Amostra de tecido muscular do coração foi completamente destroçada pelo vírus 48 horas após a infecção; teste pode explicar por que algumas pessoas ficam com sequelas da Covid-19.
Quando o novo coronavírus entra em contato com cardiomiócitos, as células que formam as fibras musculares do coração, tem o poder de transformá-las em algo irreconhecível: 48 horas depois, as fibras cardíacas estão completamente picotadas, em fragmentos tão pequenos e regulares que chegam a parecer obra de um procedimento cirúrgico. Essa foi a conclusão de biólogos do Gladstone Institutes, uma entidade de pesquisa que reúne 300 cientistas nos EUA.
Na experiência, o Sars-CoV-2 foi colocado em placas de cultura com amostras de três tipos de célula cardíaca humana: células endoteliais, fibroblastos cardíacos e cardiomiócitos. Ele não conseguiu infectar as duas primeiras, mas se propagou ferozmente pelos cardiomiócitos – porque eles possuem receptores da ACE2 (enzima conversora de angiotensina 2), estruturas às quais o vírus se conecta.
48 horas depois, a quantidade de vírus nos cardiomiócitos havia crescido mais de 10.000 vezes – o suficiente para levar à total destruição das fibras cardíacas, que deixaram de ser filamentos longos e contínuos e se transformaram em fragmentos quadrados que chamam a atenção pelo tamanho e formato [veja imagem acima].
As fibras se transformaram em “quadradinhos” porque foram reduzidas a sarcômeros: blocos de actina e miosina, as proteínas que compõem o músculo cardíaco.
O resultado assustou os pesquisadores. “Eu não sou um cientista que gosta de atiçar esse tipo de coisa. Mas, honestamente, eu não dormi enquanto estavamos terminando o estudo”, disse o biólogo Todd McDevitt, um dos autores do trabalho, ao site STAT. “Nada publicado na literatura médica mostra algo assim, os cortes tão precisos e exatos”, afirmou o geneticista Bruce Conklin, outro autor do estudo.
Os núcleos dos cardiomiócitos desapareceram, provavelmente destroçados pela ação do Sars-CoV-2. O estudo foi realizado ex vivo, ou seja, com células em laboratório. Não é possível afirmar, a partir dele, que o novo coronavírus tenha efeito similar no coração de pessoas infectadas: isso envolve vários outros fatores, inclusive a atuação do sistema imunológico. Mas a ação do Sars-CoV-2 sobre os cardiomiócitos pode ajudar a explicar por que 20% das pessoas internadas com Covid-19 acabam sofrendo lesões cardíacas – e, nos casos em que se recuperam, ficam com sequelas permanentes. “Nós não deveríamos encarar isso [a Covid-19] apenas como uma doença pulmonar, mas também potencialmente como doença pulmonar, mas também potencialmente como doença cardíaca”, afirmou Conklin.]
Por Bruno Garattoni – Superinteressante