O presidente Jair Bolsonaro afirmou neste domingo (22), em discurso no segundo dia de reunião de cúpula do G20, que seu governo vai “continuar protegendo” a Amazônia, o Pantanal e todos os outros biomas do país.
A declaração ocorre em meio à divulgação de dados que apontam para aumento do desmatamento da floresta e para número recorde de queimadas no Pantanal neste ano. A aceleração da destruição dos dois biomas gerou críticas ao governo dentro e fora do país.
Em seu discurso, Bolsonaro citou dados para afirmar que se baseia na “realidade dos fatos” e não em “narrativas”, mas especialistas ouvidos pelo G1 contestam as afirmações do presidente.
“O hino nacional de meu país diz que o Brasil é gigante pela própria natureza. Estejam certos de que nada mudará isso. Vamos continuar protegendo nossa Amazônia, nosso Pantanal e todos os nossos biomas”, afirmou Bolsonaro.
O discurso do presidente não foi transmitido pelo G20, mas sim divulgado pela Palácio do Planalto. A reunião do grupo, que reúne as 20 maiores economias do mundo, está sendo presidida pela Arábia Saudita e ocorre neste ano de maneira virtual, devido à pandemia do novo coronavírus (leia a íntegra do discurso ao final desta reportagem).
No sábado (21), primeiro dia de reunião do G20, Bolsonaro também discursou. O presidente abordou questões comerciais e a vacina para a Covid-19, mas também falou sobre as manifestações antirracismo que vêm sendo registradas no país depois do espancamento e morte de um cidadão negro no Rio Grande do Sul.
Críticas à política ambiental
A política ambiental do governo Bolsonaro e os números que apontam para aumento do desmatamento e das queimadas no país têm gerado pressões internacionais e ameaças de países de boicote a produtos brasileiros. Também têm dificultado o andamento do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.
O governo brasileiro vem apontando interesses comerciais nas críticas e que elas têm objetivo de prejudicar produtos nacionais, especialmente os ligados ao agronegócio.
No discurso deste domingo, Bolsonaro voltou a atacar os críticos. Afirmou que o Brasil, com sua produção agrícola e pecuária, alimenta “quase um bilhão e meio de pessoas” enquanto mantém mais de 60% do território preservado, e que os ataques ao país partem de “nações menos competitivas” no agronegócio.
“Ressalto que essa verdadeira revolução agrícola no Brasil foi realizada utilizando apenas 8% de nossas terras. Por isso, mais de 60% de nosso território ainda se encontra preservado com vegetação nativa. Tenho orgulho de apresentar esses números e reafirmar que trabalharemos sempre para manter esse elevado nível de preservação, bem como para repelir ataques injustificados proferidos por nações menos competitivas e menos sustentáveis”, afirmou.
O engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador da ONG Mapbiomas, diz que na verdade o Brasil tem 67% do seu território com vegetação nativa, considerando o que está degradado e que está regenerando.
“A gente estima que, desse total [de vegetação nativa] que existe no Brasil, pelo menos um terço já foi desmatado alguma vez ou já foi fortemente degradado. Então o número correto seria mais ou menos alguma coisa como 45%, 50%” – Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas
“[Dizer que] se encontra preservado não é uma frase correta – se encontra coberto com vegetação nativa. Parte já foi desmatada e parte já foi muito degradada – com fogo, exploração ilegal”, conta Tasso. Como o G1 mostrou na série Desafio Natureza, mesmo áreas que deveriam contam com preservação garantida em demarcação sofrem com desmatamento.
O especialista em gestão ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão também rebate a afirmação.
“É errado dizer que mais de 60% do Brasil está preservado. Mais de 60% do Brasil está com vegetação nativa. E isso inclui, por exemplo, os pampas, onde você tem pecuária. Isso inclui os campos gerais onde você tem pecuária. Inclui também, por exemplo, todas as áreas florestais onde tem extrativismo”, diz Rajão.
“Quando uma área é de preservação, voltada para a preservação integral, isso significa que ela não pode ser explorada (para fins econômicos). E essas áreas elas são muito pouco do território nacional”.
As unidades de conservação de proteção ambiental integral alcançam 9,9% do território nacional, segundo um levantamento da UFMG, com dados ICMBio, Incra, Funai, SFB e MMA.
