Nas manhãs de “maré grande”, como são chamados os dias depois de lua cheia e lua nova, dez mulheres vão para o mar da Ilha de Itaparica em busca das pinaúnas mais gordinhas. Desde o ano passado, as marisqueiras transformaram o hábito alimentar de comer aqueles ouriços espinhosos em um negócio que abastece restaurantes de luxo.
Durante a mariscagem, elas não precisam mergulhar: ficam em piscinas naturais rasas e límpidas, de onde conseguem avistar os ouriços incrustados em pedras. De volta da água, elas colocam os ouriços em uma mesa de metal.
É o início do processo de comercialização, que começa com a limpeza e, em seguida, o armazenamento.
Os ovos das pinaúnas são refrigerados ou congelados, a depender da urgência do comprador em ir buscá-las. O quilo é vendido por R$ 200 – preço abaixo do mercado, já que mercearias especializadas vendem 400 gramas por R$ 580. Mensalmente, as marisqueiras vendem de 10 a 15 quilos de ovas.
Elas fazem parte da Aliança Kirimurê, que reúne 200 famílias que vivem por 21 comunidades pesqueiras da Baía de Todos-os-Santos (BTS). O trabalho com a pinaúna, no entanto, é protagonizado por dez mulheres de três comunidades de Itaparica.
Foi no ano passado que, ao notar o interesse crescente de restaurantes pelos ouriços, o grupo se uniu para alimentar a demanda. As pinaúnas, fontes de proteína, sempre fizeram parte da dieta local, sobretudo em dias ruins de pescaria, mas a venda do ouriço em larga escala não era sequer pensada.
Os principais clientes são pessoas físicas, mas os restaurantes Origem, Vini Figueira e Boia logo viraram clientes. Depois, por mudanças no menu, eles interromperam os pedidos. Uma das marisqueiras que abastece a dispensa deles é Ana Paula Santos, 34 anos. Desde criança, ela come o ouriço, principalmente como a proteína da moqueca. Depois, já crescida, até passou a vender as ovas dele para alguns veranistas.
“Agora vendemos mais caro. É bem melhor e dá mais lucro”, comemora ela.
O propósito da Aliança Kirimurê é justamente este: melhorar a renda de famílias que vivem da BTS. E os dois princípios que guiam essa busca é a inovação nos produtos oferecidos — eles também vendem escamas e algas — e regeneração de ambientes degradados.
Mesmo entre o grupo, no entanto, ainda é preciso romper estereótipos. Por exemplo, há profissionais que torcem o nariz para ideia de vender pinaúnas.
“Mesmo que dentro de comunidades de pescadores seja um hábito normal, muitos deles ainda associam mais a algo negativo. Mas quando eles vem que podem vender e ter lucro com isso, é incrível “, avalia Zeca Bezerra, engenheiro de pesca e gestor da Aliança.
o dia 25 de março, a Aliança promoveu uma oficina de pesca e culinária na Gamboa. Durante o encontro, Zeca, um dos professores, incentivou os empreendedores e pescadores locais a trabalharem com a pinaúna.
A população local até conhece a possibilidade, a às vezes até se alimenta dela, mas não põem o ouriço no menu de restaurantes, pelo estigma que ainda o cerca.
Fonte: Correio