A designer de interiores Bruna Alexandra Colzani, de 35 anos, tem absoluta convicção de que, ao espancá-la, o então namorado tinha em mente outro objetivo. “Essa última vez não foi uma agressão, ele tentou me matar. Agressão é soco, tapa, ele tentou me matar. Só parou de me bater quando apaguei e tive traumatismo craniano”, relembra, em entrevista ao CORREIO. O dentista Henrique Vilela Gonçalves, 25, que namorava Bruna à época, é suspeito do crime.
Bruna foi agredida em um bar na rua Areal de Cima, Dois de Julho, em Salvador, na madrugada do dia 28. Segundo a vítima, uma crise de ciúmes deu origem à sessão de terror, com socos, chutes na cabeça e na costela aplicados até que ela desmaiasse. Antes, conta, passou por uma cirurgia na coluna por outra agressão. “Tentei terminar. Só que toda vez ele ameaçava atingir minha mãe. Eu acabava recuando com medo”, relata.
Ela passou dias dada como desaparecida, enquanto estava em uma UTI do HGE, de onde só saiu na quinta-feira (5). Apesar da alta, tem dores na mandíbula e na coluna. O ouvido direito foi afetado. Terá que tomar anticonvulsivos e se submeter a tratamento neurológico diante das sequelas, mas o maior temor é que a mãe, Rosana Soares, 54, também seja alvo do mesmo algoz.
Henrique Gonçalves Vilela foi autuado em flagrante como suspeito do crime, mas já responde em liberdade. Em paralelo, Bruna segue aguardando pela medida protetiva e denuncia ter sido questionada por policiais e profissionais do HGE.
Confira os principais trechos da entrevista:
O que aconteceu horas antes da agressão?
Veio um amigo nosso de outra cidade nos visitar, a gente se encontrou em um barzinho no Dois de Julho, na rua Areal de Cima. Como era um bar, tinha muita gente e ele [agressor] é muito ciumento e possessivo. Começou a ficar com ciúmes. Como já sofri outras agressões dele, quando vi que ele ia me agredir, pedi licença e fui ao banheiro. Falei para a filha do dono do bar; ‘Henrique vai me agredir, deixa eu me esconder [na casa em cima do estabelecimento]’ e liguei para o pai dele, que disse; ‘Te vira, não vou me meter nisso’. Ele, no estresse, subiu, me encontrou lá e começou a me bater. Me deu soco no rosto, na cabeça e chutes na costela […] até que apaguei.
Onde você estava quando acordou?
Não lembro de nada até acordar debaixo do chuveiro no chão e recebendo tapinhas na minha cara para eu acordar. [Estavam lá] o pai dele, um amigo do pai dele e dono do bar, e eu sangrando no chão. O pai dele disse ‘entra no carro que a gente vai na tua casa pegar coisas do Henrique e depois levo ele para casa’. Eu já desnorteada, com a cabeça sangrando e morrendo de medo, fui com esperança que me deixassem lá e saíssem. Chegando lá, fiquei vomitando no chão por causa do chute na costela e sangrando. Henrique disse que não ia sair. Aí chamei a polícia, ele foi algemado e levado na parte de trás da viatura e eu no banco do carro. O pai foi seguindo com outro carro.
Como foi o atendimento na delegacia?
[Meu depoimento] foi por videoconferência, a delegada não estava lá. Pedi a medida protetiva e ela disse que está fazendo. Ela mandou o pai do agressor me mandar para o HGE [Hospital Geral do Estado] porque eu estava muito mal. Não mandou nenhum policial [acompanhar], que seria o correto.
O que te falaram na DEAM?
A Delegacia da Mulher deveria ser mais preparada e dar apoio à gente e não julgar, [me perguntaram] o que você fez para apanhar? O que aprontou para ser espancada? É a partir desta pergunta que muitas mulheres desistem. Saí ontem [na quinta] do hospital, minha medida protetiva não poderia ter saído ainda? No próprio hospital também [perguntaram] ‘o que você fez’? Quando uma mulher é agredida todo mundo faz pensar que a culpa é dela.
Seu ex-sogro entrou em contato com sua mãe no hospital?
Eu pedia para ele ligar para minha mãe e ele [ficou] fingindo que estava ligando, mas não ligou nenhuma vez para ela. Ele ia me visitar todo dia. Como eu estava na UTI, perdi acesso ao meu celular.
Quando sua mãe ficou sabendo?
Chegou dia 31 [a agressão aconteceu no dia 27] e ela viu que eu não respondia, começou a perguntar para todo mundo onde eu estava e tinha visto uma ligação dele [ex-sogro], mas isso só no dia 31. Ele disse; ‘os dois brigaram, foi briga de casal e ela está com uma dorzinha na cabeça’. Aí que ela descobriu onde eu estava.
Qual seu estado clínico?
