Com a segunda consulta pública encerrada no último dia 24, o programa Future-se, lançado em julho de 2019 pelo Ministério da Educação (MEC), já foi rejeitado por três das quatro universidades federais baianas. A exceção é a Universidade Federal do Oeste (Ufob), na qual a assessoria de imprensa disse que o Conselho Universitário ainda não discutiu o tema.
“Nossa preocupação com o projeto é a perspectiva privatizante, principalmente a questão da existência de um fundo soberano, patrimonial, que iria financiar as universidades”, declara a pró-reitora de Desenvolvimento de Pessoas da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Denise Vieira de Silva.
A assessoria de imprensa do MEC informou que não tinha fonte disponível para falar sobre o programa, se limitando a afirmar que o “Future-se tem o objetivo de dar maior autonomia financeira a universidades e institutos federais por meio do fomento à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo”.
De acordo com apresentação do projeto no site do MEC, a implantação do Future-se inclui a assinatura de contratos de gestão entre as universidades e organizações sociais qualificadas pelo governo federal, por meio dos seus ministérios. Uma das possibilidades abertas a partir do modelo proposto é a contratação de professores sem a realização de concurso público.
CLT
Para a pró-reitora, a ideia de contratar professores pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é mais um dos aspectos que precariza o trabalho dos docentes e técnicos, consequentemente prejudicando a aprendizagem dos estudantes.
“Nas universidades federais, 80% dos professores têm dedicação exclusiva, então o estudante tem a oportunidade não só de assistir suas aulas, mas também de fazer pesquisa, participar de um projeto de extensão, de prestar serviços à comunidade, fazer cursos de teatro, dança, línguas estrangeiras… Ele tem uma formação cultural completa”, ressalta Denise.
Vice-presidente da entidade que representa os professores universitários da Bahia, a Apub Sindicato, Emanuel Lins Freire acredita que dessa forma “o professor fica sem autonomia, pois torna-se refém do contrato”. Ele explica que a CLT seria usada na contratação de docentes para atuar em projetos específicos desenvolvidos a partir de recursos captados pela universidade.
Atualmente, apenas professores substitutos ingressam nas instituições federais de ensino sem passar por concurso. Ainda assim, os profissionais são submetidos a um processo seletivo publicado em edital e o contrato tem duração máxima de dois anos.
Na avaliação do Conselho Superior da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que rejeitou o Future-se por unanimidade, em reunião realizada em dezembro, dois aspectos do projeto são especialmente danosos.
Em posicionamento divulgado após a decisão, o Conselho destacou a desvinculação do fomento das instituições do orçamento público e a progressiva desresponsabilização do setor público pelo financiamento das universidades”.
O projeto também foi rejeitado na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), de acordo com informações da assessoria de comunicação da instituição.
Embora a nota enviada pela assessoria do MEC garanta que a iniciativa “não pretende diminuir os repasses da União para às instituições, apenas promover uma complementação nos recursos”, Freire prevê um mecanismo para que essa desresponsabilização seja efetivada. “Para reduzir o financiamento público você não precisa parar de pagar, basta não reajustar. Dessa forma, o que hoje é 100, daqui a alguns anos vira 50, com mais algum tempo vira dez”, alerta.
A nota do Ministério enfatiza ainda que o projeto tem adesão voluntária, mas o vice-presidente da Apub Sindicato avalia que a versão recentemente submetida a consulta pública inclui um instrumento de pressão. Ele considera que a vinculação entre a adesão e o repasse de recursos para pesquisa “é uma espécie de chantagem”.
No site do Ministério da Educação, um dos pontos destacados da proposta atual é a concessão prioritária de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) aos participantes do Future-se.
Gestores temem prioridade ao atendimento das leis de mercado
A pró-reitora de Desenvolvimento de Pessoas da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Denise Vieira de Silva, ressalta a ênfase do projeto Future-se no atendimento aos anseios do mercado. “A universidade federal se transformaria em um escolão para dar aulas, ainda estaria voltada apenas para as áreas de tecnologia e criação de empresas, com prejuízo para toda a área de humanas”, analisa.
Essa preocupação também aparece no artigo publicado pelo reitor da Ufba, João Carlos Salles, no qual abordou os motivos para a rejeição ao projeto; assim como na justificativa do Conselho Superior da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) para a não adesão.
“O empreendedorismo e a inovação, que têm seu lugar na vida universitária, ganham sentido se associados a arranjos produtivos locais específicos, à melhoria das condições de vida, mas também às dimensões múltiplas da vida universitária, a processos efetivos de ensino e aprendizagem, de pesquisa e, vale enfatizar, de extensão”, defende Salles.
No texto divulgado pela Universidade do Recôncavo, o projeto é apontado como uma ameaça “pois a Universidade passaria a produzir conhecimento a serviço da produção de lucro para determinado setor empresarial e representaria uma tentativa de transformação profunda da sua missão, visão e valores”.
No site do Ministério da Educação (MEC), o anúncio da consulta pública indica que o “fomento ao empreendedorismo, à captação de recursos próprios, à exploração de patentes e à geração de startups” para que as instituições federais de ensino obtenham autonomia financeira. (A Tarde)