Mesmo após a entrada em vigor da lei que obriga empresas a colocar funcionárias grávidas em regime de teletrabalho, empregadores estão mantendo as gestantes em trabalho presencial. A advogada Thaís Cremasco, especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário, relata que foi procurada por trabalhadoras ainda que não foram afastadas do ambiente de trabalho.
No dia 13 de maio, entrou em vigor a Lei 14.151, que garante regime de teletrabalho às trabalhadoras gestantes enquanto durar a pandemia. A norma estabelece ainda que a substituição do trabalho presencial pelo remoto para a trabalhadora grávida deverá ocorrer sem redução de salário.
A empregada deverá ficar à disposição da empresa para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.
“Muitas empresas não obedeceram ao comando da lei e continuam expondo suas funcionárias a uma situação de perigo. Fui procurada por algumas trabalhadoras relatando que seus empregadores se recusaram a obedecer à determinação do governo federal. Isso acontece porque algumas empresas entendem que é mais barato descumprir a lei”, afirma Thaís Cremasco.
Uma trabalhadora que procurou a advogada relatou que a empresa ainda não tem uma resposta sobre como será o afastamento. Ela não quis se identificar por temer punições. “Por enquanto disseram que o meu trabalho não tem como fazer remoto e que não tem condição de pagar a grávida para ela ficar em casa se não for afastada pelo INSS”, disse.
Outra gestante contou que, cinco dias após a sanção da lei, a empresa não havia definido a sua situação. “Estou meio perdida, trabalho em área de risco, vejo tanta gente morrendo e estou com medo”, afirmou.
Thaís orienta que as mulheres fiquem em casa, mas enviem um telegrama informando que, em cumprimento à Lei 14.151, permanecerão à disposição da empresa para realizar atividades em teletrabalho.
“Com isso ela se resguarda de uma possível justa causa. Cabe à empresa encontrar uma atividade que a funcionária possa desempenhar de forma remota. Nesse momento grave de pandemia, nada sobrepõe o direito à vida”, declara.
Funcionária deve reunir provas para futura ação
A advogada orienta às funcionárias que, por medo de serem demitidas, decidam ficar em trabalho presencial, que recolham provas de que estão trabalhando quando deveriam estar resguardadas em casa, para uma futura ação por danos morais.
“A Lei 14.151 tem como finalidade corrigir temporariamente, durante a pandemia, essa distorção que expõe as mulheres e as vidas que elas carregam a risco. Enquanto durar a emergência sanitária, cabe à empresa encontrar uma forma para que a mulher trabalhe em segurança, na casa dela”, comenta.
A advogada diz que as mulheres que receberem qualquer tipo de punição por ficarem em casa, como manda a lei, podem acionar o empregador na Justiça do Trabalho. “A empresa tem uma função social, ela tem que zelar pela segurança e saúde das suas trabalhadoras. Se descumprir a lei e punir as funcionárias, o Judiciário corrigirá essa distorção e, nesses casos, há antecipação de tutela, o trâmite é rápido”, ressalta.
A advogada lembra ainda que a mulher que for obrigada a trabalhar durante a pandemia e contrair a Covid-19 durante o exercício de sua função pode recorrer à Justiça. “Uma decisão recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu uma indenização à família de um trabalhador que contraiu a doença durante o exercício de suas funções. O juiz entendeu que o empregador não cumpriu com suas obrigações e considerou a contaminação como um acidente de trabalho”, explica.
Veja abaixo o que muda para a trabalhadora gestante com a lei:
O que a lei determina para a trabalhadora grávida?
A lei 14.151 estabelece o afastamento de atividades de trabalho presencial de funcionárias grávidas durante a pandemia. A empregada deverá ficar à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.
Por quanto tempo esse afastamento das atividades presenciais vai durar?
A lei estabelece que a funcionária gestante deve permanecer em trabalho remoto enquanto durar a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.
Haverá mudança na remuneração da profissional gestante?