Não cheguei a passar por cirurgia porque tinha coágulo em alguma parte do meu cérebro e daí estavam dando remédios para tentar reduzir isso e diminuir as sequelas. Minha audição do ouvido direito está limitada e sinto dor na mandíbula. Só aguentava lá [no hospital] à base de morfina. Me liberaram ontem dizendo que o coágulo recuou. Mas vou ter que continuar fazendo tratamento neurológico e tomando anticonvulsivo.
Sua mãe disse que viu seu ex-namorado em um bar na segunda. Como se sente sabendo que ele está solto?
Eu morro de medo porque ele me ameaçava antes. Nos dois anos que a gente ficou junto já ocorreram algumas agressões e eu tentei sair várias vezes, tentei terminar só que toda vez ele ameaçava atingir minha mãe. Eu acabava recuando com medo, por causa das ameaças; ‘Te dou tiro, arranco tua cabeça’. [Além das] juras de que não vai acontecer mais, que estava nervoso, sempre com essas desculpas e as coisas piorando.
Ele tem acesso à arma?
O pai dele é policial civil, anda armado e de vez em quando com arma no carro. Se ele quisesse ter acesso, seria fácil.
Do que você tem mais medo?
Dele atingir minha mãe, porque, machucada eu já fui, essa última vez não foi uma agressão, ele tentou me matar. Agressão é soco, tapa, ele tentou me matar. Só parou de me bater quando apaguei e tive traumatismo craniano.
Ele chegou a te machucar outras vezes?
Teve uma agressão que ele me jogou no chão, tive que fazer cirurgia de coluna. Ele estava com ciúmes […] me pegou pelo pescoço e me jogou. Caí com as costas no chão, como tinha hérnia de risco devido ao trabalho, minha hérnia partiu e tive que fazer cirurgia.
Como vocês se conheceram?
Eu fui morar no Largo Dois de Julho, e ele é nascido lá. [Acabamos] nos conhecendo através de amigos. Mas essas coisas ninguém me contou, que ele era agressivo. Mas não sei. Até achei que indo na imprensa iria aparecer alguma outra mulher falando algo a respeito, mas todo mundo tem muito medo do pai dele.
Como era seu contato com o pai dele?
Nosso contato era de bom dia e boa tarde. Não tinha contato diário.
O que espera da Justiça?
Que ele [Henrique] pague pelo que fez. Minha paz eu já perdi, não vou conseguir andar na rua sem medo, voltar a ter vida normal, essa paz ele me tirou. Mas desejo que seja preso o suficiente para pagar o que ele fez. Porque ninguém sabe o […] que ele vai fazer com outras mulheres que ele conhecer. [Também] quero minha protetiva para ter um pouco mais de segurança, estou à deriva.
Como você está se sentindo agora?
Destruída. Estou viva, mas da mesma forma que estivesse morta. Não posso sair na rua, tenho medo de noite, alguém passa no corredor e acende a luz eu já fico com medo, tenho pesadelo. Confiar em alguém vai ser difícil.
Designer diz que foi ofendida em delegacia e hospital: ‘O que você fez?’
Durante a entrevista ao CORREIO, a designer Bruna Colzani contou que policiais na Deam e profissionais no HGE questionaram o que ela fez para ter sido agredida. “O que você fez para apanhar? O que aprontou para ser espancada? É a partir desta pergunta que muitas mulheres desistem. Saí ontem [na quinta] do hospital, minha medida protetiva não poderia ter saído ainda? No próprio hospital também [perguntaram] o que você fez? Quando uma mulher é agredida todo mundo faz pensar que a culpa é dela”.
A Polícia Civil informa que irá apurar a conduta dos servidores que realizaram o atendimento e que ela não está em conformidade com as atitudes dos policiais e relatadas por Bruna. A entidade ressalta ainda que dispõe tanto a Ouvidoria quanto a Corregedoria para que seja formalizada a denúncia de mau atendimento.
A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) afirma que as perguntas feitas pelos profissionais não são a norma e nem a conduta orientadas pelo hospital. Os questionamentos devem ser feitos para qualificar o diagnóstico e tratamento médico, esclarece a pasta. “Se paciente ou familiares acharem qualquer conduta inadequada dentro do hospital, deverão formalizar uma queixa junto à ouvidoria da unidade”, finaliza a nota.
A reportagem entrou em contato com o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) para saber o prazo em que a medida protetiva de urgência solicitada deve sair. Assim como o porquê da entidade ter negado pedido de prisão preventiva e liberado Henrique em audiência de custódia. O órgão não respondeu. A reportagem também entrou em contato com o pai de Henrique, que negou as acusações de agressão em eventos anteriores e orientou contato com advogados.
O advogado do suspeito, Cleiton Cristiano M. Pinheiro, informou ao CORREIO que o cliente sente muito e que nunca quis ofender a integridade física de Bruna. “Henrique lamenta profundamente a errônea interpretação do auxílio irrestrito dado pelo seu genitor à vítima por todo o tempo que esteve hospitalizada. Está abalado emocionalmente, buscando auxílio de profissional para lidar com o ocorrido, e está à disposição da Justiça para esclarecer os fatos da exata forma do acontecido no fatídico dia”, finalizou. (Correio)