Aproximar as comunidades de terreiro do Poder Público e discutir ações de proteção dos espaços e monumentos de matriz africana. Este é um dos principais objetivos do projeto ‘MP e Terreiros em diálogos construtivos’, que teve mais uma edição na última sexta-feira, dia 27, no Terreiro da Casa Branca, no Engenho Velho da Federação. “Esse projeto conquistou o ‘Prêmio Innovare 2022’, entre mais de 100 práticas inscritas na categoria ‘Ministério Público’. Ficamos felizes com esse reconhecimento nacional para as religiões de matriz africana, que vêm sofrendo tanto com o racismo religioso no Brasil”, destacou a promotora de Justiça Lívia Vaz, autora do projeto. Ela ressaltou a importância da proteção desses espaços sagrados que vem sofrendo uma “espécie de caça às bruxas. A queima desses monumentos sagrados tem o objetivo de incutir medo nas comunidades. As religiões de matriz africana não são para nós apenas religião. São nossa cultura, nossa ancestralidade e nossa história que muitas vezes querem apagar”.
No encontro ficou decidido que será criado um grupo de trabalho interinstitucional, que fará um inventário georreferenciado para proteger os territórios. Também será realizado cursos de formação para os integrantes das comunidades de terreiros e para os servidores públicos acerca dos direitos das religiões de matriz africana. Outro assunto discutido foi a elaboração de uma nota técnica para orientar os promotores de Justiça para que haja a continuidade dos rituais religiosos mesmo diante das disputas por herança. Além de apresentar os serviços públicos, o evento buscou ouvir perguntas e criar soluções, garantindo o fortalecimento das relações entre as comunidades de matrizes africanas e o poder público. Foram apresentadas demandas para questões como enfrentamento ao racismo religioso, acesso à imunidade tributária, regularização fundiária de terreiros, ensino religioso e proteção de territórios sagrados.
Também estiveram presentes os promotores de Justiça Evaldo Vivas, coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH); Márcia Teixeira, titular da Promotoria de Justiça especializada na defesa da população LGBTIA+; Cristina Seixas e Elmir Duclerc. A cantora Daniela Mercury defendeu a realização de encontros com integrantes de diversas religiões, além da imprensa e representantes do governo, para se discutir a importância de ações conjuntas e o combate ao racismo religioso. O evento contou com a presença de autoridades religiosas como Iya Neuza Cruz Iyalorixa do Terreiro da Casa Branca, Ekedi Sinha da Casa Branca, Ogan Duarte do Bogun, Tata Emeterio do Tumba Jussara, Tata Ricardo, Iya Vania do Kale Bokun, Iya Marcia do Ile Axe Ewa Oludumare e Baba Alcides do Gantois.
Também esteve presente a ex-procuradora geral da República, Raquel Dodge que destacou que as instituições públicas precisam assegurar que todos tenham o direito de professar a sua religião, com dignidade e respeito. “Eu acredito na democracia e no estado laico. Todos precisam de um tratamento do estado que seja assegurado para todos e de não ser discriminado pela cor da pele que tem. Mas o que tem acontecido na história brasileira é exatamente o oposto, uma cultura de discriminação e de desrespeito”, destacou Raquel Dodge. Desenvolvido pela Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa, o projeto é mais uma ação do MP, que visa fortalecer as relações das comunidades religiosas de matrizes africanas com os órgãos públicos a fim de atender demandas específicas desse seguimento.
A programação do encontro contou também com uma reunião pela manhã que teve a presença da promotora de Justiça Lívia Vaz e representantes do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac); Ordem dos Advogados da Bahia (OAB); Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi); Câmara de Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural (CPHAAN); Codesal; e Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (Alba).
Sobre o Terreiro Casa Branca
Uma das prioridades do projeto ‘MP e Terreiros’ é consolidar a criação e planos de salvaguarda desses espaços, iniciando com o Terreiro Casa Branca, primeiro tombado pelo Iphan, mas que ainda não possui o referido plano. Localizado no bairro Engenho Velho da Federação, o terreiro foi reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro e inscrito nos livros do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 1984. O tombamento inclui uma área de 6.800 metros quadrados com edificações, árvores e seus principais objetos sagrados. Segundo a tradição oral, por volta da primeira metade do século XIX, três africanas da nação Nagô fundaram um terreiro de candomblé em uma roça nos fundos da Igreja da Barroquinha, em pleno centro da cidade. (MP/BA)