A lei estabelece que a substituição do trabalho presencial pelo remoto para a trabalhadora grávida deverá ocorrer sem redução de salário.
Qual o motivo para esse afastamento das atividades presenciais?
O avanço da pandemia no país, com ampliação considerável do número de vítimas e de ocupação de UTIs hospitalares, levou à necessidade de se pensar em uma alternativa para reduzir os riscos à gestante e ao feto.
Quais as consequências para as empresas?
De acordo com o advogado Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da Pós-Graduação da FMU, não há impedimento para que haja a readequação das atividades exercidas no ambiente presencial para o trabalho à distância, e isso não significa alteração ilícita do contrato de trabalho.
Erika Mello, especialista em Compliance Trabalhista do PG Advogados, afirma que os empregadores terão que ir além da simples leitura da lei para atingir o real objetivo da norma, de proteger a saúde da empregada gestante, sem inviabilizar os negócios e prevenindo riscos trabalhistas futuros.
Para o advogado especialista em direito do trabalho, direito empresarial e professor de pós-graduação, Arno Bach, nem todas as profissões possibilitam o trabalho remoto ou à distância, e nova lei não estipula nenhuma compensação às empresas nestes casos em que a empregada não poderá manter a prestação dos serviços. Ou seja, o custo que deveria ser público será transferido para um empregador privado.
“Em que pese proteger a maternidade, a lei traz um retrocesso e cria-se um preconceito para contratação de mulheres”, opina.
O empregador será obrigado a fazer essa readequação?
Sim, a empresa deverá seguir o que determina a lei, de acordo com Calcini. Erika ressalta que o empregador deve continuar acompanhando e apoiando a empregada gestante durante o período pelo qual o contrato de trabalho sofrer adaptações, especialmente quanto à sua saúde e bem-estar.
A advogada informa que, na impossibilidade de oferecimento pelo empregador dos equipamentos e infraestrutura necessários, impedindo que a empregada gestante trabalhe, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador, ou seja, a trabalhadora não poderá sofrer nenhum prejuízo.
André Leonardo Couto, gestor da ALC Advogados, diz que as empresas terão que ajudar em casos de falta de equipamentos. Nisso entram as responsabilidades pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos, além de oferecer a infraestrutura necessária e o reembolso de despesas arcadas pelo empregado. Tudo isso deve estar previsto em contrato formal.
Segundo ele, se a empregada gestante não possuir os equipamentos tecnológicos nem a infraestrutura necessária, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não são verbas de natureza salarial.
Erika lembra que a empregada gestante também não pode ser dispensada, pois goza de garantia de emprego desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto.
E se a função que a gestante exerce não permitir o teletrabalho? Qual a alternativa?
A alternativa é a suspensão do contrato de trabalho com base na Medida Provisória 1.045, que permite a redução da jornada e salário a suspensão dos contratos, além da estabilidade no emprego para os trabalhadores.
Segundo Calcini, apesar de haver aparente conflito de normas, já que a lei 14.151 estabelece que a substituição do trabalho presencial pelo remoto deverá ocorrer sem redução de salário, não há impedimento para que os contratos de trabalho das gestantes sejam suspensos na forma da MP 1.045.
Bach afirma que uma possível solução é suspender o contrato de trabalho das funcionárias gestantes, inclusive as empregadas domésticas gestantes, até 25 de agosto, que são os 120 dias de duração da MP 1.045, e acompanhar o desenrolar da vacinação. “Elas manterão seus direitos trabalhistas preservados, mas terão que se afastar e, neste caso, não receberão seus salários”, ressalta.
Para Erika, recursos como suspensão do contrato de trabalho, banco de horas e concessão de férias podem ser boas alternativas, mas precisam ser analisados com cautela para o correto dimensionamento dos benefícios e riscos a curto, médio e longo prazo, tanto para o empregador quanto para a empregada.
E se a empresa não seguir essa determinação?
Em caso de descumprimento, a trabalhadora deverá buscar a Justiça do Trabalho, informa Calcini. (G1)