A mãe do adolescente Lucas Terra, queimado vivo em um terreno baldio de Salvador, em 2001, comemorou a condenação dos pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva, responsáveis pelo crime. O júri terminou na quinta-feira (27), com pena de 21 anos de prisão em regime fechado para cada um.
A sentença cabe recurso no próprio Tribunal de Justiça da Bahia e também em instâncias maiores: Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, mas encerrou o sentimento de impunidade pelo crime, vivido por Marion Terra havia 22 anos.
Emocionada, ela lembrou do companheiro, Carlos Terra, que lutou por muitos anos pelo julgamento e chegou a acampar em frente ao Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, para cobrar celeridade no caso. Carlos morreu em 2019, por uma parada respiratória decorrente de uma cirrose hepática.
“Hoje [quinta, 27] foi o dia da minha vitória. Eu quero agradecer a todos da imprensa, que incansavelmente nunca se calaram, nunca foram omissos, sempre foram a nossa voz. Essa vitória não é só minha, não é só do Carlos, não é só do Lucas, essa vitória é de todas as mães da Bahia. De todos os jornalistas, de todas as famílias que, muitas vezes, perdem os filhos e se deparam com poderosos economicamente, e levam 22 anos, como nós levamos, e às vezes nem têm direito à justiça”.
“Estou muito emocionada, muito mesmo, pelo Carlos, pelo Lucas. Depois de 22 anos, essa é a justiça que eu tanto esperava, que eu queria. Eu queria vê-los condenados”.
Um dos advogados da família e assistente de acusação, Vinícius Dantas, detalhou que os 21 anos da condenação correspondem apenas ao crime de homicídio, triplamente qualificado pelo motivo torpe, o emprego do meio cruel e a impossibilidade de defesa da vítima.
“Eles também foram condenados pela ocultação de cadáver. Todavia, a pena de ocultação de cadáver foi de um ano e ela já prescreveu. Então, eles só cumprirão a pena, de transitar em julgado, do homicídio, que foi de 21 anos em regime fechado”.
Condenação
Ambos os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva foram condenados a 18 anos de prisão, ampliadas para 21 anos por causa dos agravantes do homicídio. A sentença deverá ser cumprida em regime fechado.
Além dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver, Joel e Fernando também teriam estuprado o adolescente, que na época tinha 14 anos. Isso teria acontecido depois de Lucas flagrar uma relação sexual entre os dois, dentro de um templo da Igreja Universal do Reino de Deus, na capital baiana.
Como o corpo da vítima foi encontrado bastante carbonizado, o Departamento de Polícia Técnica (DPT) não conseguiu identificar, durante a perícia, se houve a violação sexual.
Júri popular
No primeiro dia do júri, cinco testemunhas de acusação e uma de defesa foram ouvidas. Segundo um dos advogados de acusação, Jorge Fonseca, a testemunha de defesa apresentou contradição na fala. Por isso, os advogados de acusação pediram acareação, ou seja, que a testemunha prestasse depoimento novamente.
“Verificamos inconsistências nos depoimentos de algumas testemunhas com o dele, então a acareação serve para pôr em cheque e esclarecer o depoimento”, explicou o advogado Jorge Fonseca.
Entre as testemunhas de acusação ouvidas no primeiro dia, estava a mãe da vítima, Marion Terra, que se emocionou bastante durante o depoimento. Por ter sido testemunha na terça (25), Marion não pôde participar do segundo dia do júri. Ela esteve no Fórum Ruy Barbosa na quarta, mas foi embora antes da sessão começar.
Além de Marion, outras testemunhas deram seus depoimentos. Uma das testemunhas afirmou que viu Lucas na noite em que ele desapareceu, na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no bairro da Santa Cruz, e recebeu da vítima a informação de que ele estaria com Silvio Galiza.
Outra testemunha disse que recebeu orientação de um pastor da IURD para suspender as buscas por Lucas Terra, que eram feitas por familiares e amigos, de modo independente.
No segundo dia do júri, que durou cerca de 10 horas, as esposas dos dois pastores testemunharam a favor dos réus. A advogada de acusação, Tuane Sande, disse que foram encontradas contradições no depoimento da companheira do pastor Fernando Aparecido da Silva:
- As contradições foram identificadas quando a esposa de Fernando Aparecido da Silva teria dito que havia encontrado com Lucas Terra em Copacabana, no Rio de Janeiro;
- Entretanto, nos autos do processo, constam que ela não se lembrava se já tinha tido contato com o adolescente.
Nove das 10 testemunhas de acusação foram ouvidas – uma delas já havia prestado depoimento na terça. A defesa dos réus focou em demonstrar como era a rotina dos pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido na semana que Lucas desapareceu e foi encontrado morto.
As esposas dos dois religiosos contaram que estavam com os réus no dia em que Lucas teria desaparecido, na noite de 21 de março de 2001.
Além disso, um bispo e dois pastores da Igreja Universal foram ouvidos e contaram que Lucas era um jovem dedicado a religião e que os fiéis da igreja se comprometerem a procurar por ele após o desaparecimento.
No terceiro e último dia, os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva foram ouvidos por cerca de 5 horas. Depois, os promotores de Justiça e os advogados de defesa dos pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva, participaram da fase de debate.
Cada um deles buscou convencer os jurados do Conselho de Sentença, por 2h30. Os representantes do Ministério Público da Bahia (MP-BA) optaram por não pedir a réplica e os jurados se reuniram na sala especial para votação.
Durante todo o dia, a mãe do adolescente, Marion Terra, acompanhou o julgamento e se emocionou por diversas vezes. No momento da explanação da defesa, ela saiu do Salão Principal e ficou sentada com os outros dois filhos e familiares. (g1)