Celso de Mello também permitiu que a defesa do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro possa acompanhar o interrogatório presencial do presidente Bolsonaro e fazer perguntas ao presidente, seguindo entendimentos do STF sobre esse tipo de procedimento.
“Nesse contexto, determino seja assegurado ao coinvestigado Sérgio Fernando Moro o direito de, querendo, por meio de seus advogados, estar presente ao ato de interrogatório do Senhor Presidente da República a ser realizado pela Polícia Federal, garantindo-lhe, ainda, o direito de formular perguntas, caso as entenda necessárias e pertinentes.”
Para Celso de Mello, isso representa o amplo direito de defesa.
“Permitir-se o acesso formal do investigado (ou do acusado) aos demais coinvestigados (ou corréus), mediante reperguntas a eles dirigidas nos respectivos interrogatórios, representa meio viabilizador do exercício das prerrogativas constitucionais da plenitude de defesa e do contraditório.” (G1)