Prestes a completar um ano do conflito entre Rússia e Ucrânia, os últimos acontecimentos apontam que dá para idealizar um cenário em que os ucranianos saiam como vencedores, apesar de ainda não ser possível cravar quem vai ganhar. Desde setembro de 2022, o exército de Vladimir Putin tem se deparado com novas situações e sofrido reveses, enquanto a Ucrânia tem conquistado território, atacado regiões controladas por russos e até conseguiram algo que desde o começo Volodymyr Zelensky pedia aos aliados: sistema de defesa aéreo. Os especialistas ouvidos pelo portal da Jovem Pan pontuam que estamos vivendo um impasse e que a guerra está empatada. Resultado favorável para Ucrânia pois, no começo, era apontado que a Rússia tomaria o país em pouco tempo, já que seu poderio militar é muito maior do que o ucraniano. Mas a constante ajuda ocidental, que se faz presente desde que o conflito começou, fez com que Kiev conseguisse reagir. “Essa guerra saiu pela culatra para o Putin. Ele não esperava que o Ocidente fosse fornecer tanta ajuda à Ucrânia”, explica Angelo Segrillo, historiador brasileiro especializado em Rússia e União Soviética, acrescentando que o líder russo está encruzilhado nesse momento e não pode recuar, principalmente porque já investiu muito no conflito no Leste Europeu.
“A guerra agora é sobrevivência pessoal de Putin. Se ele perder, vai sofrer um golpe de Estado e corre o risco de sofrer um atentado”, pontua o especialista. Paulo Velasco, doutor em ciência política pelo IESP-UERJ, complementa o posicionamento de Segrillo dizendo que as coisas não saíram como o Kremlin previa quando invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro. “Do ponto de vista prático, inclusive logístico e material, os russos se mostraram muito óbvios e acabaram mostrando uma Rússia mais fragilizada militarmente do que se supunha”, diz, acrescentando que agora a grande fragilidade russa é a sua incapacidade de controlar os territórios que ocuparam. Para Velasco, isso acaba revelando um certo amadorismo, principalmente por causa do poderio militar. “Poderíamos esperar tudo da Rússia, menos amadorismo militar. Esse vai e volta, avanço e recuo, acaba sendo um sinal de amadorismo”, diz o especialista, referindo-se à retirada das tropas russas de Kiev e, mais recentemente, da cidade de Kherson, dias após Putin ter anexado a região. Separamos cinco pontos que indicam a fragilidade russa na guerra com a Ucrânia e que fazem com que o Exército de Zelensky possa sonhar com a vitória.
Putin chamando a guerra de guerra
Pela primeira vez em onze meses de conflito, Vladimir Putin chamou a guerra na Ucrânia de guerra. Ele classificava a invasão como operação militar. “Nosso objetivo não é girar o volante do conflito militar, mas, ao contrário, acabar com esta guerra”, declarou o líder durante entrevista coletiva no final de dezembro. Em março de 2022, um mês após a invasão, o chefe de Estado da Rússia assinou leis que preveem multas pesadas e penas de prisão por desacreditar ou espalhar “informações deliberadamente falsas” sobre as Forças Armadas, colocando as pessoas em risco de serem processadas se chamarem a guerra pelo nome. Para Angelo Segrillo, Putin ter chamado o conflito de guerra foi um deslize, porém, alerta que pode ser uma estratégia do líder russo. “Ele fez uma mobilização militar, e você fazer uma mobilização sem estar em guerra é contraditório. Penso que foi algo de momento meio sem quer, querendo”, diz. Desde a ‘gafe’, Putin não usou mais termo guerra para se referir ao conflito. Contudo, o desvio na fala do presidente gerou um pedido de investigação interna. Um político de São Petersburgo, Nikita Iuferev, pediu aos promotores que investiguem Putin por usar a palavra “guerra” para descrever a Guerra na Ucrânia, acusando o chefe do Kremlin de violar sua própria lei. Porém, o conselheiro da oposição acredita que sua contestação legal não levaria a lugar nenhum, mas apresentou o pedido de investigação para expor o que ele chama de “falsidade” do sistema.
Rússia perde 89 soldados em um único dia
Pouco depois de Putin chamar a guerra de guerra, a Rússia teve sua maior baixa em um único dia, quando 89 soldados, todos reservistas, foram mortos na cidade de Makiivka, no leste da Ucrânia, após um ataque de drone. Os russos, que culpam os ucranianos pelos ataques, mesmo que Kiev não tenha se responsabilizado pela autoria, também responsabilizaram o uso indevido de celular pelo ocorrido. Eles defendem que o aparelho transmitiu sinal e ajudou a indicar a localização de um depósito de munições. “Já é óbvio que o principal motivo do ocorrido foi o acionamento e o uso maciço de celulares em zona de alcance de armas inimigas’’, declararam. Diante do ocorrido, o exército de Vladimir Putin vem sendo alvo de críticas, principalmente os comandantes – a Rússia nomeou o terceiro em menos de um ano de conflito.
A chefe da rede RT, o braço de propaganda internacional do Kremlin, pediu a publicação dos nomes dos comandantes russos e “suas responsabilidades”. “É hora de entender que a impunidade não leva à harmonia social. A impunidade leva a novos crimes. E, consequentemente, à dissensão pública”, escreveu Margarita Simonian no Telegram. Os correspondentes de guerra russos acusaram os comandantes do país de não aprenderem com seus erros do passado e de transferir a culpa para os soldados. A conta Rybar no Telegram, que possui um milhão de seguidores, chamou de “criminosamente ingênuo” o Exército armazenar munição próximo aos dormitórios. Por sua vez, o líder separatista pró-Rússia Denis Pushilin elogiou o “heroísmo” dos soldados sobreviventes, que “arriscaram suas vidas” para “resgatar seus companheiros” sob os escombros.
