Lei admite DNA de parentes consanguíneos em processo de investigação de paternidade

Quase 407 mil pessoas foram registradas apenas com o nome da mãe entre 2019 e a primeira quinzena de junho deste ano em todo o Brasil, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Os números apontam que 29.854 dessas certidões de nascimento sem o nome do pai foram emitidas na Bahia, no período citado.

Alvo de projetos de diversos órgãos públicos, a inclusão posterior do nome paterno na certidão de nascimento ganhou mais uma ferramenta com a recente aprovação da Lei 14.138/21 que altera a Lei 8.560/92, criada para regular a investigação de paternidade. Em vigor desde 16 de abril deste ano, a modificação trata da realização de exames de DNA em parentes consanguíneos do possível pai.

“Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”, determina a Lei 14.138/21.

Segundo o juiz Alberto Raimundo Gomes, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), a mudança na legislação formaliza o que já era feito. “Nós já investigávamos a paternidade das pessoas através do parentesco em linha direta, através do DNA dos parentes mais próximos. Às vezes até nem se chega a uma probabilidade de 99,9%, mas chega a mais de 50% e as pessoas concordam, pois como tem implicações sucessórias, nós precisamos da autorização desses parentes para que reconheçamos a paternidade”, explica.

A grande novidade da nova lei então é a possibilidade de recorrer ao exame de DNA de parentes consanguíneos em caso de pessoas cujo paradeiro é desconhecido. A coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias de Justiça Cíveis, Fundações e Eleitorais do Ministério Público, Leila Seijo, comenta que sem a mudança era temerário recorrer ao teste em parentes nessas situações, pois caso o suposto pai reaparecesse poderia invalidar a decisão tomada.

Jurisprudência

A história da funcionária pública Cláudia Gonzaga*, 41 anos, é um exemplo de como já havia jurisprudência para que a investigação de paternidade fosse feita a partir de parentes do suposto pai.

Seu pai, hoje devidamente inserido na sua certidão de nascimento, foi informado da gravidez da sua mãe, mas queria que ela interrompesse a gestação, fruto de uma relação casual.

Algum tempo depois, Cláudia e a mãe realizaram algumas tentativas de contato com ele, mas sem sucesso. Assim, a funcionária pública só conheceu o pai quando já tinha 23 anos.

Embora desejasse que eles começassem uma relação familiar a partir daquele momento, o genitor nunca se mostrou interessado. Quando resolveu fazer outra tentativa de aproximação, onze anos depois, ela descobriu que ele havia cometido suicídio.

Na época, Cláudia soube que estava sendo feito um inventário e decidiu buscar a Justiça para garantir os seus direitos. Ela tinha conhecimento da existência de três irmãos por parte de pai, mas eles não sabiam que tinham uma meia-irmã. O exame foi feito por meio dos irmãos e Cláudia passou a ter a filiação completa na sua certidão de nascimento.

Tribunal

A redução do número de ações judiciais para reconhecimento de paternidade foi a motivação central para a criação do projeto Pai Presente do TJ-BA, em 2012, conta o juiz Alberto Raimundo Gomes. Ele estima que a iniciativa tenha diminuído em cerca de 70% o volume desse tipo de processo, principalmente em Salvador, embora o projeto também seja aplicado nas comarcas do interior.

“As pessoas que têm interesse procuram o tribunal através do site ou do telefone, se habilitam, e nós temos uma equipe que recepciona esses pedidos e agenda uma data para a realização dos exames”, conta o juiz. Ele esclarece que as partes envolvidas não são obrigadas a fazer o exame, nem comparecer à audiência de conciliação, mas diante de uma negativa o caso será encaminhado para a Defensoria Pública para abertura de ação de investigação.

“A paternidade faz parte da formação de cada pessoa, todo mundo quer saber suas origens, então em razão disso que o Tribunal assumiu essa incumbência social”, afirma Gomes, lembrando que o exame de DNA é custeado pelo TJBA.

Dados do Tribunal apontam que 2.161 exames foram feitos até 2019, resultando em 1.527 reconhecimentos de paternidade, apenas em Salvador. As audiências de conciliação passaram um período suspensas por conta da pandemia, mas já foram retomadas.

O juiz lembra que o serviço contempla crianças e adolescentes, mas também adultos que até já constituíram sua própria família, mas sentem falta do conhecimento de suas origens. Embora seja pouco comum, ele acrescenta a existência de casos onde a busca é pela confirmação de maternidade, sobretudo em situações nas quais a mãe entrega a criança para outras pessoas criarem.

*nome fictício a pedido da entrevistada. (ATarde)

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