Moradores de Dom Macedo Costa temem extinção de município após PEC

Foto: Edvan Lessa/ CORREIO

A cidade de Dom Macedo Costa, no Recôncavo baiano, lembra uma pintura bucólica. Quase estático no tempo, o local pacato soa como um velho oeste verde, mas sem as armas, já que ali não ocorrem homicídios há 21 anos. Apesar do sentimento de estar imune a problemas de grandes cidades, a notícia de que talvez o município suma do mapa mexeu com sentimentos sagrados e profanos dos devotos macedenses. Na terça-feira à tarde, o governo Bolsonaro anunciou que há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com os municípios pequenos e que arrecadam pouco. Dom Macedo está na lista justamente por não ser grande, arrecadar pouco e depender de recursos governamentais para garantir condições mínimas de cidadania às pessoas.

A Bahia tem dez municípios com menos de 5 mil habitantes, que poderão ser extintos pelas novas regras, caso o Congresso Nacional aprove a PEC. O projeto do Ministério da Economia propõe que cidades nessa faixa populacional e com arrecadação própria menor do que 10% da receita total sejam os atingidos pela medida e sejam incorporados às cidades vizinhas a partir de 2026.

A lista, segundo Waldery Rodrigues, secretário especial de Fazenda, inclui 1.253 municípios brasileiros, de acordo com dados mais recentes da estimativa de população de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número representa 22,5% do total de cidades do país.

“Dom Macedo já enfrenta dificuldades sem essa mudança; a situação já é difícil. Se nos tornarmos parte de outra cidade, será pior”, acredita Mayane Cruz, 20 anos, estudante do ensino médio técnico.

A jovem desloca-se cerca de 20 quilômetros para ir à escola em Santo Antônio de Jesus, município que agregará a cidade menor, caso ela seja realmente extinta.

Surreal

A dona de casa Sonildes Cardoso Reis, 50, escutava atentamente a conversa com a jovem quando, indagada, narrou um episódio marcante vivido por ela. “Aos 13 anos, eu me lembro de ver a felicidade das pessoas diante da emancipação. Houve um desfile, foi uma vitória para o povo e agora vivemos este abalo”, lamenta.

Ao reviver as lembranças do local, Sonildes recria a narrativa próxima a que sustenta o filme “Narradores de Javé”. Na obra, moradores do vilarejo homônimo decidem escrever sua história e transformar o local em patrimônio. Em Dom Macedo Costa, esta memória existe e é bem comum a crença subjetiva de que, nascidos ali, pertencem àquele lugar e, por isso, não devem ser empurrados para outro.

“Falar de Dom Macedo é encher de emoção. Quando soube, parecia surreal, a proposta é infeliz. Como nascer num chão e acordar sabendo que não é mais aquele ambiente?”, expõe a atual secretária de Educação, Élida Piton.

“Que tenhamos sentimentos de pertencimento por nosso chão. Nossa identidade não pode ser ceifada. Orgulho de ser macedense”, publicou ela, em sua página pessoal, num cartão-postal que leva o nome da cidade.

Na noite de anteontem, a sessão da Câmara de Vereadores se ocupou, ao longo de duas horas, em debater o assunto. Segundo o então presidente, Geraldo Jorge Souza Sales, conhecido como Bahia, a Casa está organizando uma moção de repúdio e fortalecerá um abaixo-assinado iniciado por um morador local, mas que até o fechamento desta reportagem não havia repercutido.

O prefeito Egnaldo Piton Moura, conhecido como Guito da Saúde, informou que a cidade desenvolve ações específicas para impulsionar a economia local, destacando a compra de um terreno para criação de um pequeno centro industrial e projetos de fortalecimento da agricultura agroecológica. “Alguns distritos são, às vezes, abandonados, não se tem um cuidado e um zelo. Quando a cidade pertencia a São Felipe, não havia um planejamento agrícola ou urbano”, conta ele.