Área usada pela agropecuária
Sobre a fala de Bolsonaro de que a revolução agrícola no Brasil “foi realizada utilizando apenas 8% de nossas terras”, o professor Raoni Rajão diz que o dado é “distorcido”.
“De fato, por volta de 8% a 10% do território nacional é voltado para culturas agrícolas, soja, milho, e etc. Mas você precisa somar mais uns 20% das áreas voltadas para a pecuária. Então falar que foi 8% que deu independência alimentar para o Brasil é errado. E os outros 20% da pecuária?”, questiona Rajão.
‘Firme compromisso’
Em outro ponto do discurso, Bolsonaro disse que o governo brasileiro “mantém o firme compromisso de continuar a preservar nosso patrimônio ambiental” e de “buscar o desenvolvimento sustentável em sua plenitude, de forma a integrar a conservação ambiental à prosperidade econômica e social.”
Ele defendeu o esforço dos países na redução das emissões de carbono, que são responsáveis pelo processo de aquecimento global. E afirmou que o Brasil tem “a matriz energética mais limpa entre os países integrantes do G20” e responde hoje “por menos de 3% da emissão de carbono” apesar de ser “uma das 10 maiores economias do mundo.”
“O que apresento aqui são fatos, e não narrativas. São dados concretos e não frases demagógicas que rebaixam o debate público e, no limite, ferem a própria causa que fingem apoiar” – Jair Bolsonaro
Tasso Azevedo aponta que o percentual de 3% é um fato, mas ele isoladamente não credencia o Brasil como um bom exemplo. O especialista aponta a comparação da emissão média per capita: a do mundo é de 7,1 toneladas de CO² e a do Brasil é de 10,4 toneladas de CO².
“Falar que a gente tem 3% das emissões globais, embora seja uma das 10 maiores economias, não quer dizer absolutamente nada. Basta pegar o tamanho do nosso PIB versus o PIB global, é muito menos do que 3%. (…) O que importa é a emissão per capita – a emissão per capita do Brasil é maior do que a do mundo. A gente ajuda a piorar a média do mundo, não o contrário.” – Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas
No mais recente levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), divulgado pela organização não-governamental Observatório do Clima (OC), foi verificado que as emissões dos gases do efeito estufa no Brasil aumentaram 9,6% em 2019, em comparação com 2018.
Agricultura e acordos comerciais
Bolsonaro também disse que, nos últimos 40 anos, o Brasil passou da condição de importador de alimentos para ser um dos maiores exportadores agrícolas do mundo.
“Esse processo de transformação da agricultura brasileira resulta de décadas de inovação e desenvolvimento, incorporando grandes ganhos tecnológicos em eficiência e produtividade”, afirmou.
Durante sua fala, Bolsonaro destacou os acordos comerciais firmados entre o Brasil e os EUA sobre facilitação do comércio, boas práticas regulatórias e combate à corrupção.
“Estamos construindo um país aberto para o mundo, disposto, não apenas a buscar novos acordos comerciais, mas também a assumir novos e maiores compromissos nas áreas do desenvolvimento e da sustentabilidade”, disse.
Ao mesmo tempo em que o governo busca uma maior abertura econômica, com aumento no volume de comércio, ele afirmou estar ciente de que “os acordos comerciais sofrem cada vez mais influência da agenda ambiental”.
- Em junho, um grupo responsável por investimentos de cerca de R$ 20 trilhões enviou uma carta aberta às embaixadas brasileiras de oito países. Eles se mostraram preocupados com o aumento do desmatamento no Brasil.
- Nos últimos meses, nações europeias, como a França, têm se manifestado contra o acordo comercial fechado com o Brasil. Em conjunto com outros países da União Europeia, o país pretende impor condições ambientais para que as negociações prossigam.
O professor Raoni Rajão ainda pondera que, se por um lado há interesse da indústria europeia de limitar as importações, essas iniciativas não ocorrem como alegada pela diplomacia brasileira.
“Por exemplo, a Europa quer limitar a importação de carnes in natura, porque compete com produtos de alguns países, como a França. Mas o agronegócio europeu quer continuar comprando soja, porque essa carne bovina, suína, produzida na Europa, ela depende da soja barata brasileira para poder produzir. Então fazer uma acusação de que tudo isso faz parte de um complô é uma visão muito simplista”, analisa Rajão.
