Cerca de metade das escolas brasileiras descumpre lei antirracista

Apesar da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, apenas 0,92% dos professores têm formação adequada. Novas políticas buscam reverter cenário.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Há mais de 20 anos, a Lei 10.639/2003 tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas do Brasil. No entanto, desafios estruturais e falta de coordenação continuam dificultando a aplicação da legislação.

De acordo com uma pesquisa do Ministério da Educação, entre 2019 e 2021, apenas metade das escolas realizou projetos sobre relações étnico-raciais. Além disso, somente 14,7% dos gestores relataram ter materiais pedagógicos para essa temática, e menos de 1% dos professores possuíam formação específica. Esse cenário é preocupante em um país onde 56% da população é negra.

A secretária de Educação Continuada, Diversidade e Inclusão do MEC, Zara Figueiredo, aponta a coordenação federativa como um dos principais entraves. “Num país tão grande como o nosso, com desigualdades tão significativas, você precisa de uma coordenação forte do Ministério da Educação para ajudar as redes a implementar a política”, afirmou.

Para enfrentar o problema, o MEC lançou, em 2024, a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola. Este ano, foram disponibilizadas 215 mil vagas de formação para professores e distribuídos materiais pedagógicos antirracistas para escolas do ensino fundamental.

Os impactos do racismo no ambiente escolar, contudo, são difíceis de apagar. Professores relatam vivências de discriminação que marcaram suas infâncias e, muitas vezes, influenciam a trajetória dos estudantes negros. “Eu lembro de ter sido posta de castigo no fundo da sala até urinar na roupa”, contou Gina Vieira, professora e vítima de racismo na infância.

Projetos como o Cresp@s & Cachead@s no Distrito Federal e a Escola Maria Felipa em Salvador mostram que é possível abordar a cultura afro-brasileira de forma ampla e integrada ao currículo. Bárbara Carine, idealizadora da Escola Maria Felipa, defende a paridade entre os diferentes marcos civilizatórios no ensino. “Não é só levar a cultura africana na capoeira e no samba, mas também na matemática, na ciência e na história”, explicou.

O escritor Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti, reforça a importância de discutir o racismo na escola: “Não existe democracia enquanto houver racismo. É preciso ensinar a responsabilidade ética de se preocupar com os problemas dos outros, e não apenas com os próprios.”

Apesar das barreiras, avanços estão sendo feitos para garantir que a história e a cultura afro-brasileira ocupem o espaço devido nas escolas, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equitativa.

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