Ida de Zelensky para os EUA
No final do ano passado, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, saiu do país. Ele foi para os Estados Unidos se reunir com o líder norte-americano, Joe Biden, e discursar para o Congresso. Para Segrillo, essa visita foi simbólica e dá a ideia de segurança, como se Zelensky dissesse “eu posso fazer isso. Não sou mais prisioneiro do meu país e nem preciso ficar me escondendo. Posso sair pelo mundo”. Durante seu encontro com Biden, Zelensky ouviu do aliado que vai receber ajuda pelo tempo que for necessário e ainda conseguiu algo que desde o começo pedia: sistema de segurança aérea. “Vamos continuar fortalecendo a capacidade da Ucrânia de se defender, principalmente a defesa aérea”, afirmou Biden a Zelensky enquanto os dois estavam sentados perto da lareira do Salão Oval. Na ocasião, os EUA anunciaram um novo pacote de ajuda no valor de US$ 45 bilhões à Ucrânia para 2023 e Biden parabenizou o ucraniano por sua liderança. “Sua liderança inspirou o povo. É importante que as pessoas ouçam diretamente dele a necessidade de continuarmos únicos em 2023”, disse Biden.
Sistema de defesa aérea para Ucrânia
A Ucrânia recebeu dos aliados algo que desde o começo do conflito pediam: sistema de defesa aéreo para poderem combater os ataques russos. Depois de muito pedir, foi atendida e agora conta com o Patriot, um sistema que é capaz de derrubar mísseis de cruzeiro, mísseis balísticos de curto alcance e aviões em um teto significativamente mais alto do que os sistemas de defesa antiaérea fornecidos anteriormente, de acordo com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em comunicado. As defesas aéreas da Ucrânia tiveram um papel fundamental na proteção do país contra os ataques russos, assim como para evitar que as forças de Moscou conseguissem o controle dos céus. O conselheiro da presidência ucraniana, Mikhailo Podoliak, disse em entrevista à agência AFP que a Ucrânia poderá vencer a guerra este ano se os países ocidentais multiplicarem as entregas de armas, especialmente mísseis de longo alcance, e prometeu que esses sistemas não serão usados para atacar o território russo. “Não vamos atacar a Rússia. Travamos uma guerra exclusivamente defensiva”, insistiu.
Na semana passada, os Estados Unidos anunciaram uma nova ajuda militar para a Ucrânia, avaliada em mais de US$ 3 bilhões, com 50 blindados de Infantaria Bradley e dezenas de outros veículos blindados. A Alemanha anunciou que fornecerá 40 veículos blindados leves “Marder” para Kiev, que servirão para transporte de tropas, e uma bateria de defesa antiaérea Patriot. A França anunciou que enviará carros de combate leves AMX-10 RC, mas não especificou quantos. Desde o início da ofensiva russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022, os países ocidentais que apoiam a ex-república soviética deram-lhe apoio financeiro e militar, especialmente com o fornecimento de canhões. A Rússia respondeu a esses envios dizendo que eles só vão prolongar o sofrimento dos ucranianos e não vai mudar o equilíbrio de forças no terreno. “Europa, Otan e Estados Unidos injetaram bilhões de dólares para a Ucrânia e em entregas de armas”, declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, à imprensa. “Fundamentalmente, essas entregas não podem mudar e não vão mudar nada. Essas entregas vão apenas prolongar o sofrimento do povo ucraniano”, acrescentou Peskov.
Isolamento da Rússia
Conforme a guerra se estende, a Rússia vai ficando mais isolada por causa das sanções ocidentais e seu Exército vem sendo desacreditado, tanto que internamente já existem críticas aos comandantes. Esse cenário não é benéfico e é perigoso, principalmente se levar em consideração sua dimensão militar, alerta o doutor em ciência política Paulo Velasco. “Não acho prudente continuar isolando a Rússia e colocando sanções, porque a Rússia, não qualquer um, é um ator com poderio nuclear grande, inclusive superior ao norte-americano, não é prudente apenas isolá-la. Isso é um perigo para o mundo e instabilidade global. Para ele, “o mais prudente seria tentar estabelecer ou criar uma janela de oportunidade para um diálogo e uma solução” diz.
Os especialistas dizem que todos esses pontos são importantes e confirmam que são uma vitória para a Ucrânia, mas pontuam que ainda não dá para cravar um vencedor. “É cedo ainda para pensarmos na vitória de qualquer um dos lados. Essas dificuldades que a Rússia teve de agosto para cá conduziram a uma vitória no sentido clássico, uma vitória militar por parte da Ucrânia”, acrescenta Velasco. “Não diria que podemos prever uma vitória de um lado ou de outro, mas digo que a guerra está em um empate técnico e, se não acontecer fatos novos, provavelmente vai ser uma guerra de longa duração”, diz o professor Angelo Segrillo, que acredita que o conflito possa se tornar algo parecido com o que se tem entre as Coreias, em que não houve um acordo de paz, mas tem uma trégua até hoje. “Tenho a impressão de que esse conflito tende a se encaminhar para um conflito congelado”, afirma. Apesar da fragilidade, a Rússia parece ter encontrado um caminho para voltar a ter vitórias. As tropas de Putin estão prestes a conquistar a cidade de Soledar. A conquista da região significaria uma vitória militar simbólica para Moscou, após vários reveses das tropas russas no terreno desde setembro. A cidade é conhecida por suas minas de sal e tem sido alvo de uma ofensiva russa há semanas. O município, que antes do conflito tinha cerca de 10 mil habitantes, fica perto de Bakhmut, que os russos tentam conquistar há meses. (JP)