História
Guardião da memória local, Juracy da Nóbrega, 57, tem na ponta da língua a história de origem da cidade de Dom Macedo Costa, antes chamada de São Roque do Bate Quente, em alusão ao padroeiro local e ao fato de que ali ocorriam muitas brigas durante os festejos. A emancipação ocorreu em 1962, mas o nome foi alterado ao menos 30 anos antes.

Pessoas como Juracy especulam que o município tem ou já teve mais pessoas do que demonstram as pesquisas. No entanto, não há documentos que atestem a informação. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é altamente improvável que um Censo Demográfico subnotifique a população.

Conforme a Secretaria de Administração, Planejamento e Finanças, a cidade tem 247 servidores, efetivos e comissionados, e o cargo público é a principal ocupação local. Há ao menos uma fábrica e pequenos comércios em torno da praça central, Cônego José Lourenço. No geral, as pessoas se mudam ou se deslocam diariamente para outros municípios em busca de oportunidades.

Conforme o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM), Dom Macedo Costa depende dos recursos do governo federal repassados através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), oriundo das aposentadorias dos trabalhadores rurais e do Bolsa Família. Em 2018, a receita total do município foi de R$ 14.782.250,07, além de R$ 543.785,87 de receita própria (3,68% do total).

O FPM é uma transferência constitucional da União para os estados e o Distrito Federal, composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

“Sou bastante favorável ao FPM porque ele reduz as diferenças econômicas e sociais através da redistribuição federativa. Por outro lado, sou contra a união de municípios diante da história e identidade cultural”, afirma a administradora pública e mestre em políticas públicas, Ludmila Pioli.

Sagrado e mundano
“Eu estou vendo tudo com muita racionalidade, mas é óbvio que mexe com o nosso sentimento e nossa identidade. Na minha percepção, muitas pessoas estão utilizando simplesmente o sentimento político partidário, e não o sentimento de pertencimento”, acredita a professora Noelice Sousa, 49. Ainda segundo ela, apesar de arrecadar pouco, as pessoas desfrutam de uma qualidade de vida única em Dom Macedo.

“Aqui não dão chances para os filhos da terra. Quero que vire município comandado por outro. É preciso que acabe com a ‘comidinha’”, revolta-se um morador, cuja identidade foi preservada. Segundo ele, há alguns dias chegou a especular a saída do então prefeito por descontentamento com a gestão.

Contrária à posição, a professora Maria de Lourdes, 47, diz que já começou a rezar para que a PEC não se torne lei. “É preciso muita oração para que esse projeto não vá à frente porque o povo de Dom Macedo Costa é filho daqui, merece viver aqui e ama a sua terra natal. Estamos muito tristes”, expõe. A tranquilidade de poder dormir com a porta aberta, ela diz, pode mudar diante da integração com um dos municípios vizinhos onde a vida é mais agitada.

Dono de uma lanchonete no Centro, Miguel Pereira, 37, é categórico que deixaria a cidade, caso houvesse a aprovação da PEC. Na visão do empreendedor, a sensação de segurança e a facilidade de acessar os serviços de saúde estão entre os atributos de viver em Dom Macedo.

Na opinião de Wakcson Silva, 19, a cidade deve investir em ações de desenvolvimento que criem entre os mais novos o desejo de se fixar na cidade. “Por mim, a cidade continuaria sendo cidade, mas deveria ter melhores oportunidades, por exemplo, empresas para contratar os jovens”, acredita.

Apesar da PEC exigir quórum quase máximo e dois turnos em cada uma das Casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, as pessoas revezam-se entre o sentimento de que talvez o fato não se concretize e o sentimento de que haja retrocesso. É mais comum que um distrito seja alçado à cidade, e não o contrário. “Quem tem vai sentir um pouco, e quem não tem vai sentir mais ainda”, finaliza o lavrador Edmilson Martiniano, 35.

(Correio24h)

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