Leia a íntegra do discurso
“Senhoras e Senhores,
Primeiramente, parabenizo a Arábia Saudita por ter escolhido como tema central de sua presidência o lema “Realização das Oportunidades do Século 21 para Todos”.
Aproveito para também parabenizar os demais membros do G20 pelas oportunas iniciativas desenvolvidas ao longo do ano.
Além dos muitos instrumentos acordados, houve frutífera troca de experiências e disseminação de melhores práticas sobre diversos temas.
Destacamos o acesso universal à saúde, à educação e à economia digital, bem como a inclusão financeira de todos os cidadãos.
Senhoras e Senhores,
O Brasil é um país resiliente. Queremos um futuro de desenvolvimento sustentável e repleto de oportunidades para a nossa população.
Meu governo tem promovido a abertura de nossa economia, com vistas a uma maior integração do Brasil aos fluxos de comércio e investimento mundiais.
São demonstrações do nosso empenho os acordos comerciais negociados pelo MERCOSUL com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio, a EFTA. Também já iniciamos tratativas com a Coreia do Sul e com o Canadá.
Destaco, igualmente, os recentes acordos firmados entre o Brasil e os EUA sobre facilitação do comércio, boas práticas regulatórias e combate à corrupção.
Estamos construindo um país aberto para o mundo, disposto, não apenas a buscar novos acordos comerciais, mas também a assumir novos e maiores compromissos nas áreas do desenvolvimento e da sustentabilidade.
Ao mesmo tempo em que buscamos maior abertura econômica, estamos cientes de que os acordos comerciais sofrem cada vez mais influência da agenda ambiental.
Por isso, vamos à realidade dos fatos.
Nos últimos 40 anos, o Brasil passou da condição de importador de alimentos para o patamar de um dos maiores exportadores agrícolas do mundo.
Esse processo de transformação da agricultura brasileira resulta de décadas de inovação e desenvolvimento, incorporando grandes ganhos tecnológicos em eficiência e produtividade.
Hoje, nosso País exporta volume imenso de produtos agrícolas e pecuários sustentáveis e de qualidade. Alimentamos quase um bilhão e meio de pessoas e garantimos a segurança alimentar de diversos países.
Ressalto que essa verdadeira revolução agrícola no Brasil foi realizada utilizando apenas 8% de nossas terras. Por isso, mais de 60% de nosso território ainda se encontra preservado com vegetação nativa.
Tenho orgulho de apresentar esses números e reafirmar que trabalharemos sempre para manter esse elevado nível de preservação, bem como para repelir ataques injustificados proferidos por nações menos competitivas e menos sustentáveis.
Durante os desafiadores meses da pandemia, nossa agropecuária se manteve ativa e crescentemente produtiva. Honramos todos os nossos contratos.
Para promover o desenvolvimento sustentável, reconhecemos a contribuição do conceito de Economia Circular de Baixa Emissão de Carbono, baseada nos “4Rs”: Reduzir, Reutilizar, Reciclar, Remover.
Entendemos que esforço deve ser concentrado no primeiro “R”, que é a “Redução” das emissões de carbono. No cenário mundial, somos responsáveis por menos de 3% da emissão de carbono, mesmo sendo uma das 10 maiores economias do mundo.
Por isso, também nesse aspecto, mais uma vez tenho orgulho de dizer que o Brasil possui a matriz energética mais limpa entre os países integrantes do G20.
Mantemos o firme compromisso de continuar a preservar nosso patrimônio ambiental.
Também mantemos a determinação de buscar o desenvolvimento sustentável em sua plenitude, de forma a integrar a conservação ambiental à prosperidade econômica e social.
O que apresento aqui são fatos, e não narrativas. São dados concretos e não frases demagógicas que rebaixam o debate público e, no limite, ferem a própria causa que fingem apoiar.
O hino nacional de meu país diz que o Brasil é gigante pela própria natureza. Estejam certos de que nada mudará isso. Vamos continuar protegendo nossa Amazônia, nosso Pantanal e todos os nossos biomas.
Contem com o meu país e com o meu povo para tornar o mundo realmente mais desenvolvido e mais sustentável.
Muito obrigado.”
(G1)